Por direitos e contra privatização, trabalhadores dos Correios protestam em Brasília

Os mais de 100 mil trabalhadores e trabalhadoras da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) completam trinta dias em greve nesta quarta (16), ainda sem perspectivas de acordo com a direção militarizada da empresa. Após mais uma tentativa frustrada de negociação no Tribunal Superior do Trabalho (TST), a categoria promoverá atos unificados nos estados e no Distrito Federal, na quinta (17).

Na próxima segunda (21), a Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do tribunal julgará o processo de dissídio coletivo em que a ECT pede a declaração da abusividade da greve. A SDC é composta de nove ministros. São necessários pelo menos cinco deles para o julgamento de dissídios coletivos de natureza econômica e jurídica.

Irredutível e avessa às propostas apresentadas pela ministra do TST Kátia Arruda em audiência de conciliação na sexta (11), a direção dos Correios demonstra mais uma vez que quer privatizar a empresa a qualquer custo. É a avaliação de Amanda Corsino, secretária da Mulher da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect) e presidenta do sindicato da categoria.

Esta greve não é só dos trabalhadores dos Correios, ela é do conjunto da classe trabalhadora que sabe que o governo tem a intenção de fazer da estatal uma das primeiras a serem privatizadasAMANDA CORSINO, SECRETÁRIA DA MULHER DA FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EMPRESAS DE CORREIOS E TELÉGRAFOS E SIMILARES (FENTECT) E PRESIDENTA DO SINDICATO DA CATEGORIA

“Esta greve não é só dos trabalhadores dos Correios, ela é do conjunto da classe trabalhadora que sabe que o governo tem a intenção de fazer da estatal uma das primeiras a serem privatizadas”, afirmou a líder. “Se isso acontecer vai se abrir uma nova era de privatizações no nosso país. Por isso, nós temos que lutar e resistir contra a privatização dos Correios para evitar também o desmonte das outras empresas públicas.”

Segundo a dirigente, o fracasso da audiência de conciliação demonstra que é preciso fortalecer a greve da categoria, por isso o ato desta quinta. Cada estado está organizando seu evento. A secretária da Fentect pediu reforço da Central Única dos Trabalhadores (CUT), das demais centrais sindicais e de outras entidades para o ato, que deverá levar a Brasília caravanas de trabalhadores de diversos estados.

Na Esplanada dos Ministérios, será realizada uma manifestação em frente ao Ministério das Comunicações. O ministro da pasta, Fábio Faria, tem afirmado que está ali para comandar a privatização a pedido de Jair Bolsonaro, e vai apresentar ao Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) um modelo de privatização. Se aprovada, a proposta seguirá para o Congresso Nacional.

Insegurança jurídica

Na audiência, a ministra lembrou que, no último dissídio coletivo, de 2019, 79 cláusulas foram julgadas pelo TST, uma delas estabelecendo vigência de dois anos para a sentença normativa. Uma das defensoras dessa extensão, a ministra disse que era uma forma de evitar que um novo conflito fosse instaurado agora e de dar prazo maior para que as relações se pacificassem, com a busca de novas alternativas nesse período.

No entanto, segundo a ministra, a direção da ECT entendeu que essa cláusula feria a legislação e foi ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde conseguiu a suspensão da cláusula de vigência e de outras. “Com isso, as demandas e os conflitos foram antecipados”, ressaltou.

A ministra lembrou que o STF tomou uma decisão inédita ao derrubar a deliberação de outra corte superior, promovendo a insegurança jurídica na disputa entre trabalhadores e direção da empresa, comandada pelo general Floriano Peixoto Vieira Neto desde junho do ano passado. Em agosto, o STF suspendeu de forma definitiva a cláusula que estendia o acordo até 2021.

A relatora assinalou que, no dissídio coletivo de 2020, a ECT alegou crise financeira. Embora confirme ter sido superavitária em 2019, a empresa aponta prejuízo acumulado de anos anteriores. Ela insistiu na manutenção de cláusulas sociais que, segundo ela, são históricas e representaram um avanço social, como a de enfrentamento do racismo. A empresa, no entanto, manteve-se irredutível.

Kátia Arruda perguntou se os Correios não poderiam aceitar manter os direitos conquistados anteriormente, sem reajustes salariais. Os advogados da ECT rejeitaram a possibilidade, afirmando que haveria impacto financeiro indireto e que a empresa estaria em regime de “austeridade”. Mantiveram apenas a proposta de nove cláusulas, que, segundo a ministra, seriam apenas duas (manutenção do plano de saúde e vale-refeição), pois as outras seriam obrigatórias pela legislação vigente.

