O acordo entre a prefeitura de São Paulo e as construtoras Cyrela e Setin para que o Parque Augusta saia do papel ainda está longe de ser consenso na sociedade civil. Paralelamente ao caso, o tucano estuda formas de concessão de todos os parques públicos da cidade para a iniciativa privada, o que também é visto com desconfiança por diferentes entidades e mesmo vereadores.
A criação do parque e o modelo de concessão de áreas verdes foram tema de uma audiência pública realizada nessa quarta-feira (26) na Comissão de Administração Pública da Câmara Municipal de São Paulo. O acordo que pode colocar fim a 40 anos de embate sobre o destino do terreno na Rua Augusta, região central da capital, prevê que as empresas detentoras dos 24 quilômetros quadrados concedam a área para a construção do parque, em troca de um outro terreno público na Marginal Pinheiros, na zona Sul, de 18 quilômetros quadrados. Mesmo menor, especialistas afirmam este ser um “negócio da China“, pois o Parque Augusta fica em uma área de proteção ambiental, o que impede seu aproveitamento econômico máximo, diferente do terreno na zona Sul.
Ainda pairam muitas dúvidas sobre os detalhes do projeto, e a gestão Doria promete especificar os pontos da proposta no dia 4 de agosto. A prefeitura adiantou que há uma série de contrapartidas para as empresas que podem sair beneficiadas, entre elas a construção de uma creche e de um centro de acolhimento, além da instalação e manutenção da estrutura do Parque Augusta por dois anos. Também serão cobradas das construtoras, segundo a administração municipal, a manutenção da Praça Vitor Civita, no terreno público da zona Sul que entrou no negócio, por período de dois anos, e a construção de uma nova sede da prefeitura regional de Pinheiros.
A Rede Minha Sampa pondera que uma negociação pode ser positiva, mas carece de participação da parte mais interessada, a sociedade civil. “A permuta acordada pelo prefeito com a Cyrela e a Setin pode parecer um avanço na mobilização em defesa do Parque Augusta. O que levanta questionamentos é a maneira como esse acordo foi tratado, a portas fechadas e sem conhecimento de nenhuma das partes e dos termos. Para se ter uma ideia, sequer o promotor responsável pelo caso e que, em tese, é responsável pela avaliação da permuta, tem essas informações”, aponta a entidade.
“O Ministério Público, os movimentos da sociedade civil e moradores de Pinheiros que também reivindicam a área da subprefeitura para construção de moradias populares e serviços públicos não sabem em que termos o acordo foi firmado e o que de fato acontecerá. Chegamos ao ponto em que, junto com esses movimentos, precisamos pressionar o Ministério Público para que avalie a permuta de maneira que não prejudique a cidade. Queremos o Parque Augusta, mas sem que isso seja prejudicial para outros territórios da cidade”, completa.
Moradias populares
A questão da concessão para a iniciativa privada por determinado período vai além do futuro Parque Augusta e da Praça Vitor Civita. De acordo com a prefeitura, todos os 107 parques paulistanos devem passar pelo processo de concessão, como parte do Projeto de Lei (PL) 367/2017. O empresário filiado ao partido Novo e titular da pasta de Desestatização e Parcerias assume que o modelo ainda está em aberto. “Os prazos não estão determinados, vamos decidir nas licitações”, afirmou em audiência pública realizada ontem (26) na Câmara Municipal.
“Durante um período determinado, um concessionário fará a gestão do parque e terá contrapartidas por isso. Foi colocada no Diário Oficial uma manifestação de interesse para quais instituições gostariam de trabalhar na gestão de alguns parques (14). Foram 26 agentes inscritos e 21 autorizados que estão trabalhando nos projetos”, disse o secretário. As contrapartidas citadas devem ser o lucro oriundo da renda dos estacionamentos, realização de eventos, alimentos e bebidas, aluguel de bicicletas, wi-fi cobrado e locação de filmagens.
Durante a audiência, vereadores pediram a palavra para questionar algumas questões expostas por Poit. José Police Neto (PSD) criticou a imposição da lógica do lucro em um espaço como um parque. “O setor privado só se move por lucro. Uma empresa quebra quando não dá lucro. Portanto, se nossos parques não derem lucro nas mãos da iniciativa privada, quebram os parques e morrem as cidades. Então, a reflexão que temos que fazer é sobre quem do setor privado queremos para administrar nossos parques. Há um conflito objetivo no interesse”, disse.
“Não sou contra o empresário ganhar dinheiro. Mas a cidade não pode se dar ao luxo de oferecer seu ativo mais importante com o risco do lucro do agente privado. É possível o agente privado estar dentro dos parques, mas desde que não haja fins lucrativos. Caso contrário, a relação é inversa. É preciso pensar que os parques não podem entrar na conta das empresas, porque as contas vão dar certo, mas a cidade vai morrer”, completou.
Para o vereador, se for necessária a mudança na gestão dos parques, é preciso que o olhar se afaste da necessidade do lucro.”É possível que a sociedade se envolva na gestão sem tal finalidade. Esse modelo estamos dispostos a discutir. Mas não me parece que acertamos ao colocar como ponto central a produção de lucro. Temos que pensar qual a fórmula vamos atrair o setor privado, se não, corremos o risco de reduzir oferta de serviços ambientais, reduzir acesso da população às áreas verdes e reduzir o respeito ao meio ambiente”, concluiu.
A vereadora Juliana Cardoso (PT) fez uma avaliação similar. “Não vejo na história do mundo a preservação do meio ambiente ligada à iniciativa privada que visa lucro. Eles acabam com o meio ambiente, tiram tudo aquilo que resta. Para mim, esse projeto é precoce e vem sem nenhum tipo de organização técnica, só com o discurso de que nosso patrimônio não serve e não presta”, criticou. “O prefeito quer passar tudo para a iniciativa privada para não precisar nem mais de secretarias, porque as empresas estarão dentro do poder público para gerir tudo. Precisamos entender o que está por trás da iniciativa privada e porque eles querem tanto nossos parques públicos”, completou.
Fonte: Gabriel Valery, da RBA