Simão Zygband: Governo tenta forjar narrativa para assassinato de desaparecidos na Amazônia

O repórter Dom Philips (esquerda) e o indigenista Bruno Pereira (direita) - Divulgação/Funai

O  jornal The Guardian informou que foram encontrados os corpos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips na Amazônia. De acordo com o jornal, onde Dom Phillips era colaborador, a informação foi repassada pelo embaixador do Reino Unido aos familiares do jornalista. A Polícia Federal e a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) negaram a informação.

Esta guerra de informações era tudo o que faltava no já calamitoso episódio envolvendo o bem provável assassinato de dois defensores da Amazônia, inclusive de um cidadão britânico. O pior é a legítima desconfiança que paira sobre as ações da Polícia Federal e do próprio Exército no comando desastroso sob todos os aspectos do miliciano sádico que ocupa a presidência da República, responsável pelas ações das Forças Armadas e da Polícia Federal.

Qualquer governo minimamente civilizado, ao saber do desaparecimento de um jornalista e de um indigenista na floresta Amazônica imediatamente teria deslocado equipes de resgate com helicópteros, lanchas e mateiros etc para tentar localizá-los. Mas não foi o que aconteceu. Dois dias depois do sumiço deles, o Comando Militar da Amazônia divulgou uma nota dizendo que o Exército estava pronto para agir, mas alegou que as ações só seriam iniciadas quando eles fossem acionados por “escalão superior”. Uma vergonha.

O que se pode entender sobre a morosidade no início das buscas, uma nota lacônica como a do Comando Militar da Amazônia, as falas absolutamente absurdas do suposto presidente da República dizendo, sempre de maneira cínica e sádica, como lhe é costumeiro, que eles haviam realizado “uma aventura não recomendável”, ” os indícios levam a crer que fizeram alguma maldade com eles” ou que ” pelo tempo, já temos aqui oito dias, vai ser muito difícil encontrá-los com vidas”?

Se forem verdadeiras as informações que circulam sobre o desaparecimento do jornalista e do indigenista, eles foram vítimas de emboscada realizada por organizações criminosas que povoam a Amazônia, ligadas ao tráfico de drogas. Nada incomum no governo do miliciano ocupante da cadeira presidencial.

É o que supõe o professor doutor em Geografia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Aiala Colares Couto, um pesquisador da região: “As facções do crime organizado que atuam no Brasil sabem que a Amazônia tornou-se estratégica para a geopolítica do narcotráfico, graças a essa relação transfronteiriça que envolve múltiplos agentes, cada um com sua função específica no universo do crime. Facções da região Sudeste do Brasil, a exemplo do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e do Primeiro Comando da Capital, de São Paulo, passaram a ter interesse em atuar nas áreas de fronteira, bem como em cidades consideradas importantes para a fluidez do negócio da droga. Buscam o controle das principais rotas do tráfico de drogas na Amazônia”.

Há outra versão bastante sórdida sobre o episódio, como relata Luiz Augusto Pavan Diniz nas redes sociais: “Os corpos do indigenista e o repórter desaparecidos na Amazônia já foram localizados. Foram cruelmente assassinados. A PF e a Polícia Civil, aparelhadas por Bolsonaro, estão escondendo a informação para que não vaze enquanto rola a Cúpula das Américas. O rótulo do inominável, que já é péssimo, ficaria ainda pior”.

É meio evidente que se procura criar uma narrativa mais palatável para o episódio, que envolve inclusive um jornalista internacional. Para quem gosta de forjar fatos como os admiradores do período da ditadura militar, como é o caso do atual mandatário, nunca é demais lembrar a farsa que gente como Bolsonaro armou por ocasião do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, nos porões do DOI-Codi (que os militares disseram que havia cometido suicídio), ou mesmo no episódio da morte do ex-presidente Tancredo Neves, mantida sob sigilo por alguns dias, e apresentado em uma foto histórica, já com palidez de finado, como se ainda estivesse vivo, para atrasar o anúncio de sua dramática morte.

Nunca sai nada que preste do atual (des)governo.

 

Simão Zygband

Simão Zygband é jornalista com passagem pelas TVs, jornais, rádios e assessorias de imprensa parlamentar e de administrações públicas. Foi coordenador de Comunicação no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Em fevereiro de 2020, lançou o livro “Queimadas da Amazônia – uma aventura na selva”. É conselheiro titular do Plano Municipal do Livro, Literatura, Leitura e Bibliotecas de São Paulo (PMLLLB)

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