Em uma fala que deixou emocionados todos os presentes, neste sábado (20), na Espanha, última etapa de sua viagem pela Europa, Lula convocou a esquerda mundial a se unir em busca de soluções para os três grandes desafios que enxerga para a humanidade: o fim da desigualdade, a preservação ambiental e a manutenção de relações trabalhistas justas em um mundo cada vez mais digitalizado. E ressaltou que, nesse debate, o Brasil certamente é um ator chave.
“Essa viagem que fiz pela Bélgica, Alemanha, França e Espanha é uma tentativa de provar, para o próprio povo brasileiro, que o mundo gosta do Brasil. Sou muito grato ao presidente Pedro Sánchez, que me recebeu, ao Macrón e ao Olaf Scholz, que me receberam, ao Parlamento Europeu, que me tratou com a maior dignidade. Porque não é o Lula que é importante, é o Brasil que é necessário ao mundo neste instante para discutir uma nova geopolítica”, disse, lembrando que o país já mostrou ser possível vencer a fome e preservar o meio ambiente, duas conquistas que estão sendo destruídas hoje por Jair Bolsonaro.
“O faminto está fragilizado, temos de estender a mão”
Lula falou em Madri, durante o evento Construindo o futuro: desafios e alianças populares, convocado pelo partido espanhol Podemos e que reuniu sindicatos, legendas e lideranças progressistas europeias. “Precisamos colocar a desigualdade no centro da nossa pauta”, defendeu. “Nós, que tomamos café, que almoçamos todo dia, que jantamos, temos a obrigação ética e moral de estendermos a mão para que essa gente tenha o direito de comer”, completou, lembrando que o planeta abriga 800 milhões de seres humanos que hoje não têm acesso à comida suficiente para viver com dignidade.
Para Lula, o combate à desigualdade deve ser encampado pela esquerda do mundo, uma vez que uma extrema-direita age de forma cada vez mais agressiva contra os mais pobres. “Trump ganhou as eleições nos Estados Unidos com uma frase simples: ‘América para os americanos’, ou seja, chega de latino, de africano, de muçulmano. A pobreza incomoda. Tanto que até entre famílias os mais pobres não são convidados para aniversários. Mas como é possível, num mundo que produz mais comida que consome, haver 800 milhões de pessoas sem ter o que comer? Essa tem que ser nossa bandeira. Porque o faminto não faz a revolução, o faminto está fragilizado. Nós é que temos de estender a mão para eles”, disse, antes de ser muito aplaudido (assista à integra do discurso no fim desta matéria).
A Amazônia é brasileira, e sua riqueza deve ser compartilhada”
Segundo Lula, a desigualdade está fortemente relacionada com o outro grande problema da humanidade, que é a questão ambiental. “Meio ambiente não é só a questão da Amazônia. Precisamos discutir a questão das favelas, da coleta de água e esgoto, a despoluição dos rios e das praias. Muitas vezes, a gente só fica falando da Amazônia e não vê o cara ali morando numa palafita, fazendo as necessidades biológicas dele e os caranguejos comendo, e ele vai comer o caranguejo depois. Isso já foi escrito em 1946 por Josué de Castro, que em Geografia da fome descreveu exatamente o que ainda ocorre no século 21”, ressaltou.
O ex-presidente brasileiro, porém, não minimizou a importância da preservação das florestas, sobretudo da Amazônia, que, de pé, pode ser fonte de inúmeras descobertas científicas que beneficiem a população brasileira e mundial. “Na questão da Amazônia, a gente tem que deixar claro que a Amazônia é um território brasileiro, portanto o Brasil é soberano. Agora, a riqueza da biodiversidade tem que ser compartilhada com o mundo. Temos que compartilhar com o mundo a pesquisa. Não queremos transformar a Amazônia num santuário. O que queremos é explorar cientificamente a riqueza da biodiversidade para, dela, a gente ver se tira alguma coisa para dar ao povo brasileiro e ao povo do mundo”, defendeu.
E lembrou: “A questão ambiental não é mais um problema de ambientalistas, de um Partido Verde, de uma classe média sofisticada, intelectualizada. Não. É uma questão do povo do planeta Terra, nós só temos ele. Precisamos colocar a questão ambiental na ordem do dia. Não é possível mais pensar em desenvolvimento, em emprego, sem considerar a questão ambiental”.
“Convenceram as pessoas de que elas são pequenos empreendedores”
Como terceiro ponto que merece a atenção das forças progressistas de todo o mundo, Lula destacou o emprego na era digital. “Noventa por cento da indústria de dados é dominada hoje pelos Estados Unidos e pela China. A indústria de dados, alguns dizem, será o que petróleo foi no século passado. Vocês jovens terão de discutir como será o mundo digital, o emprego na era digital. Cada coisinha que você está fazendo no seu celular está sendo guardado e isso vai valer dinheiro. E o povo do Brasil, da Espanha, o povo do mundo que não é chinês nem americano, precisa começar a pensar nisso”, alertou.
Para Lula, o avanço desse mercado digitalizado representa um desafio imenso aos sindicatos. “Se não pensarem nessa questão, os sindicatos vão perder o trem da história e as pessoas começarão a se perguntar para que serve um sindicato. Porque essas pessoas (empregadas no mundo digital) são trabalhadoras. E veja que as empresas, num primeiro momento, venceram a batalha porque conseguiram convencer as pessoas de que elas são ‘pequenos empreendedores’. Você está trabalhando em casa usando a sua água, a sua conta de luz, a sua mesa, gastando parte do seu dinheiro e trabalhando o dobro do que você trabalhava achando que você é pequeno ou pequena empreendedora”, analisou.
“Os Estados pobres precisam unir universidades, que é quem tem inteligência, a juventude, que é quem pode pensar no futuro, os empresários e os sindicatos para a gente pensar sobre isso. É urgente. Obviamente que o mundo não vai acabar por conta disso, mas a gente vai ficar refém de indústria que a gente não conhece, de empresário que a gente não conhece”, completou.
Da Redação da Agência PT