Em discurso na abertura da 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (24), em Nova York, o presidente Lula apontou os principais problemas a serem encarados pela humanidade, como as mudanças climáticas, a fome, as desigualdades socioeconômicas e de gênero e a representatividade distorcida da ONU, com interesses cristalizados desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Lula fez uma série de sugestões visando à reestruturação da organização, de forma a adequá-la aos desafios da atualidade.
“Prestes a completar 80 anos, a Carta das Nações Unidas nunca passou por uma reforma abrangente. Apenas quatro emendas foram aprovadas, todas elas entre 1965 e 1973. A versão atual da Carta não trata de alguns dos desafios mais prementes da humanidade. Na fundação da ONU, éramos 51 países. Hoje, somos 193. Várias nações, principalmente no continente africano, estavam sob o domínio colonial e não tiveram voz sobre os seus objetivos e funcionamento”, afirmou o presidente.
Lula foi aplaudido ao defender direitos iguais para as mulheres. O petista lembrou que, ao longo de todos esses anos, a própria ONU nunca teve, no mais relevante cargo da organização, uma figura feminina. “Inexiste equilíbrio de gênero no exercício das mais altas funções. O cargo de secretário-geral jamais foi ocupado por uma mulher”, lamentou.
“Estamos chegando ao final do primeiro quarto do século 21 com as Nações Unidas cada vez mais esvaziada e paralisada. É hora de reagir com vigor a essa situação, restituindo à organização as prerrogativas que decorrem da sua condição de fórum universal. Não bastam ajustes pontuais. Precisamos contemplar uma ampla revisão da Carta”, prosseguiu, antes de enumerar quatro propostas (veja abaixo) para melhorar o funcionamento do ONU.
O presidente foi novamente aplaudido quando censurou o alijamento de países da América Latina e da Ásia dos assentos permanentes da ONU, que são justamente aqueles que detêm poder de veto: “É um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial”.
Corrida armamentista
Lula traçou um panorama do contexto geopolítico e da escalada das guerras na Ucrânia e em Gaza, além dos conflitos esquecidos no Iêmen e no Sudão. O petista condenou a corrida armamentista a que se propõem as principais potências. “2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram US$ 2,4 trilhões”, contabilizou.
“Mais de US$ 90 bilhões foram mobilizados com arsenais nucleares. Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima. O que se vê é o aumento das capacidades bélicas”, completou Lula.
Ao sugerir a revisão da Carta da ONU, o presidente também advertiu para os riscos de um novo conflito em escala mundial, caso a opção seja pela manutenção do status quo. “Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre seus escombros uma nova governança global”, disse.
Mudanças climáticas
Tema caro ao governo federal, a mudança do clima foi assunto central no discurso do presidente durante a abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU. Lula argumentou que o Brasil desponta como liderança natural na transição energética e na descarbonização do planeta. “Estamos condenados à interdependência da mudança climática”, frisou.
“O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna”, acrescentou Lula.
O presidente também mencionou medidas adotadas pelo governo em benefício do meio ambiente. “Não transigiremos com ilícitos ambientais, com garimpo ilegal e com o crime organizado. Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030. Não é mais admissível pensar em soluções para as florestas tropicais sem ouvir os povos indígenas, comunidades tradicionais e todos aqueles que vivem nelas”, elencou.
“Nossa visão de desenvolvimento sustentável está alicerçada no potencial da bioeconomia”, explicou o petista.
Crise do capitalismo
Lula abordou ainda as desigualdades socioeconômicas resultantes da crise do modo de produção capitalista. Além da brutal concentração de renda no mundo hoje, ele criticou o acesso restrito dos países em desenvolvimento a recursos financeiros, assimetria classificada pelo presidente de “Plano Marshall às avessas, em que os mais pobres financiam os mais ricos”.
“Enquanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ficam para trás, as 150 maiores empresas do mundo obtiveram, juntas, lucro de US$ 1,8 trilhão nos últimos dois anos. A fortuna dos cinco principais bilionários mais que dobrou desde o início desta década, ao passo que 60% da humanidade ficou mais pobre. Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora”, apontou Lula.
O presidente também tratou do flagelo da fome. “O número de pessoas passando fome ao redor do planeta aumentou em mais de 152 milhões desde 2019. Isso significa que 9% da população mundial, 733 milhões de pessoas, estão subnutridas. O problema é especialmente grave na África e na Ásia, mas ele também persiste em partes da América Latina. Mulheres e meninas são a maioria das pessoas em situação de fome no mundo.”
Defesa da democracia
Sobre o enfrentamento ao sectarismo e ao extremismo de direita, Lula enfatizou a importância de ações permanentes que preservem o regime democrático e a soberania nacional e que garantam direitos a todos os cidadãos. “Brasileiros e brasileiras continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”, rebateu.
“A democracia precisa responder às legítimas aspirações dos que não aceitam mais a fome, a desigualdade, o desemprego e a violência. No mundo civilizado, não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas”, concluiu o presidente.
Veja as propostas do Brasil para reestruturar a ONU:
– transformação do Conselho Econômico e Social no principal foro para o tratamento do desenvolvimento sustentável e do combate à mudança climática, com capacidade real de inspirar instituições financeiras
– revitalização do papel da Assembleia Geral, inclusive em temas de paz e segurança internacionais
– fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz
– reforma do Conselho de Segurança, com foco em sua composição, métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e representativo das realidades contemporâneas
Da Redação da Agência PT, com Site do Planalto