Marcos Rehder: O projeto do Ministério do Desenvolvimento Agrário para a modernização da Agricultura Familiar

Ricardo Stuckert / PR O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2023/2024

Nesta semana (22/8) o Governo Federal compartilhou uma cartilha sobre as oportunidades que o Plano Safra 23/24 reserva para os pequenos agricultores, que já vem sendo discutido tanto sob o aspecto econômico quanto socioambiental há algum tempo. As propostas deste ano são realmente inovadoras, e os padrões neste “Plano” abrem um oceano de alternativas fortemente sintonizadas tanto com os objetivos da atual gestão quanto com acordos internacionais, e para os olhares atentos o Ministério de Desenvolvimento Agrário já deixou claro que tem o domínio destes potenciais e já se movimenta para tal desde o início do mandato.

Acompanhando o que apontavam as Diretrizes do Programa de Governo Lula-Alckmin 2022, apontava-se três transformações fundamentais para o desenvolvimento da Agricultura Familiar neste governo de reconstrução: o combate às discrepâncias regionais, o aumento da produtividade do trabalho e uma integração das diferentes políticas de incremento produtivo na missão da Transição Ecológica. Este artigo irá delinear como o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) tem feito um trabalho exemplar tanto no que se refere à integração dos pequenos agricultores na agroindústria quanto na economia de baixo carbono (Green New Deal), em torno do que já existe no Plano Safra da Agricultura Familiar e em ações do ministério para otimizar as oportunidades neste programa de incentivo à agropecuária.

i. Introdução: mecanização e bioinsumos na Agricultura Familiar

Desde o começo do ano acompanha-se uma forte agenda do ministro Paulo Teixeira para a intensificação do diálogo com produtores de máquinas e implementos agrícolas e universidades para um grande projeto de adequação e ampliação das máquinas usadas pelo agronegócio para as demandas do agricultor familiar, em suas diferentes realidades e para as mais variadas culturas, dado que o setor está muito longe da padronização encontrada nas grandes cadeias de monocultura. Trata-se de uma iniciativa ímpar, ancorada em uma parceria especial com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério do Meio Ambiente, em diálogo intenso com o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA)  e com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, este que tem como carro chefe a missão de implementar uma trajetória de crescimento futuro pautada na Economia Verde.

Mais recentemente, o MDA abraçou o incentivo à produção e uso de bioinsumos, que vem substituindo agrotóxicos  – inclusive na chamada agricultura empresarial –, tanto que nos últimos meses vários eventos sobre o tema vêm contando com a presença do ministro. Tal alinhamento acontece ancorado no projeto do senador Jaques Wagner, de 2021, que regulamenta o uso deste tipo de insumo e está em tramitação no Senado, e responde a reivindicações do próprio agronegócio. Como será visto mais adiante, isto se encontra com vários outros pontos do Plano Safra da Agricultura Familiar, especialmente preocupado com a Agricultura de Baixo Carbono (ABC) e, por tratar-se de um tipo de insumo (biológico) cujo uso está diretamente ligado aos serviços ecossistêmicos fornecidos pelos diferentes biomas brasileiros, com as diferenças regionais.

Sendo assim, pretende-se aqui unir algumas das várias pontas que permitem entender algumas consequências da atuação inovadora do Governo Federal também para os pequenos produtores, muitas vezes vistos mais como objetos de política social do que de políticas de desenvolvimento produtivo e inovação. A Agricultura Familiar, tanto pela diversidade de alternativas que permite explorar quanto pela sua importância para a garantia da segurança alimentar (a maioria dos alimentos frescos vêm dela), possui um potencial gigantesco para o desenvolvimento tecnológico, agregação de valor aos produtos agropecuários e aumento da produtividade do trabalho, fatores que propiciam um combate também robusto contra a miséria extrema, que voltou a assombrar o País nos últimos anos. Na sequência deste artigo veremos ii) como o novo Plano Safra busca incentivar a modernização das pequenas lavouras, iii) como esta direção apontada pelo ministério responde tanto a Diretrizes do Programa de Governo Lula-Alckmin 2022 quanto ao debate ambiental contemporâneo e, por fim, iv) algumas possibilidades de ação e organização do setor produtivo em torno do parâmetros estabelecidos institucionalmente.

ii. Mecanização e transição ecológica no Plano Safra da Agricultura Familiar 23/24

Contrariando alguns setores ruralistas cegamente alinhados com o (des)governo anterior, o Plano Safra 23/24 é 27% mais robusto que o do ano passado, cumprindo a função de financiar a agropecuária brasileira e agora também extremamente comprometido com a agricultura de baixo carbono. Os programas voltados para a chamada agropecuária empresarial (médios e grandes) ficam no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com financiamentos com juros menores que a taxa básica de juros, entre 10 e 12% (com duas exceções, entre 7 e 8%), e os recursos específicos para os pequenos agricultores ficando sob responsabilidade de governança do MDA, com juros máximos de 6%, que quando se trata de produção de alimentos caem a 4% e no caso de produção agroecológica chegam a 3%.

