Gestão Nunes relaxa acompanhamento dos serviços de saúde das OSS no município de São Paulo

Edson Hatakeyama

Em 14 de agosto de 2024, foi publicada a Portaria SMS nº 532, de 14 de agosto de 2024, que atualiza os critérios de avaliação da execução dos contratos de gestão entre a Secretaria Municipal da Saúde e Organizações Sociais de Saúde (OSS) que administram praticamente 100% dos serviços da atenção básica no município de São Paulo.

Até então, os critérios de acompanhamento dos contratos de “parceria” eram fixados pela Portaria nº 333, de 31 de maio de 2022. Treze quesitos definiam a qualidade dos serviços executados pelas OSS: gestão participativa, ouvidoria, qualidade do registro de atendimento, saúde da criança (calendário vacinal e consulta de recém-nascidos de baixo risco), educação permanente, saúde da mulher (consultas de pré-natal, exames da gestante e consultas odontológicas da gestante), saúde da pessoa em situação de violência, vigilância em saúde, saúde do idoso, e saúde bucal.

Com a Portaria 532/2024, removeu-se o indicador de qualidade relativo à saúde do idoso, e saúde da pessoa em situação de violência e vigilância em saúde foram transformados em indicadores de monitoramento. Isso significa que a Secretaria Municipal da Saúde não vai mais verificar a porcentagem de idosos com Avaliação Multidimensional da Pessoa Idosa na Atenção Básica (AMPI-AB) completas realizadas, e que a porcentagem de fichas de notificação de violência (SINAN) com todos os campos preenchidos corretamente bem como a porcentagem de pacientes em tratamento diretamente observado (TDO) para tuberculose serão observados apenas no longo prazo, sem que nenhum resultado seja cobrado como condição do recebimento da verba pública pelas prestadoras.

Seria apenas uma alteração da regulação dos serviços de saúde prestados pelas OSS aos munícipes paulistanos, não fosse a gravidade e inadequação das mudanças introduzidas pela nova norma, considerando o perfil demográfico e o cenário social e epidemiológico de São Paulo no contexto atual, que podem representar prejuízos à assistência em saúde da população paulistana em função do afrouxamento do acompanhamento dos serviços em áreas chave para o controle de agravos em saúde no município, especialmente nas condições de maior vulnerabilidade socioeconômica.

Segundo levantamento da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) da Prefeitura de São Paulo, a população idosa representava 17,7% dos paulistanos em 2022, já superando o número de crianças (17,1%). Em números absolutos, são 2.023.060 pessoas idosas. As mudanças no perfil demográfico e epidemiológico com o envelhecimento da população requerem respostas das políticas sociais envolvendo o Estado e a sociedade, sendo a AMPI-AB um instrumento organizador dos fluxos da Rede de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa (RASPI), em consonância com as orientações do Ministério da Saúde sobre as diretrizes para a Linha de Cuidado da saúde da pessoa idosa. Remover esse indicador é deixar de verificar se as OSS estão avaliando quem são as pessoas idosas saudáveis, pré-frágeis e frágeis, e se os encaminhamentos dentro da RASPI estão acontecendo para garantir uma vida digna e autônoma à pessoa idosa quando possível, ou prestar o apoio quando necessário.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza a violência como um grave problema de saúde pública, envolvendo violações a uma série de direitos humanos, relacionadas a violências sexuais (exploração e assédio sexual, e estupro), negligência/abandono, violência autoprovocada, violência institucional, violência contra criança e adolescente, contra mulher, contra a pessoa idosa, e contra a população negra. Essas violações não atingem apenas a vítima, mas também seus familiares e pessoas próximas. Segundo o Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, o Município de São Paulo lidera o ranking nacional de denúncias de violações de direitos humanos, com 36.260 denúncias e 239.885 violações de janeiro a agosto de 2024.

Avaliar os resultados da Linha de Cuidado para Atenção Integral à Saúde da Pessoa em Situação de Violência no Município de São Paulo apenas a longo prazo, em sua série histórica, é deixar de monitorar junto aos serviços de saúde a capacidade de acolher, atender, notificar e acompanhar as pessoas em situação de violência seja ela psicológica, física, negligência/abandono, sexual e/ou autoagressão.

Mas a mudança mais grave foi a da vigilância em saúde, considerando a piora dos indicadores para casos novos de tuberculose no Município de São Paulo, que em 2023 atingiu seu maior número de casos e coeficiente de incidência de sua série histórica desde 2007, segundo dados da COVISA, o que deveria ensejar um planejamento de recuperação e fortalecimento de ações de combate a prevenção à doença, com a concentração de ações em diagnóstico, avaliação de contatos, tratamento da infecção latente, e estímulo ao TDO, conforme consta no Plano Municipal pela Eliminação da Tuberculose: 2022 a 2025. Remover o TDO como indicador de qualidade é ignorar a necessidade de identificação e a adoção de medidas que visem a redução do risco de abandono ou óbito, a partir da identificação de situações de vulnerabilidade individual e social, fragilidade da rede social e familiar do paciente, e da identificação de sintomas que indicam uma reação adversa relacionada à medicação anti-TB pela equipe de saúde e a realização de uma intervenção para minimizar o desconforto do paciente.

Há uma outra norma, a Portaria SMS nº 90.908, de 08 de agosto de 2024, com o mesmo teor da Portaria nº 532, sem qualquer motivo aparente a justificar a mesma regulamentação sob numeração diferente, no intervalo de uma semana, a não ser a desorganização institucional da SMS.

Seja qual for o motivo, essas Portarias aparecem na sequência de uma outra, a Portaria nº 225, de abril de 2024, que suspendeu a avaliação, monitoramento e a incidência dos descontos dos indicadores de qualidade e reduziu a exigência de cumprimento das metas de produção.

A análise conjunta dessa sequência normativa pode indicar que as OSS não conseguem realizar os serviços contratados e cumprir o que foi acordado com a SMS, e que a SMS vem envidando maiores esforços para não reduzir os repasses de verba às prestadoras, que há um bom tempo vem consumindo mais da metade do orçamento da saúde no Município de São Paulo, do que garantir a qualidade dos serviços de saúde para a população paulistana.

 

Hélio Rodrigues

Vereador pelo PT de São Paulo

 

Débora Aligieri

Assessora de Liderança do PT – Câmara Municipal de São Paulo

 

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