Ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, denuncia estratégia do prefeito João Doria para reduzir as filas de exames em São Paulo: “Os hospitais privados, que realizaram apenas 70 mil atendimentos, receberam R$ 9 milhões, enquanto os públicos realizaram 273 mil atendimentos e receberam R$ 8 milhões. Ou seja, na contabilidade criativa contra a vida, quem sai da fila sem fazer exame são exatamente os que mais precisam”.
Por Alexandre Padilha
Muitos minimizaram a frase de Rubens Ricúpero, ex-ministro da Fazenda de Itamar/FHC, que durante a campanha de eleição do último, deixou escapar em um off para as câmeras, que circulou pelas parabólicas de TV: “o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”. São os mesmos que inventaram o termo contabilidade criativa, buscando enquadrar a ex-presidenta Dilma em um crime da Lei Responsabilidade Fiscal que nunca foi identificado.
Atualmente, assistem às derrocadas ou incertezas dos seus presidenciáveis nacionais tucanos, que parecem sinalizar um interesse em nacionalizar a figura do atual prefeito de São Paulo. Bem, posso dizer que “o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”, de contabilidade criativa, ele entende bem. Só que isso atenta contra a vida.
Quero deixar claro que não sou contra utilizar os recursos de alta complexidade ou excelência técnica dos hospitais privados para os atendimentos do SUS. Não à toa, esta regra foi aprovada em lei de iniciativa do Presidente Lula, quando eu era seu Ministro da Coordenação Política e acompanhava as aprovações no Congresso Nacional. É o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS). Este programa estabelece a obrigação dos chamados Hospitais Filantrópicos com acreditação internacional de retornarem ao SUS aquilo que deixam de recolher em impostos.
E, quando Ministro da Saúde, firmei o atual plano de atendimentos ao SUS por este programa, abrindo as portas de hospitais como Albert Einstein, Sírio Libanês, HCOR, Samaritano, Oswaldo Cruz e Moinhos de Ventos/RS à população que mais precisa. Um dos bons exemplos dessa parceria foi a inauguração na gestão do prefeito Haddad de um hospital completo pelo Hospital Albert Einstein, 10 anos após o último hospital aberto em São Paulo, na periferia do Jabaquara, zona sul da cidade.
Também é bom que fique transparente que dos atuais convênios usados pela Prefeitura de São Paulo no esforço de realizar exames, quase a totalidade foram construídos e oferecidos ainda na gestão Haddad, quando tive a honra de ser secretário de Saúde, por 15 meses. O que quero denunciar aqui, e considero inadmissível, é que pessoas estejam sendo retiradas da fila de exames sem realizá-lo, tudo em nome de uma vitrine. É isto que está acontecendo e a faltoscopia transformou-se no principal exame isolado realizado na rede municipal de saúde de São Paulo.
Sempre considerei inadmissível também que, no maior centro médico da América Latina, ainda tivéssemos um tempo de espera tão grande para realização de exames e cirurgias agendadas na cidade de São Paulo.
Durante a gestão Haddad foi possível reduzir pela metade esse tempo de espera, trazer algumas prioridades para o tempo máximo de 30 dias, como mamografia de rastreamento de câncer ou cirurgias pediátricas. Mas ainda tínhamos essa redução de tempo como principal desafio para uma segunda gestão. Continuaríamos apostando em uma estratégia que vinha dando os primeiros resultados, mas que precisava ser intensificada em um segundo governo: a implementação de Hospitais Dia na periferia da cidade, permitindo que a pessoa fizesse o exame/cirurgia mais perto da sua casa.
A Rede Hora Certa fez com que realizássemos 580 mil exames em média todo mês no ano de 2016 e reduzir pela metade o tempo de espera. Isso é bom não só pelo deslocamento da pessoa, mas também permite que o médico, que solicita o exame, esteja mais próximo, às vezes na mesma unidade de quem realiza ou do especialista referenciado, gerando mais oportunidades de cuidar integralmente daquele paciente. Infelizmente, no afã de construir espuma para uma pré-candidatura nacional, o atual prefeito preferiu adotar uma estratégia que na prática exclui da fila, sem realizar exame, exatamente quem mais precisa.
Podem colocar o nome e a cor que quiserem para essa iniciativa, bem como vendê-la como acesso a hospitais privados de excelência, embora quase 90% dos procedimentos realizados aconteçam na rede pública do SUS e não na rede privada conveniada. A estratégia de comer a fila sem que as pessoas realizem o exame agravará a situação de saúde da nossa população, sobretudo o povo do periferia.
Vamos aos números, divulgados nesta segunda-feira, 03/04:
1º – A estratégia atende apenas seis tipos de exames: Ultrassonografias, Mamografias, Tomografias, Ecocardiografias, Desintometrias e Ressonâncias, excluindo os demais exames, por exemplo Endoscopias.
2º – Quase 120 mil pacientes foram excluídos da fila, enviados de volta a Unidade Básica, sem qualquer informação ao que será feito com cada um deles.
3º – De acordo com dados de agendamento do município do Sistema Integrado de Gestão de Atendimento (SIGA) da Secretaria Municipal de Saúde obtidos através do Tribunal de Contas do Município (TCM), hoje, cerca de 500 mil pessoas ainda estão na fila, ou seja, aguardam o atendimento.
4º – Como alguns dos exames são realizados em bairros nobres da cidade e em horários muitas vezes proibitivos, há taxas elevadas de absenteísmo, até 40% em alguns casos.
5º – Os hospitais privados, que realizaram apenas 70 mil atendimentos, receberam R$ 9 milhões, enquanto os públicos realizaram 273 mil atendimentos e receberam R$ 8 milhões. Ou seja, na contabilidade criativa contra a vida, quem sai da fila sem fazer exame são exatamente os que mais precisam.
Todos os dias são excluídos da fila sem realizar exame aqueles que completam seis meses ou aqueles que faltam por não conseguir chegar ao local e horário do exame. E quem mais recebe recurso são exatamente os hospitais que menos precisam.
Mas a contabilidade contra vida não para por aí. Se fosse na gestão Haddad, seria capa e renderia editoriais televisos. No mundo do atual prefeito, rendem notas, mas cuja irresponsabilidade não pode cair no silêncio. Após a mudança de velocidade nas marginais, em menos de um mês, tivemos 106 acidentes com vítimas, diante de 46, no mesmo período de 2016.
Muitos administradores de empresas se vangloriam quando escondem sonegação, falta do pagamento de IPTU, ou estatísticas que possam manchá-la no mercado. Só que em uma cidade quem sofre não é o dono da empresa, mas a vida dos que nela moram. Dória escolhe para o sacrifício a transparência e os que mais precisam.
Foto: Leon Rodrigues/Secom
Fonte: Por Alexandre Padilha – Revista Fórum