O surgimento das primeiras vacinas contra o coronavírus reabriu a temporada de teorias da conspiração absurdas patrocinadas por movimentos antivacina e de extrema direita. Este método de imunização é seguro e é responsável por, inclusive, aumentar a expectativa de vida da população.
Você provavelmente só está lendo este texto porque foi vacinado quando criança e, por isso, permaneceu vivo. Pode ficar tranquilo: ao contrário do que disse o presidente Jair Bolsonaro, você não corre o risco de virar um jacaré se tomar a vacina para prevenir a covid-19.
Abaixo, reunimos, a partir de um texto publicado no site da Unicamp pelo professor da instituição Luiz Carlos Dias, dez das maiores mentiras sobre vacinas. Vale ler com cuidado e ajudar a combater a desinformação:
Mentira 1: Vacinas não são seguras
As vacinas, uma vez aprovadas para uso em massa, são seguras e eficazes. Elas são desenvolvidas com base na necessidade de se proteger a população de doenças fatais e que provocam incapacitação. As vacinas salvam cerca de 3 milhões de pessoas por ano, ou cinco pessoas a cada minuto, aumentaram nossa expectativa de vida e foram as principais responsáveis pela diminuição da mortalidade infantil.
Existem algumas poucas contraindicações, para vacinas de vírus vivo ou atenuado, em pacientes que têm problemas de imunidade, que tomam algum medicamento que reduz a imunidade do organismo, ou que tem comorbidades mais sérias. Algumas vacinas contém os chamados adjuvantes, que ajudam na intensidade e na duração da resposta imune, permitem que doses menores do antígeno sejam usadas e auxiliam a aumentar a estabilidade das vacinas durante o armazenamento. Tanto o princípio ativo, bem como os adjuvantes e os conservantes, estão presentes em quantidades muito pequenas nas vacinas, são seguros e são eliminados do organismo, como qualquer medicamento, comida e bebidas que ingerimos.
Algumas vacinas mais antigas usavam o tiomersal (etil mercúrio), nunca o mercúrio elementar, como conservante em sua composição para evitar a proliferação de bactérias e fungos. Mesmo não havendo nenhuma toxicidade na substância, a tecnologia permitiu que ele fosse substituído por outros conservantes, deixando de ser usado em vacinas. O benefício de tomar uma vacina é sempre muito maior que o risco, que é mínimo ou inexistente.
Mentira 2: Não preciso me vacinar se outras pessoas se vacinam
A vacinação em massa, quando atinge grande número de pessoas, protege saudáveis e vulneráveis contra quaisquer infecções, como idosos, bebês, imunodeficientes e imunossuprimidos, como pessoas com câncer ou HIV. Essa proteção, chamada de imunidade coletiva, somente é eficaz quando uma grande parcela da população está imune – ou seja, quando a cobertura vacinal atinge cerca de 92-95% da população.
Dessa forma, é essencial que todos aqueles indivíduos que possam ser vacinados o sejam para proteger aqueles que não podem se vacinar. Quando uma grande quantidade de pessoas estiver vacinada, evitamos a circulação do vírus selvagem nos “buracos” onde houver pessoas que não foram vacinadas. Quanto mais pessoas se vacinarem, menores as chances de surtos e novas ocorrências de determinada doença em uma população.
Mentira 3: Posso me contaminar com o coronavírus ao tomar a vacina
Não é verdade: uma versão ativa do novo coronavírus não está presente nas vacinas. Especialmente na Coronavac, da chinesa Sinovac, que usa o vírus inativado, incapaz de se replicar no corpo humano e causar doença.
Todas as vacinas, independente da nacionalidade, se da China, EUA, Reino Unido, Rússia ou qualquer outro país, devem passar por um processo longo de desenvolvimento antes de serem aprovadas e todas, sem exceção, seguem os mesmos protocolos de testes. As vacinas precisam passar por testes rigorosos em várias fases para garantir que sejam eficazes e seguras.
