“Somos tratados como vermes”, diz moradora de comunidade ameaçada de despejo em SP

Janaína Rosa de Paula, massoterapeuta desempregada, luta para manter sua moradia na comunidade Novo Chuvisco, ameaçada de despejo pelo poder público em São Paulo. - Foto: Vanessa Nicolav

Em meio à uma pandemia em que a principal orientação à população é ficar em casa, cerca de 1.300 famílias foram despejadas nos meses entre abril e junho, somente na região metropolitana de São Paulo. O número, registrado pelo Observatório de Remoções, que acompanha desde 2012 esse tipo de ação, foi o dobro dos primeiros meses do ano, quando a crise sanitária não tinha ainda se iniciado no país.

Uma das pessoas que pode entrar nessa estatística é Janaína Rosa de Paula. Massoterapeuta desempregada, Janaína mora há seis meses na comunidade Novo Chuvisco, na zona sul de São Paulo. Mãe de dois filhos, um adolescente e outro menor, de 3 anos, Janaína buscou abrigo na comunidade depois ter se separado do marido e ficado sem renda devido à pandemia. “No salão não tem mais movimento, e eu só ganho pelo que eu trabalho. Se eu não trabalho, eu não ganho.” afirma a massoterapeuta.

Com os filhos temporariamente na casa da mãe, Janaína agora luta, junto à outras 70 famílias, pelo direito de continuar morando no barraco de madeira que construiu com o pouco dinheiro que consegue fazendo faxinas ocasionais e com recurso do auxílio emergencial. “Para a gente não ir morar debaixo de um viaduto, de qualquer maneira, a gente vem para a comunidade. Entre pagar aluguel e comer, a gente prefere comer.”

A área em que Janaína está alocada é considerada de risco pela subprefeitura do Jabaquara, que há tempos vem tentando “realizar o desfazimento” das construções, alegando que não há ninguém morando nelas. 

A primeira tentativa ocorreu nesse ano, no dia 06 de agosto, quando uma ostensiva força tarefa foi deslocada para o local. A ação contou com pelotões da polícia militar e Guarda Civil Metropolitana, mas sem presença de profissionais da assistência social ou conselho tutelar. 

Os moradores afirmam que a primeira informação que receberam era de que eles poderiam permanecer no local, porém, um dia antes, em reunião com o subprefeito do Jabaquara, Heitor Sertão, foram informados que seriam despejados. No dia seguinte, às 6h da manhã, Janaína e outros membros da comunidade estavam de prontidão para defender as moradias construídas por eles mesmos com o pouco que tinham. Resistiram ao despejo e conseguiram um novo prazo para deixarem o local, dia 6 de setembro.

Segundo Aluízio Marino, do Observatório de Remoções, iniciativa do LabCidade, LabHab (FAUUSP) e LabJuta (UFABC), a violação de direitos que geralmente ocorre nas operações de remoção de pessoas em vulnerabilidade, ganha dimensão quando realizado durante a pandemia.

“As remoções continuam acontecendo. Em um período da nossa história em que elas não poderiam acontecer. Porque a gente sabe que sempre que há uma remoção você não tem uma solução habitacional definitiva e que garanta o direito à moradia dessas pessoas. Algo que já era complicado, que já era uma violação de direitos, agora ganha outros contornos” afirma Marino.

Ações contra despejos durante a pandemia

Desde o início da pandemia global, foram inúmeros os pedidos, tanto nacionais quanto internacionais, para que os despejos fossem paralisados durante a crise sanitária. Em março deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), emitiu a primeira recomendação para que processos judiciais que envolvessem remoção das pessoas de suas casas fossem paralisados. No mês seguinte, foi emitido outra resolução com o mesmo pedido. Em maio e junho outras duas resoluções foram emitidas para reforçar o pedido. 

Em julho, foi vez da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgar nota cobrando do governo brasileiro a paralisação dos despejos durante o avanço da covid-19 no país.

Na contramão do que tem feito a maioria dos países, os pedidos não têm sido atendidos. Somente na cidade de São Paulo, entre 20 de março e 20 de maio deste ano, foram registradas no Tribunal de Justiça do município, 4.018 ações de despejo.

Remoções coletivas em âmbito nacional

“Como é que pode, no meio da pandemia? As pessoas estão muito inseguras, fragilizadas, desempregadas, vivendo de auxílio emergencial, que não dá nem para comer. Outras nem conseguiram o auxílio, nem estão recebendo cesta básica.”

Quem faz o desabafo é Benedito Roberto Barbosa, um dos principais nomes da luta por moradia em São Paulo. Dito, como é conhecido, é advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e militante na Central de Movimentos Populares.

Ele conta que, além do Novo Chuvisco, grandes remoções coletivas seguem acontecendo desde o início da pandemia. O caso da reintegração de posse na comunidade Monte Horebe, em Manaus, é um dos exemplos realizados com forte uso de violência policial. A ação envolveu cerca de 700 policiais e levou vários dias para remover cerca de 1.000 famílias que moravam no local. 

Outros casos citados por Dito foram a reintegração de posse em Guaianases, em São Paulo, que removeu famílias com muita violência e a que ocorreu no assentamento Quilombo Campo Grande, em MG, que retirou famílias e demoliu casas de agricultores, após o governo do Estado haver sinalizado o cancelamento da ação.

“Em geral, os processos de remoções são invisibilizados no Brasil. Então, a gente tem buscado dar visibilidade para esse problema no Brasil, trazer as dimensões dos números, que é muito grande. Mostrar também que não é um problema só local, mas ele é um problema que abrange todo o país e se dá de diversas formas.” afirma o advogado.

Mobilização popular

Atualmente Dito é um dos porta-vozes da campanha Despejo Zero, iniciativa que busca articular no  âmbito municipal, estadual e nacional, formas de pautar o problema habitacional é que histórico e estrutural no país. Lançada no dia 27 de julho, a campanha publicou um manifesto denunciando o grave problema habitacional que perpassa a história do país.

“O Brasil é palco de muitas desigualdades. Milhões de brasileiros não têm seu direito à moradia respeitado. Estima-se um déficit habitacional de mais de 7,8 milhões de moradias e mais de 13% da população está desempregada”, lembram as entidades, no manifesto que apresenta a iniciativa.” diz o texto do manifesto da campanha.

Entre as entidades da cidade e do campo que aderiram à campanha estão o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), a Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores), a CMP (Central dos Movimentos Populares), a UMM (União dos Movimento de Moradia), o Movimento Nacional de Luta por Moradia, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barreiras), entre outros.

Agora, Janaína tem poucos dias até o novo prazo de despejo emitido pelo poder público. Ela e outras lideranças da comunidade afirmam que vão tentar todas as vias legais para impedir a remoção. Assim como ela, a maioria das pessoas que ocupam o local estão sem emprego e sem nenhuma alternativa de moradia. 

Além disso, os moradores também lembram que, mesmo voltando a possibilidade de trabalho, os baixos salários e altos valores dos aluguéis não garantem uma moradia digna. Eles demandam que soluções mais definitivas sejam oferecidas.

“A prefeitura precisa fazer moradia popular. Moradia de qualidade e em quantidade. Não adianta restringir somente para alguns. Deveriam pegar esses terrenos que estão vazios há muito tempo e sem uso e fazer moradia para o povo”, denuncia Janaína.

Questionada sobre como será feita a ação de remoção na Novo Chuvisco no próximo dia 6, a subprefeitura do Jabaquara não enviou nenhum resposta até o fechamento dessa matéria.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

Site: Brasil de Fato

Posts recentes:

Arquivos

Pular para o conteúdo