“Subprefeito não pode cuidar só de zeladoria”, diz futuro secretário

Por: VANESSA CORREA / folha.com.br

Ex-subprefeito da Vila Prudente, na zona leste, Chico Macena (PT), 50, assumirá em janeiro a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras com a intenção de devolver autonomia às 31 subprefeituras da cidade. Para isso, Macena, vereador não reeleito em outubro, promete reabilitar as coordenadorias de saúde e educação, implantar os planos urbanísticos de bairro, buscar recursos federais, além de aumentar “naturalmente” a verba das “subs”, que minguou de quase R$ 3 bilhões em 2005 para menos de R$ 1 bilhão.

Criadas em 2002, na gestão Marta Suplicy (PT), as subprefeituras perderam poder ao longo dos anos e desempenham, hoje, funções de zeladoria. A administração Gilberto Kassab (PSD) chamou coronéis da reserva da Polícia Militar para comandá-las. Macena, que se refere a eles como “xerifes”, diz que, sob orientação de Fernando Haddad (PT), irá nomear subprefeito -cujo salário é de R$ 19 mil- que tenha “perfil de gestor com qualidades técnicas e políticas”.

Como você vai aumentar, na prática, a autonomia das subprefeituras?
Dar mais autonomia para as subprefeituras é capacitá-las para responder as várias perguntas e anseios da população no âmbito de seu território. A população encara a subprefeitura como o representante local da prefeitura, mas a ela não está organizada para dar resposta como poder local. Esse processo começou em 2004 com a criação das subprefeituras. Criou-se algumas coordenadorias na área de educação, na área da saúde, na área do esporte, na área da cultura. A ideia era ter um representante de cada secretaria lá na base do território para poder dar respostas à população. Quando o José Serra (PSDB) ganhou a eleição, houve o processo inverso. Houve uma centralização maior das secretarias, centralizou-se quase todos os serviços, portanto ela foi perdendo capacidade de gestão, capacidade de resposta para os problemas.

Essas coordenadorias sumiram?
Varia de subprefeitura para subprefeitura. Algumas coordenadorias retornaram para as secretarias. Boa parte do orçamento das subprefeituras voltou para a Secretaria de Coordenação de Subprefeituras. Para você ter uma ideia, houve um aumento, nos últimos anos, de 150% do orçamento da secretaria de Subprefeituras, no gabinete do secretário. E uma redução de 53% no orçamento geral das subprefeituras. Houve uma centralização muito grande de todos os serviços, de todos os contratos. E houve uma militarização das subprefeituras. Eu não sou contra coronel e tenente. O fato concreto é que, colocar um perfil como esse, como chefe de gabinete, em alguns casos, como coordenador de obras, transformou as subprefeituras em polícias administrativas, com foco em fiscalização.

Mas concretamente, como vai aumentar a autonomia das subprefeituras? Vão voltar as coordenadorias de saúde e de educação?
As coordenadorias voltam. E além disso, eu posso dar atribuições. Eu posso delegar atribuições.

As coordenadorias terão orçamento próprio?
Durante a gestão será mais fácil identificar se o ideal será alterar as dotações orçamentárias para auxiliar neste processo.

O que a coordenadoria pode fazer de fato para responder ao problema do munícipe, como problemas em uma creche?
Ela pode acionar o secretário responsável. Se for um problema de manutenção, a coordenação pode resolver o problema. Pode ser um mediador com o diretor da escola. Dizer: olha, está tendo muita reclamação, precisa resolver. O prefeito não consegue estar em todos os locais. E o secretário, e não apenas o secretário das Subprefeituras, o secretário de Saúde, não consegue estar em todos os lugares. Então a ideia é que o subprefeito exerça esse papel de liderança da gestão, de liderança política e de liderança capaz de garantir a qualidade da prestação de serviço e dar respostas concretas. E aí você tem que criar os instrumentos para isso, que não existem hoje. Por exemplo, o prefeito eleito Fernando Haddad (PT) falou que vai criar em cada subprefeitura, junto com a secretaria de Desenvolvimento Econômico, polos incentivadores do comércio.

E como esses polos vão incentivar o comércio?
Da mesma forma que o Sebrae faz. Hoje o quê a prefeitura e a subprefeitura fazem? Vão lá fiscalizar se você está irregular. Mas a prefeitura não tem nenhum serviço que te oriente, primeiro, a ficar regular. Que oriente, no âmbito local, como você faz o teu plano de negócio, qual é o perfil econômico da população local, para ele poder montar o negócio.

