Para o advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano, mais grave ainda que o depoimento do porteiro relacionando a entrada do carro de Élcio Queiroz, um dos suspeitos do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol), a uma suposta autorização dada pelo presidente Jair Bolsonaro em seu condomínio, foi a reação do mandatário. Bolsonaro anunciou em entrevista concedida em Riade, na Arábia Saudita, que vai acionar o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro para que a Polícia Federal (PF) possa colher um novo depoimento da testemunha. Antes, em pronunciamento, Bolsonaro insinuou ação do governador Wilson Witzel no vazamento de informações da investigação.
“Isso é muito mais grave do que o o fato de o porteiro tê-lo citado, porque para mim, pela primeira vez, além de crimes comuns, caso ele adote esta conduta, existe crime de responsabilidade, passível de impeachment. A conduta é gravíssima, dolosa, implica em obstaculizar investigação policial e utilizar a Polícia Federal para fins pessoais de defesa”, diz Serrano, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual. Ele destaca que a mera cogitação de tomar a iniciativa não é crime, o que somente ocorreria em caso de efetivação da conduta.
O jurista destacou também o possível cometimento de crimes de responsabilidade pelo governador Wilson Witzel. Bolsonaro disse hoje pela manhã, em entrevista à Band News, que teria sido avisado há três semanas pelo governador do Rio de Janeiro sobre a citação ao seu nome no processo que investiga a morte da vereadora carioca Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes. Witzel teria contado isso durante um encontro casual no dia 9 de outubro, no Rio de Janeiro.
“Isso foi numa quarta-feira, há três ou quatro semanas, no Clube Naval, por volta das 21h. De repente ele chegou, se surpreendeu comigo. Ele achava que eu sabia da patifaria que estava acontecendo e foi conversar comigo no canto. ‘Teve um problema, citaram seu nome (no caso Marielle), a história está assim, nós já enviamos ao processo (ao STF)’. Nós quem? Nós quem cara pálida, é atribuição de quem?”, disse Bolsonaro.
Em entrevista concedida na manhã desta quarta-feira, Witzel negou. ‘Eu jamais vazei qualquer tipo de documento. Sequer tive acesso a documentos que constam dessa investigação. E se esse documento vazou, como foi apresentado ontem (terça) numa emissora de televisão, que a Polícia Federal investigue e tome as providências.”
“O governador cometeu um crime grave se isso for verdade. Incorrendo na Lei de Organizações criminosas, obstaculizou investigação, não se pode vazar informação sigilosa. E cometeu crime de responsabilidade. Sou contra o uso banalizado do impeachment, tenho artigos escritos sobre isso, acho que deve ser usado em situações de emergência, mas é incrível como há um despudor no Brasil no cometimento de condutas graves pelas autoridades nesse momento, de forma nunca antes vista em nossa história”, avalia Serrano.
“Não creio que o depoimento do presidente da República, no estado emocional em que está, seja confiável, mas, de qualquer forma, se isso ocorreu é muito grave. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tem que imediatamente instaurar um processo para verificar o cometimento de crime de responsabilidade pelo governador e o Ministério Público do Rio de Janeiro, creio que que o MPF tem que investigar.”
A inação das instituições
Serrano chama a atenção ainda para a falta de ação das instituições que deveriam defender a democracia. “Veja o quanto se cogitou, e por nada, que governos anteriores tivessem feito supostas obstaculizações de Justiça. Agora temos concreta e publicamente práticas de obstaculização de Justiça, práticas de organização criminosas no governo e nada se faz. Nossas instituições de fiscalização estão acovardadas. Parece que tem força e coragem quando tem apoio forte da mídia, na hora em que é preciso ter o mínimo de coragem para fazer o que eles são pagos para fazer, estão absolutamente inativos”, aponta. “A Constituição e a democracia sucumbindo, e as instituições que têm o dever de protegê-las não fazendo nada. Os crimes e condutas ilícitas são passados na cara das instituições e elas não fazem nada.”
Para o professor de Direito Constitucional, é preciso discutir o papel das carreiras que agem de forma parcial e seletiva. “Em um futuro governo democrático precisamos tratar dessa questão. Nós precisamos revisar a estrutura das carreiras jurídicas no Brasil, elas têm proteção constitucional e na hora que é necessário utilizá-las para realizar sua função, quando a democracia é ameaçada, não fazem nada. Não podem haver incrustadas no Estado carreiras com posição político-ideológica como estamos vendo. Que agem de forma seletiva, protegem a direita e atacam a esquerda. Isso é extremamente perigoso para qualquer governabilidade democrática”
Foto: Valter/Campanato/Agência Brasil