Considerações sobre a anulação dos processos de Lula

Nesta segunda-feira (08.03.2021), o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, anulou os processos contra Lula, fundamentado na incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, para julgar os casos:

1. do triplex do Guarujá
2. do sítio de Atibaia
3. do Instituto Lula

O efeito imediato desta decisão é a restituição a Lula de seus direitos políticos, isto porque, ao ter seus processos anulados, adequa-se ao critério da Ficha Limpa, no que tange a elegibilidade.

No entanto, a decisão monocrática de Fachin, deve ser celebrada com muita cautela, porque:

Em primeiro lugar, refere-se ao caráter processual e não ao mérito das condenações.

Em segundo lugar, a Procuradoria Geral da República, já anunciou que irá recorrer.

Desta forma, resulta que:

Em primeiro lugar, ao apresentar recurso, a PGR, provoca uma deliberação do Plenário do STF e se,eventualmente, for desfavorável a Lula, ele volta a se tornar inelegível.

Em segundo lugar, Lula ainda não foi inocentado, porém, agora os processos serão julgados pela Justiça Federal de Brasília e devem recomeçar do zero.

Mas, se já há casos análogos e com transferência dos processos para a Justiça do Distrito Federal e se há meia década os advogados de Lula, referem-se a esta incompetência da 13a Vara de Curitiba, então, porque somente agora, acatou-se o pedido da defesa de Lula?

Neste sentido, é importante ponderar que, ainda que a decisão do Ministro do STF, aparente uma conduta neutra da Justiça, é preciso ficar claro, que a Justiça também no Brasil não é imparcial, que tem um conteúdo ideológico de classe e que a decisão de segunda-feira (08.03), trata-se, no fundo, de uma manobra, menos para promover a Justiça a Lula e mais para buscar viabilizá-lo enquanto eventual alternativa civil competitiva, na disputa de 2022.

Acontece que, parte dos setores conservadores da sociedade, ou seja, da direita tradicional, – e com incontestável influência profunda, por exemplo, nos grandes órgãos de imprensa, judiciário, ministério público, procuradoria e polícia federal – , já compreendem que a aposta na “antipolítica” para aniquilar o petismo produziu como rebento, o seu resultado mais perverso: o bolsonarismo.

E se, em um primeiro momento, tornou-se o bolsonarismo sedutor, por empregar um discurso apartidário ( condizente com o ideal que, enquanto conservadores, sonhavam).

Em um segundo momento, dão-se conta, porém, que Bolsonaro e seu séquito, enquanto cria legítima da “não-política”, representa, na verdade, uma concepção ultraconservadora de mundo, que emprega a política não como a arte do convívio e promoção do bem-estar coletivo, mas como naturalização individual da violência e uso do poder arbitrário como instrumento de opressão política e condição psicológica de prestígio, entre seus pares.

Daí porque, de acordo com parte da ala conservadora, ou seja, da direita tradicional, é melhor – como conduta preventiva – deixar uma carta na manga como possível alternativa para frear o avanço do bolsonarismo, pois, ainda que isto implique em supostamente vir a reconhecer uma injustiça cometida contra Lula e o PT, ao menos pode-se tentar impedir, que o Brasil descambe para uma nova ditadura militar, que não será nada seletiva no exercício do poder sujeitando, portanto, todos e a todos colocando em risco iminente.

E esta perspectiva não é mera conjectura, uma vez que, de 2016 até hoje, evidencia-se que as consequências do antipetismo fomentado pelos grandes órgãos de imprensa e subscrito, inclusive, pelo Judiciário não se limitou a atingir apenas o PT, destituindo Dilma Rousseff, prendendo Lula e criminalizando, aliás, a esquerda, em geral.

Ao contrário, desde o golpe de 2016 até às declarações recentes e explosivas do Deputado Daniel Silveira, o que se constata é que a extrema-direita aumenta o tom, não mais em relação apenas ao petismo, mas às instituições da democracia formal burguesa como um todo e se constitui em ameaça política real à ordem conservadora estabelecida.

Daí porque, enquanto – embora a contragosto – parte da ala conservadora já sinaliza ser uma possibilidade apostar em Lula para conter a marcha de Bolsonaro rumo á ditadura; uma outra parte desta ala conservadora, mais resistente a reconhecer a conspiração levada a cabo contra Lula, o PT e, em consequência, contra o país, procura encontrar uma alternativa de direita ou centro-direita, para derrotar politicamente Bolsonaro deixando, porém, intacta a injusta estrutura econômica montada e que, sobretudo, em tempos de pandemia, tanto tem sacrificado o povo brasileiro.

Desta forma, a anulação dos processos contra Lula, por Edson Fachin, não traduz – penso – um avanço rumo á tão esperada Justiça com nosso querido ex-presidente, mas apenas evidencia que parte da ala conservadora da sociedade, também disposta a vencer politicamente Bolsonaro, irá preferir restituir os direitos políticos de Lula.

Há, no entanto, algo ainda a ponderar:

Se um candidato de direita ou de centro-direita ( o que penso ser improvável) se viabilizasse eleitoralmente, enquanto candidato competitivo para enfrentar Bolsonaro, então, será que a Justiça selaria o destino de Lula, condenando-o?

Se Lula for considerado pelos setores conservadores da sociedade, como o mais competitivo para derrotar Bolsonaro, e, por isso, permanecer elegível, sem ser, porém, inocentado até o pleito, cogitando que vença ( o que penso que ocorrerá), mas, já tendo cumprido – de acordo com as elites – o papel que lhe cabia, então, esta mesma elite poderá via jurídica, encontrar alguma forma de impugnar-lhe o mandato?

Aos meus corregilionários, digo que por estas incertezas recebi com prudência, a decisão de Fachin, por entender que o mesmo não decidiu em função da Verdade e da Justiça, mas, porque ele representa parte dos setores conservadores da sociedade, que irão procurar “utilizar” nossa legenda e Lula, por conveniência para combater a monstruosidade política que eles mesmos fizeram nascer do ventre de ódio, de mentiras e conspirações, que criaram.

Que fique claro: enquanto os sabotadores do Brasil buscam combater Bolsonaro por arrependimento; nós, os terrivelmente petistas, combatemos o projeto genocida de Bolsonaro porque afirmamos a necessidade de uma nova primavera para nossos sonhos, de justiça social.

E mais: devemos afirmar que Lula, enquanto candidato genuíno do povo ( e não das medíocres elites arrependidas), não deve apenas por conveniência de Fachin e da direita tradicional arrependida, ter, Lula, seus direitos políticos restituídos, mas deve também e antes mesmo da prescrição de seus processos – ainda que sob forte pressão popular – ser considerado o que verdadeiramente é: INOCENTE.

Charles Gentil é presidente do Diretório Zonal PT do Centro. Integrante do Democracia e Luta. Coordenador do Comitê Popular Antifascista Ponte Rasa Pela Democracia e Lula Livre

Posts recentes:

Arquivos

Pular para o conteúdo