A redução dos juros para a compra de máquinas e implementos agrícolas para 5% vem acompanhada do Decreto nº 11.584, de 28 de junho de 2023, que institui o Programa Nacional de Máquinas, Equipamentos e Implementos para Produção Sustentável de Alimentos pela Agricultura Familiar – Programa Mais Alimentos. Ele é o norte da atualização para que o Agro 4.0 chegue com consistência aos pequenos, de modo que a produção de verduras, frutas e legumes (alimentos em geral) ganhe produtividade concernente com a nova realidade das cadeias de valor.

Este Decreto concentra para agricultura familiar um amplo debate que já vinha acontecendo há mais de dez anos, no qual as preocupações acabaram priorizando o agronegócio, e que desde o começo do ano Paulo Teixeira vem tentando trazer para os produtores do âmbito de seu ministério. Para a elaboração da lei aconteceram várias reuniões com entidades representativas da indústria de máquinas e implementos, como ABIMAQ, CSMIA, CSAG e CSEI, além da ampliação do diálogo com a comunidade científica, com o objetivo de mobilizar os pesquisadores no desenvolvimento de tecnologias voltadas para os pequenos agricultores.

Quando se reduz os juros para 4% no financiamento da agricultura familiar de baixo carbono pode-se colocar o pequeno agricultor, munido também de incentivos para chegar à mecanização digitalizada, como protagonista internacional no cumprimento de acordos internacionais ancorados na Agenda 2030, com ganho de produtividade. Mais que isso, na medida em que se fixa os juros para produção de frutos nativos (incluindo extração) para 3%, de forma harmônica com a floresta, não apenas se alavanca a produção sustentável como se promove uma conscientização de que a floresta pode gerar riquezas, lucro para o micro e pequeno empresário e renda para a população vulnerável.

Mesmo para quem empreende agropecuária nos moldes tradicionais, a recente investida em favor dos bioinsumos – que não estão no leque de incentivos deste Plano Safra por falta de regulamentação – subverte de vez o paradigma das atividades rurais, até então pautado nos agrotóxicos: apontamos agora para uma agricultura regenerativa. O empenho no aprimoramento e aprovação do Projeto de Lei 3668/2021 do senador Jaques Wagner, voltado para o desenvolvimento, produção, uso e controle de bioinsumos, pode ser um marco divisório do nosso setor produtivo rumo à transição ecológica

Em suma, impulsionou-se todo um aparato institucional no novo direcionamento das atividades rurais que, além de poder aprimorar o desenvolvimento econômico, ambiental e social da Agricultura Familiar (e da agroindústria como um todo), inclui um universo de possibilidades de renda em atividades indiretas que podem ser aquecidas neste processo, como pesquisa e serviços. Uma melhor compreensão de como esta nova conjuntura se insere no todo do novo governo e em tendências internacionais é certamente fundamental para que toda a sociedade otimize seus ganhos com estas iniciativas, contextualização que segue como últimos objetivos aqui pretendidos.

Ricardo Stuckert / PR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2023/2024

iii. Potenciais da agricultura familiar no Green New Deal das propostas Lula-Alckmin

O atual Governo Federal é altamente influenciado pela abordagem das missões de desenvolvimento, criadas por Mariana Mazzucato e presente em trabalhos de economistas com influência em Brasília; no caso, toma-se a Agenda 2030 como norte e se procura envolver os mais variados setores políticos, econômicos e sociais no objetivo de aumentar a produtividade do trabalho em atividades que satisfaçam as urgentes demandas sociais, o Desenvolvimento Sustentável, ou a Economia Verde. Sendo assim, para que se atinjam os objetivos macroeconômicos se tem clareza da necessidade de regulação da dinâmica setorial microeconômica, tentando atingir os indicadores agregados desejados incentivando-se atividades específicas. Neste quesito, as políticas de desenvolvimento agrário respondem precisamente a um crescimento econômico que promova a inclusão social através de meios ambientalmente sustentáveis.

