Em um ato falho de sinceridade, Jair Bolsonaro começou seu discurso na reunião da Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira (21), avisando que estava ali para mentir. “Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões”, disse logo no início, deixando claro que apresentaria um país que não existe.
O Brasil de mentira mostrado por Bolsonaro respeita e protege o meio ambiente e os povos indígenas; combate a pandemia de forma adequada; dá um auxílio emergencial digno ao povo; não sofre com a fome nem com o desemprego; e conta com um governo isento de corrupção, que respeita a democracia e tem muita credibilidade no exterior. De fato, o Brasil de Bolsonaro é muito diferente! Diferente da realidade.
Mentiras sobre o meio ambiente
Ciente da preocupação internacional a respeito da preservação da Amazônia, Bolsonaro dedicou boa parte de sua fala ao tema. Após repetir a promessa vazia de alcançar a neutralidade climática em 2050 (compromisso assumido em abril sem a apresentação de nenhuma medida concreta), pinçou um único dado de desmatamento: “Na Amazônia, tivemos uma redução de 32% do desmatamento no mês de agosto, quando comparado a agosto do ano anterior”.
Daria para rir se não fosse tão trágico. Com esse número, Bolsonaro apenas disse que teve um mês em que conseguiu fazer um pouco melhor do que fez no ano passado. E talvez nem tenha sido assim: os dados de agosto são controversos (o Inpe vê redução, mas o Imazon vê aumento). E mais: ele escondeu que os dois primeiros anos de seu governo registram os piores índices de desmatamentos dos últimos 12 anos (veja gráfico).
Mentiras sobre a pandemia
Adotou a mesma estratégia quando abordou outro tema que se impõe: a pandemia. Bolsonaro citou a distribuição de 260 milhões de doses distribuídas até o momento. Só deixou de lado a adoção da estratégia da imunidade de rebanho, que levou quase 600 mil à morte até agora, e a recusa em comprar vacinas oferecidas no ano passado.
Em outro momento de sinceridade, contudo, voltou a defender o uso de remédios sem comprovação científica, envergonhando o Brasil diante da comunidade internacional pela enésima vez. Aqui, contudo, deixou de mencionar como fez o papel de garoto-propaganda para que aliados ganhassem muito dinheiro vendendo o tal do Kit Covid.
Mentiras sobre fome, desemprego e auxílio emergencial
Aliás, escolher um ou outro dado para dar a impressão de que o país vai bem é o que Bolsonaro mais fez. Por exemplo, ele somou o valor dos auxílios emergenciais para dizer que forneceu um benefício de US$ 800, mas não explicou que as parcelas só começaram com R$ 600 porque o Congresso o obrigou e que, depois, foram suspensas e retomadas em um valor de R$ 300, com diminuição também no número de beneficiários (de 68 milhões para 39 milhões). Também não contou que o pagamento se encerrará em outubro.
Em outro momento, gabou-se de que “nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo”. Primeiro, superestimou o número (pouco mais de 500 milhões de pessoas de outros países comem o que é produzido no Brasil, segundo a Embrapa). Depois, não pronunciou a palavra fome nem citou o fato de que 19 milhões de brasileiros não têm o que comer ou de que, hoje, mais da metade dos brasileiros está em insegurança alimentar.
Bolsonaro sacou ainda um número para dizer que sobra trabalho no Brasil. “Terminamos 2020, ano da pandemia, com mais empregos formais do que em dezembro de 2019”, ousou dizer. Não explicou, contudo que essa afirmação é insustentável, uma vez que a metodologia do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) foi alterada em 2020, não sendo possível comparar o total de empregos formais do ano passado com os dados anteriores. Se quisesse dizer a verdade, poderia simplesmente dizer que o país tem hoje o número recorde de 14,4 milhões de desempregados.
Mentiras sobre corrupção e democracia
Em outros momentos, Bolsonaro apenas mentiu na cara dura, sem nem ao menos achar algum dado para disfarçar. Agiu assim quando afirmou que “estamos há dois anos e oito meses sem nenhum caso concreto de corrupção”. Alô? E o ministro Ricardo Salles, pego defendendo contrabando de madeira ilegal? E o caso da vacina Covaxin, que, aliás, transformou o próprio Bolsonaro em investigado por prevaricação?
Da Redação da Agência PT