Uma disparo da ciência contra o obscurantismo, a ignorância e a desinformação propagadas pelo desgoverno Bolsonaro. O depoimento da médica infectologista Luana Araújo à CPI da Covid, nesta quarta-feira (2), provou que Jair Bolsonaro nunca quis cerca-se de colaboradores técnicos que se baseiam na prática científica para defender a vida. Impedida por Bolsonaro de assumir o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, na gestão de Marcelo Queiroga na Saúde, Araújo deu uma aula sobre a pandemia, demolindo, entre outras teorias negacionistas, a tese da imunidade natural de rebanho e condenando o chamado “tratamento precoce”.
Ela classificou defensores do uso cloroquina contra a Covid-19 como a “vanguarda da estupidez”. “Essa é uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente”, criticou a infectologista. “Quando eu disse que um ano atrás nós estávamos na vanguarda da estupidez mundial, eu, infelizmente, ainda mantenho isso, nós ainda estamos aqui discutindo uma coisa que não tem cabimento. É como se a gente estivesse escolhendo de que lado da borda da terra plana a gente vai pular”, declarou Araújo, expondo o motivo pelo qual Bolsonaro vetou o nome da profissional.
Respondendo a uma pergunta do senador Humberto Costa (PT-PE) sobre imunidade de rebanho, a infectologista destruiu a tese governista de que a pandemia seria superada por uma imunização natural gerada pela contaminação de pelo menos 70% população pelo vírus da Covid-19.
“O vírus Sars-Cov-2 é de RNA, que é um tipo de material genético que tem tendências a sofrer mutações com muita facilidade. É e sempre será esperado que sofram mutações claras ao longo do tempo”, explicou a infectologista, adicionando que “a imunidade de rebanho natural dentro da Covid-19, do Sars-Cov-2, é impossível de ser atingida e não é uma estratégia inteligente”.
“Não posso imputar sofrimento e morte a uma população simplesmente pensando em atingir uma imunidade de rebanho”, esclareceu a infectologista. Ela também deixou claro que o uso de máscaras e o distanciamento social são fundamentais no enfrentamento ao surto, aliados à necessidade de vacinação em massa. Para Araujo, as vacinas disponíveis contra a Covid-19 atendem requisitos de segurança de agências reguladoras internacionais e outras instituições científicas.
Equívoco
Em sua intervenção, Humberto Costa ressaltou que a médica foi equivocada ao considerar que o governo Bolsonaro se renderia à ciência para salvar vidas.
“A senhora fez uma opção que continha um engano, o de que seria possível, diante de um governo que tem uma política da morte, da fome, de impingir sofrimento à população, poder fazer um trabalho como esse”, discursou o senador.
“Existe a boa e a má política”, frisou Costa. “A política que é praticada no Brasil por esse cidadão que está sentado no Palácio do Planalto, é a pior política que pode existir, é a política da morte. A senhora se enganou em achar que, chegando lá, poderia fazer a politica da vida”, concluiu.
Falta de coordenação federal
A infectologista também criticou a falta de coordenação do governo Bolsonaro na integração de estados e municípios no enfrentamento da pandemia, apontando a falta de uma “mensagem única” a ser direcionada à população.
“É uma estratégia quase que militar”, comparou. “Você tem um inimigo importante, e aí você começa a dispersar seus soldados, cada um faz uma coisa, como é que a gente tem força para lidar com aquilo? Não tem, então é uma questão até de bom senso”, criticou a infectologista. Para Luana Araújo, sua nomeação serviria para fazer essa integração.
Copa América e Conselho Federal de medicina
Em resposta a Humberto Costa, Luana também se posicionou contra a realização da Copa América no país, desaconselhando a competição. “O momento não é oportuno para esse tipo de evento”, alertou a médica.
Sobre a autonomia médica para o tratamento de pacientes com Covid-19, definida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a infectologista avaliou que a medida deixou a classe médica “muito exposta”.
“Considero que é bastante temerário você colocar nas costas dos médicos ao redor do país, principalmente aqueles que estão em locais com muito pouca condição técnica, de exercício de trabalho, a responsabilidade de usar uma medicação que não tem eficácia”, destacou.
Ameaças
Luana Araújo disse não saber o motivo do veto à sua indicação ao cargo, após dez dias de trabalho. Afirmou apenas que viu “carga política” no episódio. A médica, que tem mestrado na Universidade John Hopkins, disse que identificou falhas no programa de testagem do governo mas não houve tempo de corrigir os rumo da política pública do ministério.
Ela confirmou que sofreu ameaças à sua integridade física após a recusa de sua integração ao governo Bolsonaro e que bolsonaristas tentaram divulgar seu endereço na internet.
“Eu, como vários infectos [infectologistas] desde o começo da pandemia, sofremos diversas ameaças. ‘Não saiam de casa’, ‘tomara que você e sua mãe morram’”, relatou a profissional. “Isso é lamentável. Não pela minha segurança ou pelos colegas, mas pela perda de oportunidade de educação do nosso povo, de alteração dessa dor em crescimento”, observou.
Da Redação da Agência PT