Julio Turra: Sim, Lula deve revogar a reforma trabalhista de Temer!

Foto: Ricardo Stuckert

Mas não foi isso o que ocorreu no acordo tripartite feito na Espanha

Os primeiros dias deste ano foram marcados pela fala de Lula que sugeriu sua disposição de revogar a reforma trabalhista adotada no governo Temer em 2017, ao citar o ocorrido na Espanha, no final de 2021, por iniciativa do governo de Pedro Sánchez (PSOE e Podemos).

Foi o suficiente para gente como Rodrigo Maia, Dória, Moro e o próprio Temer, saírem em defesa da dita reforma, na verdade um ataque brutal aos direitos trabalhistas e à ação sindical aprovado pela maioria reacionária do Congresso, que em nome da “geração de empregos” – promessa jamais cumprida – precarizou ainda mais as relações de trabalho no Brasil, em benefício exclusivo dos empresários.

Já o deputado Paulinho da Força, que oferece o seu partido, Solidariedade, como legenda para Alckmin ser vice de Lula, disse na Folha (11/01) que o ex-tucano “está preocupado com a discussão que surgiu nos últimos dias sobre a revogação da reforma trabalhista” e que respondeu a ele que “as centrais não defendem a revogação completa da reforma”, mas apenas “a regulamentação do valor da contribuição sindical em assembléia”. No que foi rebatido, na mesma matéria, por Antonio Neto, presidente da CSB, que declarou que “a maioria das centrais defende a revogação da reforma”.

A CUT ainda não discutiu o tema nas suas instâncias, mas seu presidente, Sérgio Nobre, assinou nota conjunta com outras sete centrais, publicada na Folha em resposta a artigo de Michel Temer de 9 de janeiro, condenando a reforma de 2017 por atacar direitos trabalhistas e alijar os sindicatos de negociações, além de não ter passado pelo “diálogo social tripartite”

O que de fato ocorreu na Espanha?
Em 6 de janeiro publicamos neste site a declaração do POSI (seção da 4ª Internacional no Estado Espanhol) à qual remetemos o nosso leitor. Ela explica o conteúdo do acordo tripartite – governo, empresários e duas centrais sindicais (CCOO e UGT) – que modifica alguns elementos da reforma trabalhista feita no governo Rajoy (PP, direita) em 2012, mas que não mexe na reforma anterior, feita no governo Zapatero (PSOE), contra a qual os sindicatos fizeram uma greve geral em setembro de 2010.

A imprensa no Brasil limitou-se a comentar a fala de Lula e suas repercussões, sem detalhar o que se passou na Espanha. Exceção feita à Carta Capital, que publicou em seu site (07/01) o artigo “Citada por Lula, revisão de reforma trabalhista divide a esquerda na Espanha; entenda a discussão” (ver em www.cartacapital.com.br/mundo/), cujo subtítulo indica que: “Políticos espanhóis acusam o governo Sánchez de ter cedido aos empresários e à União Européia ao manter itens da reforma de 2012”.

Com efeito, a União Européia, para liberar verbas do fundo “Next Generation” para a Espanha, exigia de seu governo que qualquer mudança de regra trabalhista teria que se dar antes de 31 de dezembro, daí a pressa para se chegar a um acordo.

Quanto aos empresários, as suas entidades CEOE e Cepyma consideram em nota conjunta que “o acordo consolida o modelo laboral atual, que permitiu aumentar a produtividade das empresas, assegurar sua competitividade e contribuir ao crescimento do emprego. (…) mantém intactos os mecanismos de flexibilidade interna que garantem a adaptação das empresas às circunstâncias, assegura a liberdade de empresa e a segurança jurídica, contribuindo para a Paz Social.”

O jornal “El País”, em editorial, afirmou que o acordo “contribui para eliminar a temporalidade abusiva, assentar a paz social, assegurar a estabilidade política e garantir o acesso aos fundos europeus”. Já o “ABC”, jornal monarquista, diz que é “um acordo que modificará alguns aspectos do que foi aprovado em 2012, mas que mantém a sua essência. Em nenhum caso se trata da ‘revogação’ que textualmente prometeram o PSOE e Podemos em seu programa eleitoral e em seu pacto de coalizão.”

Assim, os grandes entusiastas do acordo são dirigentes da UGT e CCOO que falam em “acordo histórico” e “mudança de ciclo”, seguidos por partidos (como o PCE) que apóiam o governo. Há alguns que dizem que o acordo é um passo inicial, depois virá a revogação de outros aspectos. Mas Yolanda Díaz, ministra do Trabalho que arquitetou o acordo, deixou claro que não haverá mais reformas laborais nesta legislatura.

Em suma, o acordo pressupõe que, por meio do “diálogo social”, governo e sindicatos aceitam não mexer na grande maioria dos cortes de direitos incluídos nas reformas laborais de Zapatero e Rajoy. Fica claro que o compromisso eleitoral do PSOE e Podemos de revogar a reforma trabalhista não foi cumprido. Entretanto, a exigência de revogação completa das reformas de 2010 e 2012 segue sendo um objetivo do qual não renunciam outras centrais sindicais da Espanha e inclusive sindicalistas das bases de Comisiones Obreras (CCOO) e UGT.

De volta ao Brasil
É oportuno que neste ano eleitoral, mesmo que ainda faltem nove meses para as eleições e seria melhor nos livrarmos do governo Bolsonaro desde já, a questão da revogação da reforma trabalhista tenha vindo à tona pela voz de Lula.

Em 11 de janeiro houve uma reunião virtual entre representantes do governo da Espanha, da UGT e de CCOO com Lula e dirigentes de centrais sindicais do Brasil. Segundo alguns dos participantes, a maior parte do tempo foi tomada pelo ministro espanhol Escrivá que, munido de um “power-point”, destacou os feitos do governo PSOE-Podemos. Ele destacou que a revisão da reforma laboral contou com “amplo consenso construído pelo governo com a sociedade civil, sindicatos e empresários”. Já Lula não teria falado de revogação da reforma trabalhista, mas apenas de garantir direitos aos trabalhadores de aplicativos e na construção de uma mesa de negociação para o debate tripartite.

De todo modo a questão está colocada. O período iniciado com o golpe contra Dilma e que desaguou no atual governo foi de destruição de direitos e conquistas dos trabalhadores e do povo, de entrega da nação aos apetites das multinacionais, de desmanche dos serviços públicos. O que exige um programa de reconstrução da nação, sobre a base dos interesses do povo trabalhador e não da elite sanguessuga subordinada ao imperialismo, que seja abraçado pela candidatura de Lula.

Tal programa, é claro, deve incluir a revogação da reforma trabalhista de 2017 e seus anexos, bem como da reforma da Previdência de Bolsonaro, para ficar em dois exemplos. Como vimos acima, não é seguindo o “modelito espanhol” que avançaremos nessa via necessária.

12 de janeiro de 2022
Julio Turra – artigo publicado originalmente no site O Trabalho

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