“A empresa de prontidão respondeu que não tinha acordo, que a proposta dela era manter apenas nove cláusulas, retirando 70 itens de acordos coletivos anteriores, e que iria seguir a legislação vigente. Isso de certa forma chocou a ministra, que afirmou que seguir a legislação trabalhista é obrigação, não concessão de direitos”, afirma Amanda. Diante do impasse, a ministra marcou o julgamento da greve para a próxima segunda.

Trabalhadores e trabalhadoras dos Correios em greve nacional. Foto: Henrique Kawaminami

Empresa cumpre função social e é lucrativa

Segundo a dirigente da Fentect, os Correios tiveram lucro líquido de R$ 614 milhões no primeiro semestre de 2020. Até o final do ano, com as entregas de Natal e outras encomendas, a previsão é que o faturamento chegue a R$ 1,5 bilhão.

Apesar do resultado favorável, o desgoverno Bolsonaro insiste na privatização de um dos serviços mais importantes para a população brasileira, especialmente para os moradores de pequenos municípios, distantes das metrópoles e sem acesso a serviços bancários, à internet e outros meios de comunicação.

A defesa da soberania nacional e do importante papel dos Correios para a sociedade são pontuados pelo secretário de comunicação da Fentect, Emerson Marinho. Segundo ele, os Correios são uma empresa superavitária e tem condições de construir a integração nacional por estar presente em todas as cidades do país.

“Não foi à toa que a empresa foi escolhida pelo próprio governo para ser o operador logístico no pagamento do auxílio emergencial. Se não fosse isso, as pessoas excluídas digitalmente não teriam condições de receber o benefício”, diz Marinho.

Não podemos privatizar os Correios. A empresa é o elo das metrópoles com os pontos mais distantes do país. Estão em jogo os pagamentos do INSS, do auxílio emergencial, a educação dos nossos filhos e até as eleiçõesEMERSON MARINHO, SECRETÁRIO DE COMUNICAÇÃO DA FENTECT

Além deste apoio logístico, os Correios são responsáveis pela entrega dos livros que serão utilizados pelos estudantes do ensino básico de escolas públicas municipais e estaduais de todo o país. É a única empresa que, mesmo não obtendo lucro com a entrega de encomendas e correspondências nas cidades longínquas do sertão e ribeirinhas, é capaz de prestar esse tipo de serviço.

A empresa também emite documentos, transporta as urnas de votação eletrônicas nas eleições, e ainda tem a função de correspondente bancário, garantindo o pagamento de pensões e aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em locais em que não há nenhuma agência bancária.

Os Correios fomentam a economia dos municípios sem agências bancárias, porque as pessoas tendem a fazer compras no mesmo local que recebem o benefício. Quando o morador não precisa sair, ele consome na sua própria cidade. E como nenhuma empresa privada vai querer atuar numa área em que não terá lucro, a economia desses locais estará em risco.

“Não podemos privatizar os Correios. A empresa é o elo das metrópoles com os pontos mais distantes do país. Estão em jogo os pagamentos do INSS, do auxílio emergencial, a educação dos nossos filhos e até as eleições”, afirma o dirigente da Fentect.

Em 270 países, apenas 8 têm Correios privatizados

Os sindicalistas lembram que, em um universo de 270 países, entre desenvolvidos e emergentes, apenas oito têm serviços dos Correios privatizados. Portugal e Alemanha já começam a discutir a reestatização do serviço, que decepcionou após a privatização, e a Argentina passou pelo mesmo processo no governo peronista de Cristina Kirchner, que reestatizou o serviço após queixas da população.

Até mesmo os Estados Unidos mantêm o serviço postal, o United States Postal Service (USPS), estatizado com 600 mil trabalhadores. Lá, grandes empresas como Fedex e DHL atuam na área de encomendas, sem concorrer em outros serviços prestados pela estatal, como o pagamento do cheque do seguro- desemprego, que pode ser descontado nas agências dos correios.

O serviço é considerado tão estratégico que o Congresso dos Estados Unidos irá votar um projeto de financiamento de US$ 25 bilhões (R$ 132,1 bilhões), já que boa parte da população deverá votar pelos correios nas próximas eleições presidenciais, por causa da pandemia do novo coronavírus.

“Enquanto países neoliberais que pregam a livre concorrência mantêm como estatais empresas estratégicas, o Brasil vai na contramão com Bolsonaro, que quer privatizar uma empresa que não tem nenhuma dependência financeira da União”, finaliza Emerson Marinho.

Redação da Agência PT

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