Haddad: só unidade progressista poderá conter desigualdade crescente

“Rumores de delação do Cunha. Espero que não procedam. Sou contra como sabe.”

“Tem alguma coisa mesmo séria do FHC? Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante.”

Essas mensagens atribuídas a Sergio Moro não deixam dúvidas do caráter das escolhas que o juiz fazia ao longo da Operação Lava Jato para circunscrever ilegalmente seu alcance político-partidário.

Tratava-se de consolidar novo bloco de poder representado pela aliança MDB- PSDB que, retomado o crescimento econômico, seria ungido pelo voto nas eleições de 2018.

As fotos em que Moro aparece sorridente em conversas animadas com Michel Temer e Aécio Neves só se tornaram constrangedoras depois da reviravolta promovida por Joesley Batista ao divulgar gravações de conversas reveladoras.

Nulas as chances de manutenção daquele bloco, Alckmin ainda conseguiu operar a coesão do conservadorismo, excluindo o MDB. Apresentou-se como candidato presidencial da maior coalizão de 2018.

Veio a facada que feriu de morte suas pretensões.

Já o sobrevivente, no leito hospitalar, disse a um dos seus padrinhos, o empresário Paulo Marinho: “Agora não precisa fazer mais nada”. Esse seu lema de uma vida inteira o tinha colocado, vivo, às portas do Planalto.

Recentemente, o mesmo Paulo Marinho fez um movimento contrário ao de Moro. Enquanto este embarcou na canoa do capitão, tentando escalar-lhe os ombros, aquele tomou outro rumo: “A candidatura do capitão foi um atalho para derrotar o PT; feito isso, voltei para a origem do meu projeto politico, que é ajudar o João Doria”.

Paulo Guedes, por sua vez, justificando apoio a Bolsonaro, lamentava-se com habitual truculência à revista piauí (setembro/2018): “Todo mundo aí trabalhou para o Aécio, ladrão. Para o Temer, ladrão. Aí chega um sujeito completamente tosco e consegue voto como o Lula conseguiu e a elite brasileira em vez de entender…”.

Guedes, portador de uma agenda selvagem na economia, que agradava a elite e para a qual tinha convertido o capitão, tomava-o como animal domesticável quanto ao resto. O verniz que sempre encobriu a violência da nossa sociedade, tido como indispensável, viria com o tempo. “Amansa o cara!”, bradava.

Os tucanos talvez não tenham compreendido a natureza do bicho que ajudaram a eleger. O obscurantismo de Bolsonaro é o necessário complemento espiritual do projeto ultraneoliberal que se desdobra no plano material.

Um país tão desigual quanto o nosso que vê em mais desigualdade a chave da sua recuperação exige um ethos regressivo.

Que só a unidade progressista poderá conter.

Fernando Haddad
Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo

Coluna publicada originalmente em Folha de S. Paulo

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