Por Charles: Está na Ordem do dia

Arte: Daniel Pxeira

A “Ordem do dia” foi uma mensagem oficial ( reproduzida no fim deste artigo na íntegra) emitida pelo Ministério da Defesa, para defender e comemorar o governo militar que, em 31 de Março de 1964 chegou ao poder.

De acordo com a “Ordem do dia” não houve, no Brasil, com a chegada dos militares no poder, a interrupção da democracia.

Isto evidencia-se, quando já na primeira frase afirma:

“O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira”

Daí porque, segundo a “Ordem do dia”, o Movimento de 1964 não pôs fim a democracia, mas tratou-se, naquela época, de uma vigorosa reação contra ameaças, observe:

“O Brasil reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época.”

Ainda segundo a “Ordem do dia” , tanto na Primeira, quanto na Segunda Guerra Mundial, as liberdades e democracias encontravam-se sob ameaças de ideologias totalitárias dos extremos do espectro político [ leia-se: direita e esquerda] e que o Brasil,inclusive, ajudou a derrotar o nazifascismo; porém, o período pós-guerra trazia novas ameaças, de regimes totalitários que,agora, durante a Guerra Fria, ocupavam espaços visando se impor.

Daí porque, diante de grupos que disputavam o poder, este contexto histórico permite, então, que se entenda que as:

“instituições se moveram para sustentar a democracia”

E mais: outros setores percebendo a ameaça, se uniram com o intuito de preservar a democracia:

“A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram”.

A “Ordem do dia” ainda menciona que superado este momento, os brasileiros tendo um sentido de futuro e por sua escolha, se propuseram a construir o Brasil, que, por isso, chegou a se tornar a 8a economia do mundo.

A “Ordem do dia” diz ainda que os brasileiros continuam a fazer suas escolhas, que as Forças Armadas submetidas aos regramentos democráticos devem manter a paz e a estabilidade; e que os países que cederam aos “sonhos utópicos” , ainda lutam para recuperar: a liberdade, a prosperidade, a igualdade e a civilidade.

Por isto, pelo que evitou “O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira.”

Desta forma, é importante ressaltar que: a “Ordem do dia”, entende que o Movimento de 1964 foi um movimento legítimo das instituições apoiadas pela sociedade brasileira, empresários e imprensa visando, com isso, proteger a democracia, da ameaça de um sonho utópico e totalitário.

No entanto, ao referir-se ao Movimento Golpista de 1964 ou Movimento Ditatorial de 1964 (que é minha designação para o pretenso bem intencionado Movimento de 1964), a “Ordem do dia” surpreende em sua defesa das Forças Armadas por abrigar, em seu argumento, uma contradição lógica fundamental:

Para impedir a imposição de um sonho utópico totalitário vermelho, as Forças Armadas impuseram: um pesadelo real totalitário verde-oliva.

Em síntese: a escolha teria consistido em trocar um totalitarismo de esquerda por uma ditadura de direita !!!

Ao demolir assim, o argumento que se quer neutro da “Ordem do dia”, nota-se que os militares: não cultivam a lógica mais elementar!

Até mesmo porque, se o Movimento Golpista de 1964, não foi uma ruptura com a democracia, então: como explicar as perseguições, prisões e os estupros políticos, as torturas e os assassinatos de militantes de esquerda?

Aliás, fato histórico que a “Ordem do dia”, com silêncio categórico – direi até imperativo – porque autoritário, mas, adornado com ares de sutileza, se esquiva. Assim, a “Ordem do dia” omite, deliberadamente e de forma cínica, encobre a verdade histórica com supostas boas intenções e ainda rega com fina ironia ilógica, a inverdade de que alguém teria juízo na escolha insensata em trocar: o sonho vermelho de uma humanidade melhor pelo pesadelo ditatorial militar.

Realmente, os militares propositadamente confundem alhos com bugalhos, pois, comparar os nobres ideais de igualdade e liberdade de esquerda com as ameaças e atrocidades do regime ditatorial e militar é no mínimo: falta de bom senso ou lógica pervertida, porque, na verdade, sabem da diferença.

Porém, o perigoso, o ameaçador desta mensagem oficial, chamada “Ordem do dia”, não é só o que ela disse dos fatos históricos de ontem, mas o que insinuou sobre hoje.

Na “Ordem do dia” está escrito:

“Hoje, os brasileiros vivem o pleno exercício da liberdade e podem continuar a fazer suas escolhas.”

Prestem atenção a esta ameaça velada. De forma sutil, fala-se em continuidade de escolhas. E, aqui, deve-se entender que uma vez considerado, que o Movimento Golpista de 1964, não foi tido pela “Ordem do dia” como ruptura democrática, ao dizer que os brasileiros “podem continuar a fazer suas escolhas.”, adquire textualmente a conotação de que um novo governo militar seria, em outro contexto, ainda a continuidade da democracia e, portanto, o fluxo ininterrupto daquele Movimento[Golpista].

A “Ordem do dia” ameaça o Estado Democrático de Direito, quando diz:

“A Marinha, o Exército e a Aeronáutica, como instituições nacionais permanentes e regulares, continuam a cumprir sua missão constitucional e estão submetidas ao regramento democrático com o propósito de manter a paz e a estabilidade.”

Ou seja, as Forças Armadas com o propósito de manter a paz e a estabilidade (como em 1964) submetidas as regras democráticas continuam a cumprir esta missão constitucional. Entenda-se a ameaça: uma nova intervenção militar é a continuidade do Movimento[Golpista de 1964], no cumprimento de manter a paz e a estabilidade para a manutenção da democracia.

