Manoel Del Rio

Sou Manoel Del Rio, tenho 75 anos de idade, sou advogado, mas estudei letras também na USP. Eu nasci na roça, sou filho de pais lavradores, analfabetos, vim pra São Paulo com 15 anos de idade, fui trabalhar em fábrica de operário, fiquei muito tempo trabalhando nas fábricas, é como eu ingressei no movimento.

Eu trabalhava em um bairro operário, mas logo que eu cheguei em São Paulo houve o golpe militar e o golpe arrasou tudo, fechou os sindicatos, o movimento popular não existia, não tinha nenhum canal de comunicação. Então, no bairro tinha time de futebol e eu era do time de futebol da igreja, e sempre eu tive uma inquietação, que veio do meu pai, imigrante espanhol, analfabeto, tratou dez filhos no cabo da enxada, mas meu Pai tinha uma frase que ele falava assim: (às vezes o preço do café caia) quando a gente colhia não tinha valor, mas quando você tinha que comprar tinha, brasileiro trabalha e americano leva tudo. Então, isso ficou na minha cabeça, e aqui em São Paulo, quando trabalhei nas fábricas fui percebendo isso.

Então, no bairro que eu morava, eu jogava futebol no grupo da igreja católica. Naquele período aconteci o Concílio do Vaticano II, Conferência de Medellín, e nós tínhamos contato com o pessoal da Teoria da Libertação. Então, nós enquanto jovens, se envolvemos neste movimento da igreja católica.

Em 1968 houve o Ato Institucional número 5 e o nosso grupo resolveu fazer um ato contra o AI-5, então nós fizemos este ato. Eu lembro que o Ato Institucional foi no dia 13, era uma sexta-feira, no sábado, nós preparamos e no domingo fizemos os protestos contra, na missa. Eu considero o início da minha participação (nos movimentos sociais e populares) neste evento, já são mais de 50 anos, depois eu fui evoluindo, ajudei a igreja a organizar cursos profissionais, depois eu conheci um professor de alfabetização, nós dialogamos e aí resolvemos abrir um curso de Madureza na igreja para os trabalhadores. Curso de Madureza é o mesmo que EJA hoje (Alfabetização de Jovens e Adultos), que se chamava Madureza na época, a pessoa estudava e prestava exame (para mudar de grau escolar), na época que o governo promovia o exame de vez em quando. Naquele período eu estudava na USP, estudava Letras, e então a gente conversou e eu já tinha organizado curso profissional, vamos montar um curso pra operários. As pessoas precisavam do Madureza, porque concluíam o ginásio e as vezes concluía o colégio, mas inicialmente concluía o ginásio, e os trabalhadores precisavam do ginásio para, por exemplo, fazer o curso profissional. Então, nós montamos este curso.

Eu vejo que hoje têm os cursinhos da USP, eu digo que o nosso foi um dos primeiros, eu arregimentei os professores da USP, conheci um professor de história, depois de geografia e formamos um grupo de professores que criaram o curso na região leste: Vila Prudente, Parque São Lucas. Depois vinculamos isso à Pastoral Operária da igreja Católica, que abrangia São Mateus, Santa Madalena, na zona leste.

Quando vim do interior, já vim para zona leste, e construíamos casa aos fins de semana. Naquela época, os operários compravam um terreninho, se juntavam e faziam a casa, havia terreno para isso.

Sobre o movimento operário, eu trabalhei na Antarctica como ajudante de caminhão, motorista, trabalhei na Ford em São Bernardo, na SWIFT, trabalhava em fábricas. Eu levantava 5 horas da manhã, ia para a fábrica, depois ia para USP e dava aula no curso aos sábados à tarde na igreja católica. Nós vinculamos esses cursos (de jovens e adultos) na Pastoral Operária, quando começou a surgir as greves em 77, a luta pela reposição dos salários, a luta contra a carestia, eu já estava ali no meio, participava do grupo dos metalúrgicos de São Paulo.