A cracolândia e o proto-fascismo de Alckmin e Kassab

Governantes implementam uma política reacionária e higienista – que penaliza negros e pobres, reprime movimentos sociais e restringe liberdades democráticas. A dupla governa com apoio da grande mídia – apoiada nas elites e na tradicional classe média branca paulista-na.

Por Julian Rodrigues
Sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

 

Caso estivéssemos em outra conjuntura, o autoritarismo e a violência exibidas na “operação cracolândia” seriam apenas mais uma manifestação da convencional hipocrisia que marca a abordagem dos governos sobre a questão das drogas.

Mas a mega operação do governo estadual e da prefeitura de São Paulo, além de ser pirotecnia pura, é bárbara, cruel, inócua – parte de planejada ascensão autoritária promovida pelo prefeito e pelo governador.

Trata-se de um retorno à ideologia corrente no início do século passado, em plena república velha, quando a questão social era tratada como um caso de polícia. Kassab e Alckmin implementam uma política reacionária e higienista – que penaliza negros e pobres, reprime movimentos sociais e restringe liberdades democráticas. A dupla governa com apoio da grande mídia – apoiada nas elites e na tradicional classe média branca paulista-na.

Kassab, enquanto se distrai construindo seu novo partido, o PSD, coloca a maioria das subprefeituras da capital na mão de oficiais militares. Seu governo persegue camelôs, desaloja violentamente sem-teto, faz do higienismo diretriz oficial.

Alckmin, em um ano de governo, já mostrou ao que veio com suas “aulas de democracia”. A PM do governador do PSDB tem como uma de suas tarefas reprimir o movimento estudantil. E está ocupada vigiando estudantes da USP, tentando impedir que fumem um singelo baseado no campus.

É a mesma polícia autoritária de sempre que ignora o direito constitucional à liberdade de manifestação, descendo o porrete em ativistas que defendem uma nova política de drogas em passeatas na Paulista.

Enquanto isso, o grande crime organizado segue atuando tranqüilo, a violência aumenta. Ou homofóbicos atacam livremente gays na região central.

Dor e sofrimento

Porém, é necessário registrar. Essa espetacular ação da PM de Alckmin e da prefeitura de Kassab na cracolândia inaugura um novo momento. Colocar milicos para jogar gás lacrimogênio e atirar balas de borracha em dependentes químicos, moradores de rua é ação típica de ditaduras. Remete-nos imediatamente aos anos de chumbo, à ditadura militar, quando o biônico governador Maluf e seu delegado Richetti regozijavam-se a prender e torturar negros, pobres, putas e viados nas ruas do centro paulistano.

Não há racionalidade ou objetividade nessa atuação violenta. Os direitos humanos e as liberdades civis de centenas de pessoas estão sendo violados flagrantemente. O problema não se limita aos evidentes equívocos conceituais ou à óbvia ineficácia dessa operação – que manipula o discurso do combate ao tráfico para fazer uma “limpeza” urbana.

É repulsivo esse oportunismo eleitoreiro. Anos de inação governamental não serão compensados com amadoras jogadas de marketing. O pior é certa apologia governamental da ignorância e da brutalidade. Um desprezo absoluto pelos direitos humanos. Para não mencionar o cinismo explícito. Afinal, não há locais, leitos ou estrutura mínima para acolher os dependentes que eventualmente decidam procurar ajuda.

Um secretário de Alckmin chegou a dizer que o objetivo da ação policial, além de dispersá-los, seria impedir o acesso dos dependentes à droga para que entrem em abstinência, sintam dor, sofram e procurem tratamento. Sem comentários.

Enfrentar o debate ideológico

Certamente a firme reação dos setores democráticos vai cessar essa ação proto-fascista na cracolândia. Mas será uma vitória pontual.

É hora de inserir o debate de uma nova política pública sobre drogas na agenda do petista. Sem pânico moral, sem hipocrisia, com realismo, respeito aos direitos humanos e racionalidade.

Toda pessoa tem o direito de alterar seu próprio estado de consciência, desde que não cause danos a terceiros – é uma liberdade individual, democrática. Dependência química, entretanto, é questão de saúde pública. E de política social.

Inexiste argumento- científico, jurídico ou filosófico – que justifique, por exemplo, a proscrição da maconha e o livre acesso à cachaça. E se faz, simultaneamente, propaganda abundante da cerveja.

A produção, comercialização e o uso de todas as drogas devem ser regulados pelo Estado. A questão é importante demais para ficar na mão do mercado ilegal.

Somente uma nova legislação e outra política pública, que caminhe em direção à legalização das drogas, com rígido controle, podem acabar com o tráfico. Além de reduzir danos, prevenir o consumo e tratar os doentes. Enfrentemos esse debate.

A esquerda paulista e brasileira, o Partido dos Trabalhadores, os movimentos sociais e os setores democráticos estão chamados a combater a política atrasada e repressiva dos tucanos e da direita paulista.

Nossa resposta tem de vir das ruas e das urnas. Na capital, nosso desafio é transformar a campanha de Fernando Haddad à prefeitura em um grande movimento de massas, que repudie os oito anos de Serra-Kassab e projete uma nova cidade.

É hora da velha e boa disputa política, ideológica, cultural.Momento de nitidez programática.

Porque a velha direita volta com força total. E a esquerda é cada vez mais necessária. Civilização ou barbárie?

*Julian Rodrigues, ativista pelos direitos humanos, é militante do PT-SP e coordenador nacional do setorial LGBT do PT

 

 

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