Qual o papel das subprefeituras no Arco do Futuro, plano do prefeito eleito para descentralizar a oferta de empregos e serviços na cidade?
Além do arco, você tem mudanças do sistema viário, obras. Por exemplo, a região de Itaquera. Lá nós teremos que fazer arruamento. Lá é uma região que tem grandes chácaras na área da operação, que você não tem vias locais para acessar lotes. Tem que fazer todo um planejamento de serviços a serem colocados próximos desses eixos. Se a ideia é atrair novas centralidades, você tem que levar para lá serviços da prefeitura. Quando se fala em criar novas centralidades, eu não posso falar em criar novas centralidades a partir só desse plano estratégico. O local tem que se integrar a essa nova visão. Se eu quero desenvolver a região leste, eu tenho que pensar em projetos urbanísticos, novos centros de bairros, qualificação de espaços públicos, implantação de passeios, áreas de “traffic calming” [acalmamento de tráfego].

O planejamento urbano vai ser descentralizado?
Existe a parte estrutural do planejamento. Mas as subprefeituras têm que ter a capacidade de planejar seu território no âmbito de sua atribuição. Entram aí os planos de bairro. É necessário fazer os planos de bairro também. E isso tem que ser feito a partir de um diagnóstico da realidade e das especificidades locais, e com inclusão social.

Como fará inclusão social?
Existe já uma decisão política: as subprefeituras voltarão a ter um conselho de representantes. O modelo desse conselho, a forma de eleição, isso nós vamos discutir amplamente com todos os setores sociais. É uma forma de participação, com consultas públicas e audiências públicas. Vamos trabalhar com diagnósticos bem locais. No Jardim Helena, por exemplo. Se eu pego o território, consulto a população que mora e que anda no Jardim Helena, eu vou perceber que ali tem uma especificidade. É uma região plana, espremida pela linha de trem e pelo rio, com grande uso do transporte coletivo através dos trens e da bicicleta como instrumento não só de locomoção local, mas de integração modal. O subprefeito pode pensar, a partir de uma realidade local, um projeto urbano capaz de atender e reforçar essa característica do Jardim Helena. Pode implantar “traffic calming”, zona de 30 km/h, sistema de ciclovias e ciclorrotas, bicicletários adequados para estimular a bicicleta.

O plano de bairro volta então?
Volta, e voltam os planejamentos regionais. E isso vale para qualquer área. Por exemplo, o sistema viário. A CET se preocupa, até pelo pouco efetivo que tem, com o centro e o centro expandido. Mas, se eu estiver em Vila Prudente e quiser chegar em Sapopemba, a solução hoje é parar um cidadão na rua e perguntar. Diferente do centro da cidade, que tem sinalização.

Não seria bom que o subprefeito tivesse um perfil técnico ou de gestor?
A escolha é uma atribuição do prefeito e será de acordo com o critério já citado na questão anterior: perfil de gestor com qualidades técnicas e políticas e que conheça a região em que irá atuar. O prefeito foi bem claro que fará um governo de coalizão, que não haverá tomá-la da cá. Qualidade política não quer dizer ser filiado ao partido. É ter experiência de dialogar com os conflitos e problemas que existem na cidade e em cada região. É ter a capacidade de reunir pessoas em torno de si, do ponto da gestão, para compreender e resolver todos os problemas. É uma pessoa com capacidade de atender a população, porque vai liderar processos, debates, discussões e será o porta-voz do prefeito na região. Vai seguir e discutir com o prefeito a orientação.

O subprefeito tem que ser uma pessoa da região?
Ele tem que ser uma pessoa que conhece a região. Às vezes você tem um técnico que desenvolveu um trabalho em uma região e só conhece bem aquela região. Ele precisa morar naquela região? Não, ele precisa ter algum vínculo, precisa conhecer, ter alguma familiaridade. O que não dá para fazer é o que foi feito anteriormente: trazer prefeito do interior para ser subprefeito.

Não preocupa que lideranças políticas em cargos nas subprefeituras possam gerar corrupção?
Nós já tivemos várias experiências malsucedidas na cidade de São Paulo. Nós já tivemos um chamado loteamento político e levou à corrupção. Mas também já tivemos situações onde o perfil era essencialmente técnico e levou à corrupção, que foi o caso da máfia dos fiscais da Mooca, em 2008.