O nível de exigência dos órgãos regulatórios locais, como a Anvisa, é elevado e segue protocolos rígidos. Se a candidata vacinal se mostra segura e eficiente, recebe aprovação. Após o registro, que no Brasil é coordenado pela Anvisa, ela pode ser produzida em larga escala e distribuída para a população.
Mentira 4: Vacina causa autismo e outras doenças
As vacinas servem para prevenir doenças e não para causá-las. A mentira de que vacinas causam autismo foi criada em 1998 pelo ex-médico britânico Andrew Wakefield, que publicou na época um artigo nada científico na revista The Lancet, relacionando a vacina da tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) com casos de autismo em crianças. Posteriormente, foi comprovado que não havia absolutamente nenhuma evidência de que vacinas causem autismo e esse artigo foi retratado (despublicado).
O “estudo” estava repleto de informações falsas, e Wakefield teve sua licença de médico cassada pelo governo britânico. A repercussão do artigo, no entanto, causou enorme estrago na saúde pública no Reino Unido, levando a um aumento no número de casos de sarampo e caxumba desde sua publicação. Foi com esse estudo mentiroso que começou o movimento antivacinas, que presta um enorme desserviço à saúde pública. Não se vacinar contra sarampo pode levar à morte e a complicações muito graves do sistema nervoso central, causando encefalite.
Vacinação é segura e é importante que o máximo de pessoas tenha o imunizante aplicado / Evandro Oliveira/PMPA
Mentira 5: Bill Gates quer implantar um chip com a vacina contra covid-19
O nome do bilionário Bill Gates é um dos preferidos do movimento antivacinas e alguns grupos religiosos. Embora tenha criado sua fortuna no ramo de desenvolvimento de softwares com a Microsoft, o empresário fundou a fundação filantrópica Bill e Melinda Gates, que financia projetos de saúde pública, incluindo o desenvolvimento e distribuição de vacinas.
Essa mentira espalhada pelo movimento antivacinas sugere que, quando se injeta vacinas com vírus nas pessoas, quem tem boa imunidade sobrevive, e quem tem imunidade mais baixa morre. É um absurdo.
O nome de Gates também está associado a um plano que teria originado a covid-19, em virtude de uma observação dele em uma palestra em um TED talk em 2015, com o título: “O próximo surto? Não estamos preparados”, em que ele descrevia o risco de a humanidade enfrentar uma pandemia e como seria o cenário.
Além da teoria de conspiração, que relaciona o nome de Gates a controle populacional e ao surgimento da covid-19, outra bastante associada ao seu nome é a de implantação de microchips para monitorar a população. Essa teoria surgiu pelo fato dele ter comentado sobre a possibilidade de aplicação de uma tinta invisível nanotecnológica na pele para registrar as vacinas aplicadas no paciente, como se fosse uma carteirinha de vacinação.
Segundo o movimento antivacinas, a pandemia de covid-19 seria então aproveitada para implantar microchips na população mundial através das vacinas, permitindo o controle das pessoas com antenas 5G e não permitindo que as pessoas com chips implantados fosse monitoradas pelos governos.
Fato é que Gates apenas comentou sobre a possibilidade de termos alguns “certificados digitais” para mostrar quem já se recuperou de um caso da covid-19, foi testado ou recebeu a vacina, sem nenhuma menção a microchips e muito menos à tecnologia 5G.
Em resumo, você não vai começar a transmitir sinais de wi-fi ao tomar a vacina. E vamos combinar: você já é “monitorado” pelo seu celular e pelas informações que coloca nas redes sociais – não precisa de vacina para isso.
Mentira 6: Vacinas são usadas para controle populacional
As vacinas nunca foram usadas para controle populacional e não causam infertilidade. Esta tese provavelmente teve origem em uma das tantas teorias de conspiração envolvendo o nome de Bill Gates e um projeto da fundação Bill e Melinda Gates de conscientização pelo planejamento familiar na África. Algumas alas da Igreja Católica, juntamente com o forte movimento antiaborto presente na África e nos EUA, disseminaram mentiras sobre hormônios sendo injetados em vacinas antitetânicas em mulheres africanas, para controle populacional, e agora a fake news se espalhou.
