Um relatório divulgado pela Oxfam Internacional detalha como os lucros da especulação financeira, o não pagamento de impostos, o movimento de privatização do Estado e os baixos salários dos trabalhadores têm aumentado a concentração de renda e as diversas formas de desigualdade no mundo. O documento aponta, por exemplo, que a riqueza dos cinco homens mais ricos do mundo aumentou 114% desde 2020, enquanto 5 bilhões de pessoas (60% da população mundial) ficaram mais pobres no mesmo período.
“Nos próximos 10 anos o mundo poderá ter seu primeiro trilionário, mas levará quase 230 anos para acabar com a pobreza”, diz a Oxfam, uma confederação de 19 organizações e mais de 3000 parceiros que atua em mais de 90 países na busca de soluções para o problema da pobreza, da desigualdade e da injustiça, por meio de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais.
O relatório também traz informações específicas sobre o Brasil: “4 dos 5 bilionários mais ricos aumentaram em 51% sua riqueza desde 2020, ao mesmo tempo em que 129 milhões de brasileiros ficaram mais pobres. Além disso, em média, o rendimento das pessoas brancas é mais de 70% superior ao de pessoas negras”.
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A Oxfam ressalta que uma imensa concentração do poder das grandes empresas e monopólios em nível global está exacerbando a desigualdade em toda a economia. Segundo o relatório, sete de cada dez das maiores companhias do mundo têm bilionários como CEOs ou principais acionistas.
“Ao pressionar os trabalhadores, evitar o pagamento de impostos, privatizar o Estado e contribuir para o colapso climático, essas empresas estão impulsionando a desigualdade e agindo a serviço da entrega de cada vez mais patrimônio a seus donos, já ricos. Para acabar com a desigualdade extrema, os governos terão que redistribuir de forma radical o poder dos bilionários e das grandes empresas às pessoas comuns”, diz a Oxfam.
Ao defender a taxação das grandes fortunas como um “dever de cidadania e justiça social”, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) condenou o quadro de mazelas sociais revelado pelo relatório da entidade. “A concentração de renda é um problema sócio-econômico que precisa ser enfrentado para trazer mais igualdade e justiça à maioria dos cidadãos”, postou o deputado na rede X, nesta segunda-feira (15).
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Guerra contra a tributação
A organização acrescenta que “as grandes empresas e seus ricos proprietários fomentam as desigualdades ao travar uma guerra sustentada e altamente eficaz contra a tributação”.
“A alíquota do imposto de renda sobre pessoas jurídicas caiu mais de 50% nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) desde 1980. O planejamento tributário agressivo, o uso abusivo de paraísos fiscais e os incentivos fiscais resultam em alíquotas muito mais baixas e, muitas vezes, próximas de zero”, pontua a entidade.
A Oxfam lembra que, ao longo dos anos, vem alertando sobre a desigualdade crescente e extrema. “No momento em que entramos em 2024, há um perigo muito real de que esses extremos extraordinários se tornem o novo normal. Como este informe demonstra, o poder das grandes empresas e dos monopólios é uma máquina implacável de gerar desigualdades”, diz o relatório.
A organização acrescenta que a década de 2020 oferece oportunidades para que líderes façam com que o mundo avance em uma direção ousada, nova e mais justa. Porém, observa, isso ainda não aconteceu.
“Uma era de desigualdade crescente coincidiu com um estreitamento da imaginação econômica. Estamos atravessando o que parece ser o início de uma década de divisão: em apenas três anos, vivemos uma pandemia global, guerra, uma crise no custo de vida e o colapso climático. Cada crise ampliou o fosso – não tanto entre os ricos e as pessoas que vivem na pobreza, mas entre uns poucos membros de oligarquias e a grande maioria”, diz o estudo.
A Oxfam afirma que o relatório apresenta a escolha fundamental para a humanidade: uma nova era de supremacia bilionária controlada por monopolistas e financistas, ou um poder público transformador, baseado na equidade e na dignidade.
Um mundo cruel para muitos
A Oxfam afirma que, para a maioria das pessoas no mundo, o início desta década foi “incrivelmente difícil”. Informa que, quando o relatório foi escrito, 4,8 bilhões de pessoas estavam mais pobres do que em 2019.
“Para aquelas mais pobres de todas, que são em sua maioria as mulheres, as populações discriminadas e minorizadas e os grupos marginalizados em todas as sociedades, a vida cotidiana se tornou ainda mais cruel. A desigualdade global – o fosso entre o Norte e o Sul do planeta – cresceu pela primeira vez em 25 anos”, diz a organização.
O relatório acrescenta que os preços estão aumentando mais do que os salários em todo o mundo, com centenas de milhões de pessoas vendo seus rendimentos comprarem menos todos os meses e suas perspectivas de um futuro melhor desaparecerem.
“O colapso climático, impulsionado pelos super-ricos, está aumentando dramaticamente a desigualdade global. Repetidamente, manifestações e greves de trabalhadores chegam às manchetes e ocupam as primeiras páginas”, pontua o documento.
Juros multiplicam dívida
A organização internacional também ressalta que os governos não estão conseguindo se manter financeiramente diante da dívida crescente e do aumento dos custos de importação de combustíveis, alimentos e medicamentos.
