“Irresponsável e preconceituoso, Serra promove gafe diplomática e grosseira contra a Bolívia”, diz Ferro.

O líder do PT na Câmara, deputado Fernando Ferro (PE), qualificou ontem o ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB), de “irresponsável e preconceituoso” por acusar o governo da Bolívia de cumplicidade com o narcotráfico. Ele ironizou o pré-candidato tucano à Presidência da República por mostrar “coragem” contra um pequeno país sul-americano e preservar, ao mesmo tempo, os Estados Unidos, o maior consumidor de cocaína do planeta, e a Colômbia, que além de ser o principal aliado norte-americano na América do Sul é o maior produtor mundial da droga. O Peru ocupa o segundo lugar.

Em entrevista a uma rádio do Rio de Janeiro, José Serra afirmou: “Você acha que a Bolívia iria exportar 90% da cocaína consumida no Brasil sem que o governo de lá fosse cúmplice? Impossível. O governo boliviano é cúmplice disto”.

Segundo Ferro, o tucano mostra uma “indignação seletiva” com o grave problema do narcotráfico, deixando de lado a Colômbia , talvez por ter “identidade política ideológica com os partidos conservadores” que hoje governam aquele país. “Preferiu trazer a sua coragem, a sua verve, contra a pequena Bolívia. Foi uma gafe diplomática e uma grosseria contra um país vizinho e membro do Mercosul”, declarou Ferro.

Na avaliação do líder do PT, o linguajar do tucano é “policialesco, despreparado e desqualificado” para tratar do tema. “Esperamos que seja corrigido para que melhore o nível desse tipo de debate e não crie tensões diplomáticas desnecessárias e situações constrangedoras”, disse.

Para Ferro, “a declaração do tucano mostra uma visão colonizada e uma postura submissa a determinados interesses internacionais”. Ele suspeitou também que, por trás da declaração, haja a intenção real de atacar a Bolívia, como os tucanos defenderam no primeiro mandato de Evo Moralez, quando o presidente decidiu nacionalizar as reservas de petróleo e gás do país, afetando interesses de empresas estrangeiras, entre elas a Petrobras.

Ele frisou que a produção de cocaína na Colômbia, Peru e Bolívia só existe por causa do mercado consumidor, que encontra nos EUA a maior demanda. O petista reparou que o narcotráfico é um problema de escala mundial e criticou a visão reducionista de Serra. “É lamentável que o candidato tucano esteja mal informado, mal assessorado e, talvez, mal intencionado. Porque, ao fazer tal afirmação, ele desconhece a realidade dos institutos que trabalham essa questão do narcotráfico e informações policiais”, disse Ferro.

O líder observou que, hoje, na América Latina, o meganegócio da droga está ligado a cartéis, cuja operações levam até mesmo à desestabilização institucional. Citou, como exemplo, o México, que hoje se defronta com uma guerra interna contra o narcotráfico.

De acordo com o último relatório do United Nations Office on Drugs and Crime (Unodoc), de 2009, a Bolívia é apenas o terceiro cultivador de folha de coca. Em primeiro lugar está a Colômbia (81.000 hectares), seguida do Peru (56.000 hectares). A Bolívia tem em torno de 30.500 hectares. Assim, Colômbia e Peru cultivam 4,5 vezes mais folha de coca que a Bolívia.

Em relação às tendências recentes, o relatório do Unodoc observa que houve, em 2008, um pequeno aumento das áreas cultivadas no Peru (4%) e na Bolívia (6%). Entretanto, o relatório também observa que a atual área de folha de coca da Bolívia (30.500 hectares) é significativamente inferior aos números prevalecentes na década de 1990 (cerca de 50.000 hectares).

Ainda conforme o relatório do Unodoc, a quase totalidade da cocaína consumida nos Estados Unidos vem da Colômbia e passa pelo México. Em relação à Europa, as estatísticas feitas com base nas apreensões indicam que 48% dos países europeus indicam que a cocaína lá consumida vem da Colômbia, seguida do Peru (30%). A Bolívia é mencionada em apenas 18% dos relatórios nacionais dos países europeus.

O relatório não tem dados específicos sobre o consumo no Brasil. Entretanto, o CIA Factbook menciona que a Colômbia é responsável pela “quase totalidade” da cocaína consumida nos Estados Unidos e pela “grande maioria” da cocaína consumida em outros mercados. A mesma fonte menciona também que a Bolívia é “país trânsito” da cocaína refinada que vem da Colômbia e do Peru, destinada ao Brasil, Argentina, Chile e Europa.

Na realidade, de acordo com as informações disponíveis, a Bolívia nunca teve grande capacidade de refino. Na cadeia da cocaína, ela é essencialmente um país primário-exportador e corredor de trânsito. O tráfico e o refino mundiais são oligopolizados pelos grandes cartéis colombianos.
O consumo da folha de coca não é ilegal na Bolívia. A nova Constituição da Bolívia reconhece o hábito de mascar folha de coca como um patrimônio cultural ancestral do país. Por outro lado, o tráfico de cocaína é reprimido. Conforme o governo boliviano, depois da expulsão da DEA, que usava métodos violentos contra os cultivadores tradicionais da folha de coca, os indicadores relativos ao combate ao narcotráfico começaram a melhorar.

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