Mas, no caso em que houve o loteamento político, a corrupção teve uma dimensão bem maior…
A gente vai ter instrumentos de controle e fiscalização. A corrupção sempre acontece quando os processos não são transparentes, não são claros e permitem que você venda facilidade. Você pode ter em qualquer situação. Há exemplos que ocorreram com agentes fiscais, que não têm a ver com loteamento, que já estão ali incrustados na estrutura. A prefeitura já começou a implantar licenciamentos e aprovações online, e a ideia é radicalizar isso, com o despacho online. Na hora que o técnico analisa uma obra, ele põe na internet o despacho dele. Isso vai dar controle social. Dá impessoalidade no tratamento do processo. Não adianta só colocar os licenciamentos eletrônicos. Hoje só 30% são validados, por falta de orientação. Precisa orientar a população e simplificar o formulário. Os fluxos internos têm que ser revistos. O técnico dá um parecer e diz: agora quero análise do engenheiro agrônomo. Só que antes de ir para o engenheiro o chefe dele tem que dar um carimbo dando o “siga”. Às vezes tem cinco processos no meio que não agregam valor nenhum. É só uma estrutura de poder. E tem que simplificar o código de obras. Tem regiões do país onde, para obras de até 250m², a aprovação se dá no momento em que você protocola o seu projeto.

Como se pode aprovar um projeto sem antes analisá-lo?
O arquiteto tem que ter responsabilidade técnica. Se tiver problema, ele perde o registro profissional, é processado pelo Código Civil. E por amostragem você faz fiscalização. O agente, de manhã, abre o “tablet” e vê a ordem de serviço. Como é feita essa ordem? Por amostragem, de forma aleatória, e também por denúncia. E por quê, se tiver algo errado, não sentarem-se o arquiteto, o proprietário, o procurador, o subprefeito em torno de uma mesa e discutir em conjunto, em vez de produzir dezenas e centenas de comunique-se.

Tem com atender dessa forma?
Tem, porque não é com todos. A maioria vai fazer online. Mas pode ter um ou outro que vai fazer isso.

Quando as subprefeituras foram criadas, em 2004, havia menos cargos, 2.000 funcionários. Hoje são quase 9.000. As novas subprefeituras vão ter menos funcionários do que têm hoje?
Você não precisa ter mais ou menos gente. Você tem que distribuir e saber onde estão e o que estão fazendo.
Em 2005 o orçamento para as subprefeituras era de quase R$ 3 bilhões. Hoje não chega a R$ 1 bilhão. Ele será aumentado?
Acaba aumentando naturalmente conforme você aumenta atribuições. Não no primeiro ano, porque o orçamento já está sendo aprovado agora. Mas no segundo ano, no terceiro, de forma escalonada.

E quanto?
Temos hoje na cidade de São Paulo 480 áreas de risco, dessas cerca de 160 mais críticas. Você tem subprefeituras onde há concentrações dessas áreas. Qual é o debate a se fazer? Qual é a verba que existe e o que vamos conseguir através de parcerias com o governo do Estado e o Governo Federal.

Os salários dos subprefeitos e dos chefes de gabinete está em quase R$ 20 mil. Esse valor será mantido?
É uma atribuição legal, não tem nem como mudar isso. O que o prefeito Fernando Haddad me orientou, na perspectiva de valorização do funcionalismo, é olhar para os demais. Em cada subprefeitura há dois ou três cargos com salários na casa dos R$ 19 mil e depois você tem uma gama de funcionários lá embaixo, inclusive arquitetos e engenheiros, ganhando muito pouco. Isso impossibilita a subprefeitura de ser atrativa para novos técnicos, pessoas qualificadas, que gostam de inovação. Se você pegar um arquiteto entrando no mercado, ele ganha muito mais do que um de acesso à carreira na prefeitura, que ganha em torno de R$ 2.000. Em algumas áreas, isso pode dar uma capacidade maior de administração para as subprefeituras. Para descentralizar não adianta eu distribuir o serviço, dar mais atribuições, se, lá embaixo, na ponta, não tenho capacidade de responder a isso.

Vai precisar de mais arquitetos, mais engenheiros?
Isso a gente vai ver quando começar. Vamos buscar mecanismos alternativos também. Quando eu comandei a CET, eu fiz convênios com universidades, com áreas técnicas para desenvolver projetos, para buscar expertise. Nas subprefeituras eu vou procurar esse conhecimento que existe nas universidades para ajudar tanto na gestão, no diagnóstico quanto na parte urbanística, de elaboração de novos projetos, a parte mais técnica, de obras.

Há cerca de um mês o prefeito Gilberto Kassab (PSD) exonerou diversos subprefeitos. Isso está dificultando o trabalho de transição?
Eu não entendi isso, foi uma medida inócua na minha opinião. Ouve um rodízio, no último mês, de alguns subprefeitos e chefes de gabinete. Se é uma forma de não ter histórico… Está registrado no Diário Oficial esse rodízio que foi feito. Então eu simplesmente não entendi. Liguei pro secretário e ele disse que era uma medida administrativa que já estava prevista.