“Entre agora e 2029, os países de renda baixa e média-baixa deverão pagar quase meio bilhão de dólares por dia em juros e dívidas, e terão de fazer grandes cortes de gastos para poder pagar os credores. Esses cortes costumam ser sentidos de forma mais aguda pelas mulheres”, afirma o relatório.
Um mundo maravilhoso para poucos
A Oxfam ressalta que “o enorme aumento da riqueza extrema testemunhado desde 2020 veio para ficar e que os bilionários estão 3,3 trilhões de dólares – ou 34% – mais ricos do que no início desta década de crise, com um patrimônio que cresce três vezes mais rapidamente do que a inflação”.
Ainda segundo o documento, toda essa riqueza está concentrada no Norte Global, onde vivem apenas apenas 21% da humanidade, que concentram 69% da riqueza privada e 74% da riqueza dos bilionários do planeta.
A Oxfam acrescenta que, para as companhias globais e os super-ricos, as duas últimas décadas foram “extraordinariamente lucrativas”, e os últimos anos, ainda melhores.
“As maiores empresas registraram um salto de 89% nos lucros em 2021 e 2022. Novos dados mostram que 2023 deve bater todos os recordes como o ano mais lucrativo até agora. E 82% desses lucros são usados para beneficiar os acionistas das empresas, cuja maioria esmagadora está entre as pessoas mais ricas em cada sociedade”, sublinha o relatório.
Riqueza extrema e poder empresarial
Segundo a Oxfam, o aumento acentuado da riqueza multimilionária e o aumento do poder empresarial e de monopólio estão profundamente ligados.
A organização detalha que os lucros das mega-corporações são, por sua vez, utilizados para beneficiar os acionistas, à custa dos trabalhadores e das pessoas comuns.
“Este artigo revela como o poder corporativo e monopolista fez explodir a desigualdade – e como o poder corporativo explora e amplia as desigualdades de gênero, raça e etnia, bem como econômicas”, enfatiza a Oxfam.
O relatório utiliza novos dados para demonstrar que as pessoas mais ricas não são apenas as maiores beneficiárias da economia global, mas também exercem sobre ela um controle significativo.
“Uma nova pesquisa da Oxfam mostra quanto dos ativos financeiros do mundo pertencem ao 1% mais rico. Usando dados da Wealth X, descobrimos que o 1% mais rico possui 43% de todos os ativos financeiros globais”, detalha o documento.
A Oxfam ressalta que a crescente monopolização turbinou o poder das empresas, que têm um objetivo principal, acima de todos os outros: aumentar os retornos para seus acionistas. “Para maximizar esses retornos, as empresas usam seu poder visando impulsionar e consolidar ainda mais a desigualdade”, afirma o relatório.
Campanha contra a concentração de renda no Brasil
No Brasil, mais de 70 entidades que integram a campanha Tributar os Super-Ricos cobram justiça social a partir de reformas no sistema tributário brasileiro, com o objetivo de reverter sua natureza regressiva, que obriga os pobres a pagarem mais impostos em relação à renda do que os ricos. A mobilização destaca um estudo do Ministério da Fazenda segundo o qual, durante o governo Jair Bolsonaro, os super-ricos aumentaram sua renda em 31%, enquanto o número de pessoas pobres aumentou 22,7%.
O estudo citado pela campanha é o Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira, publicado no final de dezembro pelo Ministério da Fazenda.
Os organizadores da mobilização destacam que muito há que se fazer no Brasil para reduzir as desigualdades, mas reconhecem que algumas medidas já foram adotadas pelo governo Lula para promover justiça tributária, a exemplo da taxação dos fundos dos super-ricos e das offshores – empresas ou contas bancárias abertas em paraísos fiscais no exterior por pessoas residentes no Brasil.
A promoção de justiça social por meio de mudanças no sistema tributário é uma das promessas que têm sido cumpridas pelo presidente Lula, que já dizia, na campanha eleitoral, que colocaria “o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”.
Além da taxação dos super-ricos e das offshores, outras medidas importantes nesse sentido foram adotadas pelo governo, como, por exemplo, o aumento da faixa de isenção do IRPF para quem ganha até dois salários mínimos.
Por sua vez, a reforma tributária conduzida pelo governo e promulgada em dezembro prevê a reversão do caráter regressivo do sistema, fazendo, dessa forma, que os ricos paguem mais impostos que os pobres.
A mesma reforma também inclui o cashback, que devolve aos contribuintes de baixa renda o valor pago em impostos; a fixação de alíquota zero para a cesta básica de alimentos, a tributação de bens de luxo, como iates, helicópteros e jatinhos, entre outras medidas.
Além de promover justiça social, essas mudanças têm o potencial de reforçar a arrecadação tributária do governo, permitindo o fortalecimento dos serviços públicos e dos investimentos necessários ao desenvolvimento do país.
Além dessas medidas, o presidente Lula elegeu o combate às desigualdades e à pobreza como um dos principais pilares da presidência da presidência brasileira no G20 – grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e União Europeia. O mandato brasileiro começou em dezembro e terminará em novembro deste ano, com a reunião de cúpula que vai acontecer no Rio de Janeiro.
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Da Redação da Agência PT