Ou seja, novas perseguições e prisões políticas. Novos estupros, torturas e assassinatos, necessários para a continuidade da sobrevivência da democracia, por meio do Movimento[Golpista] que flui desde 1964.

Desta forma, a “Ordem do dia” ao interpretar que em 1964, não houve interrupção da democracia, mas que esta continuou por meio da atuação do Movimento [Golpista] de 1964, continua em tom ameaçador:

“O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou.”

Prestem atenção a ameaça: o Movimento [Golpista de 1964] assegura a democracia porque ele é democrático e a democracia assegura o Movimento [Ditatorial de 1964] porque ela,nele, é contínua.

Ou seja, a “Ordem do dia” foi um chamado para a restauração do Movimento[Golpista de 1964]. De forma sutil, a “Ordem do dia” convoca a transgressão do Estado Democrático de Direito e se constitui em uma ameaça permanente dos anseios de liberdade, prosperidade, igualdade ( palavra que, aliás, está propositadamente? grafada errada) e civilidade.

Que fique claro: a “Ordem do dia” não só comemorou a ditadura de ontem, mas convoca sua continuidade, sob o pretexto bem intencionado de que os militares defenderam a democracia e poderão voltar a defendê -la.

Sendo assim, exproprio meus oponentes de seu vocábulo, para dar-lhe outra direção, um novo sentido a sua mensagem ameaçadora, e proclamo:

1. está na Ordem do dia, derrotar o quanto antes, o governo de Bolsonaro e seu projeto neoliberal-fascista.

2. está na Ordem do dia, a necessidade da mobilização popular permanente.

3. está na Ordem do dia, exigir e assegurar vacina para toda a população.

4. está na Ordem do dia, exigir e assegurar auxílio emergencial á população, até o fim da pandemia.

5. está na Ordem do dia, exigir e garantir por meio de consistente oposição, que o governo gere postos de trabalho no país.

6. está na Ordem do dia, intensificar a aproximação orgânica com as bases e movimentos sociais.

7. está na Ordem do dia, aprofundar nossos conhecimentos científicos.

8. está na Ordem do dia, esclarecer a população que o regime que a explora e aprisiona é o capitalismo.

9. está na Ordem do dia, esclarecer a população que o futuro de liberdade, igualdade e justiça social, chama-se: socialismo.

10. está na Ordem do dia, esclarecer que o Evangelho também está do lado dos pobres.

11. está na Ordem do dia, se opor a ameaça daquela “Ordem do dia” fascista para que ela não evite mais, a realização da utopia de justiça e igualdade social.

12. está na Ordem do dia, Reconstruir e Transformar o Brasil

13. está na Ordem do dia, que outro mundo é preciso e outro Brasil é necessário.

Charles Gentil
Presidente do Diretório Zonal PT do Centro.Integrante do Democracia e Luta.Coordenador do Comitê Popular Antifascista Ponte Rasa Pela Democracia e Lula Livre

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Íntegra
Leia a íntegra do texto divulgado pelo ministério:

MINISTÉRIO DA DEFESA

Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964

Brasília, DF, 31 de março de 2020.

O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. O Brasil reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época.

O entendimento de fatos históricos apenas faz sentido quando apreciados no contexto em que se encontram inseridos. O início do século XX foi marcado por duas guerras mundiais em consequência dos desequilíbrios de poder na Europa. Ao mesmo tempo, ideologias totalitárias em ambos os extremos do espectro ideológico ameaçavam as liberdades e as democracias. O nazifascismo foi vencido na Segunda Guerra Mundial com a participação do Brasil nos campos de batalha da Europa e do Atlântico. Mas, enquanto a humanidade tratava os traumas do pós-guerra, outras ameaças buscavam espaços para, novamente, impor regimes totalitários.

Naquele período convulsionado, o ambiente da Guerra Fria penetrava no Brasil. Ingredientes utópicos embalavam sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas, engodos que atraíam até os bem-intencionados. As instituições se moveram para sustentar a democracia, diante das pressões de grupos que lutavam pelo poder. As instabilidades e os conflitos recrudesciam e se disseminavam sem controle.

A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram. As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis.

Aquele foi um período em que o Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas. Faltava a inspiração e um sentido de futuro. Esse caminho foi indicado. Os brasileiros escolheram. Entregaram-se à construção do seu País e passaram a aproveitar as oportunidades que eles mesmos criavam. O Brasil cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo.

A Lei da Anistia de 1979 permitiu um pacto de pacificação. Um acordo político e social que determinou os rumos que ainda são seguidos, enriquecidos com os aprendizados daqueles tempos difíceis.

O Brasil evoluiu, tornou-se mais complexo, mais diversificado e com outros desafios. As instituições foram regeneradas e fortalecidas e assim estabeleceram limites apropriados à prática da democracia. A convergência foi adotada como método para construir a convivência coletiva civilizada. Hoje, os brasileiros vivem o pleno exercício da liberdade e podem continuar a fazer suas escolhas.

As Forças Armadas acompanharam essas mudanças. A Marinha, o Exército e a Aeronáutica, como instituições nacionais permanentes e regulares, continuam a cumprir sua missão constitucional e estão submetidas ao regramento democrático com o propósito de manter a paz e a estabilidade.

Os países que cederam às promessas de sonhos utópicos, ainda lutam para recuperar a liberdade, a prosperidade, as desigualdades e a civilidade que rege as nações livres.

O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou.

FERNANDO AZEVEDO E SILVA

Ministro de Estado da Defesa

ILQUES BARBOSA JUNIOR

Almirante de Esquadra

Comandante da Marinha

Gen Ex EDSON LEAL PUJOL

Comandante do Exército

Ten Brig Ar ANTONIO C. M. BERMUDEZ

Comandante da Aeronáutica

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