São Paulo – Parecer do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) aponta que o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), cometeu ato ilegal e lesivo ao assinar um documento que, na prática, afrouxa o controle municipal sobre o saneamento básico na cidade, facilitando inclusive a privatização da Sabesp. Esse documento, aliás, embasou o projeto de lei aprovado em primeira votação nessa quarta-feira (17) na Câmara Municipal.
“A perda de autonomia do município por si só já basta para tornar inválido o ato de adesão à Unidade Regional de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, ato de responsabilidade do atual prefeito”, escreveu a promotora Claudia Cecília Fedeli, da Promotoria de Justiça de Mandados de Ações Populares. “Demonstrada a ilegalidade, passemos à lesividade: o serviço de saneamento básico consistente em fornecimento de água e coleta e tratamento de esgoto está dentre um dos mais importantes serviços prestados à população. Trata-se de um direito fundamental, previsto como alicerce da democracia brasileira”, completou.
Despachado no último dia 7, a manifestação do Ministério Público refere-se à ação popular movida por José Célio Sardi contra a Prefeitura de São Paulo e o prefeito Ricardo Nunes. Servidor aposentado da Sabesp, Sardi questiona a adesão de Nunes a uma iniciativa do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Para ele, o prefeito coloca em risco o direito humano à água devido a questões econômicas envolvidas com a privatização da companhia da abastecimento endossada pelo gestor municipal.
Em agosto de 2023, sem consultar a população e nem os vereadores, o prefeito foi ao Palácio dos Bandeirantes e incluiu a capital à Urae 1. Trata-se de uma das quatro Unidades Regionais de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, criadas em 2021, na gestão do então governador João Doria, para adequação ao marco regulatório do saneamento. Com a Urae, a gestão do saneamento passaria a um conselho formado por representantes do estado e dos municípios reunidos. E não mais entre a Sabesp e o município.
A adesão foi possível graças aos pauzinhos mexidos por Tarcísio. Como São Paulo havia perdido o prazo para aderir à Urae, que expirou em 2022, Tarcísio editou novo decreto (67.880, de 15 de agosto) dias antes da assinatura de Nunes, dando mais seis meses para adesão de outras prefeituras. O interesse do republicano na adesão paulistana era simples: com todos os municípios juntos em um únicos bloco, ficaria mais fácil para o governador aprovar no conselho da Urae um contrato de longo prazo. E com isso atrair o interesse de empresas na compra do controle acionário da Sabesp. Isso porque o acordo da companhia com as maiores cidades prevê cancelamento de contratos em caso de privatização.
O decreto de Tarcísio, aliás, está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PT e pelo Psol. Em outubro passado os partidos ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade. Apontam que o decreto “conferiu ao Conselho Deliberativo das Uraes a competência para “deliberar acerca da celebração de contratos, convênios, parcerias e outros instrumentos congêneres para a gestão associada dos serviços públicos de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, inclusive alterações de prazo, de objeto ou de demais cláusulas dos contratos e instrumentos atualmente vigentes, e do seu agrupamento em novo(s) contrato(s) de concessão, no âmbito dos Municípios”.
“Essa nova competência conferida por meio de decreto para que os Conselhos Deliberativos das Uraes possam alterar prazos, objetos ou de demais cláusulas dos contratos e instrumentos atualmente vigentes no âmbito dos Municípios, extrapola o poder meramente regulamentar que pode ser exercido pela via do decreto executivo; cria verdadeiros direitos onde a legislação não os havia criado, violando competência do Poder Legislativo e, de forma inaceitável, violando a autonomia dos municípios e o pacto federativo”, apontam.
A Procuradoria Geral da República e a Advocacia Geral da União já emitiram pareceres. Neles consideram que o decreto de Tarcísio de Freitas para favorecer o processo de privatização da Sabesp afronta a autonomia municipal.
Na esfera estadual, há diversas ações na Justiça de São Paulo. Entre elas, mais de 50 movidas pelo Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) e Federação Nacional dos Trabalhadores em Energia e Meio Ambiente (Fenatema).
O sindicato ainda apoia diversas ações individuais de trabalhadores e cidadãos que estão cientes das consequências que a privatização da Sabesp trará para o estado de São Paulo. Entre elas, a ação movida por José Célio Sardi. Para a entidade, o ato de adesão à Urae é ilegal e lesivo ao Estado e para a população, em especial a mais pobre, em muito aspectos. “Entre eles, porque viola a Constituição Federal, fere a lei orgânica do município, que exige prévia autorização da Câmara para qualquer adesão. É claro o desvio de finalidade, visto que o ato de adesão está sendo praticado em troca de apoio político eleitoral. No contrato em vigor, firmado entre a cidade de São Paulo com a Sabesp, existe cláusula rescisória frente a privatização, que inviabiliza a subscrição ao termo de adesão a Urae”, disse o presidente do sindicato, José Faggian.
Cida de Oliveira, da RBA