É importante constatar que esta dinâmica coloca o país em uma posição privilegiada no contexto internacional. No último texto de volume da Embrapa publicado este ano, em virtude da comemoração de seus 50 anos, destaca-se o dilema entre respeitar os limites ambientais e a carência global por segurança alimentar. Em publicações de autores como Rogério Studart (ex-diretor do Banco Mundial) e José Puppim de Oliveira, este problema também é colocado, e o desenvolvimento tecnológico é apontado como uma alternativa que concilie os dois desafios. Este último em especial atenta para o fato de que, no longo prazo, as novas tecnologias voltadas para a responsabilidade ambiental tendem a sanar uma baixa de produtividade inicial, posto que os prejuízos causados por impactos ambientais mostram-se mais custosos que as ditas restrições para a preservação dos serviços ecossistêmicos. Por isso, um sistema de financiamento que atente a isso, considerando o fator risco ecológico e tecnológico em seus juros, torna-se um ponto chave.

Infelizmente, sobretudo nos últimos quatro anos, o BNDES esteve mais preocupado em caçar fantasmas dos anos 1960/70 e entre eles ficou, abraçando um neoliberalismo tacanho incapaz de lembrar algo básico em planejamento econômico: que é no futuro que os investimentos trazem retornos (inclusive, tributários). Também pouco (ou nada fez) para os setores que mais alimentam nossa demanda por segurança alimentar, os pequenos produtores, disparados os principais fornecedores de feijão, arroz, frutas, verduras e legumes para o mercado interno. Em relação à Agenda 2030, qualquer coisa dita sobre o ex-governo parecerá piada daqui a dez anos (já é piada, de mau gosto). Felizmente tivemos uma guinada no sistema de financiamento, absolutamente sintonizada com as metas do Ministério do Meio Ambiente, do MDA, do MCTI, do MAPA e do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio e Serviços, e à infinidade de acordos internacionais que abrem as portas do mundo para nossos produtos, rumo à integração de um Green New Deal.

iv. Regras e atores, proposições e prospecções, limites e alternativas

Uma continuidade da discussão tentada aqui exige um mergulho metódico nos programas e leis que envolvem o incentivo do Governo Lula-Alckmin à modernização sustentável da agricultura familiar, um mapeamento de seus atores, uma série de avaliações quantitativas das correlações e organização do mercado, indicando alguns limites dos efeitos destas políticas (eles sempre existem… para serem superados, lógico), apontando para alternativas, que sempre passam pelo aprimoramento de inovações tecnológicas e organizacionais (ou mesmo institucionais, com mudanças nas regras). Reduzo-as aqui em quatro pontos fundamentais para aprofundar uma análise desta guinada de paradigma que já podemos assistir neste primeiro anos:

  • Uma melhor compreensão detalhada do Plano Safra 23/24, inclusive no que tange à agricultura empresarial, posto que muitos dos fornecedores e compradores das cadeias da Agricultura Familiar são os mesmos (ou, interdependentes), de modo que os incentivos aos grandes acarretam conseqüências (positivas ou negativas) para os pequenos.

  • A partir de uma melhor compreensão geral, avaliar o que está sendo implementado no Plano Safra da Agricultura Familiar e nas articulações do MDA, que conduzem à mobilização dos agentes econômicos que estão sob sua governança e podem direcionar as inovações para o setor, além de estimular os pequenos agricultores a se apropriarem de novas tecnologias e aprimorarem sua capacidade de organização no mercado.

  • Uma análise acurada do Decreto 11.584/2023, onde teremos melhor entendimento de como ele incentiva a mecanização agrícola e aquece a indústria de máquinas e implementos, algo fundamental no desafio de reindustrialização do País.

  • Incentivar a contribuição não apenas de apoio, mas de aprimoramento ao Projeto de Lei 3668/2021, que regulamenta o uso de bioinsumos, o que incentiva não apenas o uso de insumos mais saudáveis, tanto para a saúde do agricultor como para o consumidor, como também fomenta a pesquisa e produção de insumos no País.

Não há como não parabenizar a atuação do MDA para que atinjamos a transição ecológica, um novo modelo de desenvolvimento, o Green New Deal. Este trabalho merece, e muito, este aprofundamento, junto aos demais ministérios mencionados aqui. Se há dificuldades em se alçar uma nova realidade para os pequenos produtores nas esferas política e em boa parte da esfera pública, um intenso empenho dos que se motivam nesta causa em abraçar os quatro tópicos acima (e vários outros) pode ser a melhor ferramenta para se quebrar a resistência.  Mãos à obra: entre divergências e convergências, de várias iniciativas comprometidas com as múltiplas sustentabilidades com certeza sairá um desenvolvimento real e inclusivo.

(*) Marcos Rehder Batista é sociólogo, pesquisador no NEA+ (IE-Unicamp), SP in Natura Lab/ FCA-Unicamp e no CEAPG/ EAESP-FGV

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