Mentira 7: Vacinas são preparadas com fetos abortados
Esta é uma das maiores mentiras criadas pelo movimento antivacinas e explora o aborto, um tema sensível e um tabu da nossa sociedade. Tivemos vacinas que continham o vírus que foi cultivado em células fetais humanas, mas fetos abortados nunca fizeram e não fazem parte da composição de nenhuma vacina. Algumas células humanas fetais nas vacinas que as continham são cópias de células imortalizadas de um tecido coletado em 1972. Hoje, as células usadas na produção de algumas vacinas não são mais as mesmas das originais: o tecido coletado em 1972 deu origem a outras gerações, que são chamadas de células imortalizadas. Elas são replicadas apenas in vitro, sendo usadas na produção do agente infeccioso. Essas células são utilizadas na produção dos vetores virais de vacinas, como os adenovírus modificados.
Mentira 8: Corpo sadio não precisa de vacina
Não é verdade. Nós adquirimos imunidade inata com o leite materno, que não nos protege de todas as doenças. Se estamos aqui hoje escrevendo e lendo essa matéria, é graças as vacinas que tomamos enquanto crianças. A imunização provoca uma resposta imune adaptativa (anticorpos e linfócitos de memória) por meio da inoculação de antígenos. Uma pessoa só está imune à uma doença se produzir anticorpos e linfócitos de memória. Hábitos saudáveis podem auxiliar na resposta imune eficaz, mas não imunizar.
Mentira 9: Vacinas de tecnologia genética alteram nosso DNA
Esta teoria sem fundamento teve origem em uma declaração da osteopata norte-americana Carrie Madej, que afirmou em um vídeo na internet que “esta tecnologia vai criar uma nova espécie e, talvez, destrua a nossa”. As vacinas de DNA e RNA não alteram o nosso material genético e não nos transformam em espécies diferentes.
As vacinas de DNA inserem no nosso organismo apenas um pedaço muito pequeno do código, chamado de plasmídeo, onde ocorrem modificações e inserções de genes do próprio agente causador da doença (patógeno). Quando ocorrer a introdução da vacina de DNA no nosso organismo, normalmente através de um processo conhecido como eletroporação, este pedaço de DNA será lido pela maquinaria celular no núcleo de células do paciente, produzindo a proteína codificada pelo gene, que esperamos seja reconhecida como estranha pelo sistema imune, induzindo imunidade contra aquela proteína.
Nas vacinas de RNA, o mRNA (RNA mensageiro) é incorporado em nanopartículas lipídicas (gorduras), que carregam a fita de mRNA para dentro do citoplasma. Elas seguem um princípio muito semelhante às vacinas de DNA, mas não necessitam que o mRNA seja inserido no núcleo, visto que a tradução dessa molécula é realizada no citoplasma. Não existe possibilidade de que vacinas de DNA e de mRNA alterem nosso DNA, pois não são inseridos dentro do genoma humano e não vão nos tornar seres humanos geneticamente modificados.
Mentira 10: Vacinas contêm ‘luciferase’
Não é verdade. A enzima luciferase não faz parte da composição de nenhuma vacina. Os grupos antivacinas disseminaram a mentira de que vacinas a contêm a em sua composição, associando as vacinas com a marca da besta. Claro que, ao ler o nome luciferase, logo vem à mente a lembrança de Lúcifer.
Porém a luciferase existe (não em vacinas). A palavra é derivada do latim lux fero, que significa portador de luz. A luciferase foi caracterizada pelo cientista francês Raphaël Dubois, por sua função no mecanismo de bioluminescência (emissão de luz por seres vivos), sendo a enzima responsável por catalisar a linda reação biológica de oxidação da luciferina por oxigênio, transformando energia química em energia luminosa e fazendo com que vagalumes brilhem no escuro.
Por Brasil de Fato