Você vai captar recursos Estaduais e Federais para quais áreas?
O prefeito Fernando Haddad tem uma orientação muito clara para os secretários: não leve ideias, leve projetos, para poder captar os recursos. Nós temos várias áreas com interface com o Governo Federal para as quais é possível trazer recursos. A secretaria de subprefeituras já tem, no momento, em torno de R$ 100 milhões de previsão de projetos que estavam sendo discutidos com a atual gestão para buscar verbas do Governo Federal. Mas nós temos uma gama muito maior de recursos disponíveis. A área de controle de catástrofes diz respeito diretamente às subprefeituras e podemos acessar o governo Federal. Na área de mobilidade, tanto na área de circulação de pedestres como de ciclovias e ciclofaixas, você pode buscar recursos do Ministério das Cidades para mobilidade.

O recurso de mobilidade não é só para cidades de médio porte?
Mas há linhas na área de desenvolvimento sustentável e de acessibilidade.

Há recursos federais para melhorar calçadas?
Sim, para acessibilidade. Assim como há para ciclovias e ciclofaixas através de recursos do Ministério do Meio Ambiente, para o desenvolvimento sustentável. Eu conheço prefeituras que fizeram isso para bicicletas. É possível acessar recursos também para drenagem, na área de saneamento básico. Ou na área do turismo, para a subprefeitura da Sé, por exemplo, que é o maior polo de atração de turismo da cidade. Mas a subprefeitura que não tiver capacidade de fazer projeto não vai ter recurso. A ideia é dotá-las dessa capacidade. Os planos de bairro caminham nessa linha. Mas a prefeitura que não tiver capacidade de fazer projeto não vai ter recurso. A ideia é dotá-las dessa capacidade. O subprefeito não pode cuidar só da zeladoria. Os conflitos da cidade existem. Você tem o problema da boca de lobo, do tapa-buraco, mas a função dele não pode se ater a isso. Já tivemos experiências de subprefeitos que foram xerifes. Alterou o quê, do ponto de vista estrutural, econômico? A grande maioria são zeladores, polícia administrativa. Esse modelo, já se provou, não deu certo.

Você fez a lei que cria o sistema cicloviário da cidade. As subprefeituras vão implantar essas ciclovias? Terão autonomia para isso?
Sim. Os planos diretores regionais já previam para as subprefeituras essas vias. Tem coisas que precisam ser integradas com a cidade. Eu posso pensar em trazer uma parte de Ermelino Matarazzo e interligar com a ciclovia da radial, para otimizar aquela utilização. Não adianta pensar a região só. Pode ser com orçamento de subprefeitura, e podemos buscar financiamentos externos para esse tipo de programa. Vai da vocação e da definição local. E aí está a vantagem de ter a gestão no território.

A manutenção das calçadas é atribuição do munícipe. Só aplicar multa adianta para melhorá-las?
Não resolve. Não se pode ser só polícia administrativa. A gente vai cumprir a lei, vai multar onde estiver irregular. Mas tem que orientar. A subprefeitura pode fazer o projeto para uma rua inteira, em alguns casos, e orientar em outros. E eu defendo, inclusive, com uma mudança da legislação, a prefeitura fazer a obra e cobrar o serviço do proprietário quando for necessário. O que não dá é para as calçadas continuarem do jeito que estão.

Você acha que lugar de camelô é em shopping popular ou na rua?
Pode ser os dois.

O camelô é bom para cidade?
Tem camelôs em outras cidades do mundo que são atração turística. Que dão informação turística, que vendem artesanato de forma mais permanente, diferente da feirinha. Por quê a cidade de São Paulo não pode ter isso? Uma coisa é certa, e também a experiência de São Paulo já mostrou: não adianta falar que vou montar um shopping popular e achar que vou convencer quem está na rua a ir para um local confinado onde ninguém passa. Mas se eu criar condições ou locais ou atrativos e levar o consumidor para lá, e possível. O ideal é que haja o menor número possível de ambulantes na rua. Mas isso não significa ter uma política de perseguição, de intimidação.

Você vai manter o horário reduzido das feiras livres?
Isso é caso a caso. Tem região que não tem problema em ter um horário mais prolongado. Não precisa ter uma regra única para todos. Para agilizar a limpeza da rua, por quê a gente não coloca alguns contêineres ao longo da feira para o comerciante ir jogando ali os resíduos? É uma possibilidade.

Foto: Silvia Zamboni/Folhapress

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