Depois de vários protestos, questões de ordem e obstrução, a Câmara aprovou na noite desta quarta-feira (9), com o voto contrário da Bancada do PT, o projeto de lei (PL 6299/02), do Senado, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no Brasil. Apelidado de “pacote do veneno”, entre outros pontos, o texto aprovado altera a nomenclatura de “agrotóxicos” para “pesticidas”. O projeto permite a obtenção de registro temporário, além de concentrar a liberação dos agrotóxicos no Ministério da Agricultura. Pela lei atual, o processo de avaliação e liberação envolve também o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na análise dos impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente.
O deputado Nilto Tatto (PT-SP) enfatizou que Bolsonaro, em 3 anos, bateu o recorde histórico de liberação de novos agrotóxicos: 1.517! “A sanha é tão grande que querem até rever decisões técnicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de banimento de alguns rótulos, como do letal Paraquat. Há uma pressão muito grande da bancada ruralista para liberar de novo o Paraquat”, denunciou, acrescentando que o Brasil é o maior importador mundial de agrotóxico e o segundo em utilização deste veneno. “Nessas condições, já somos conhecidos no mundo pelo veneno na mesa e pela contaminação ambiental pelos agrotóxicos”, lamentou.
Deputado federal Nilto Tatto
Na avaliação do deputado, a aprovação desse projeto é um ataque sem precedente à saúde pública e ao meio ambiente. Ele citou levantamento feito pela Defensoria Pública de São Paulo em 2019 que mostra que os subsídios à cadeia do agrotóxico são da ordem de R$ 15 bilhões anuais em todo o País. “Só no orçamento federal deste ano, são R$ 4 bilhões em subsídios para a cadeia do agrotóxico, para quem produz e distribui veneno. Para a agroecologia, para a agricultura familiar, nada de subsídios! São R$ 15 bilhões para produtos que causam intoxicação aguda até doenças graves, incapacitantes e letais, onerando o Sistema Único de Saúde e contaminando rios, lençóis, freáticos, aquíferos, afetando o meio ambiente como um todo”, protestou.
Nilto Tatto afirmou ainda que todas as organizações da agricultura familiar, aqueles que produzem a maior parte do alimento que chega à mesa dos brasileiros são contrários a este projeto. “Os ambientalistas e os defensores dos animais também são, porque entendem que o veneno mata muitos animais. As pessoas que defendem a vida — e estou falando aqui da Fiocruz, da Anvisa, do Ministério da Saúde, do Instituto do Câncer —, as instituições que defendem o meio ambiente, tanto as organizações da sociedade civil como da academia, os organismos públicos, o Ibama, todos são contrários a este projeto”, informou e provocou: “Percebem que aqui só é favorável a este projeto quem defende as corporações que ganham dinheiro com agronegócio?”.
“Liberou geral”
O deputado Padre João (PT-MG) também criticou a proposta e alertou: “O Brasil, mais uma vez, está em risco, e quem coloca o País e a população brasileira em risco é o pacote de veneno. O nosso povo está morrendo pelas lamas da mineração. O nosso povo está morrendo pelo descaso do governo e pelo atraso em relação às vacinas. O nosso povo está morrendo de fome. E, agora, a comida que chega é com veneno. Só no ano passado foram liberados 562 agrotóxicos. Só no governo Bolsonaro, governo genocida, são 1.529 agrotóxicos”, denunciou.
Na avaliação do deputado Padre João projeto é a liberação geral do veneno. “Tira a competência, o poder da Anvisa, que analisa a toxidade, o risco à saúde humana, tira o poder do Ibama, que analisa o impacto no meio ambiente, dá pleno poder ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que com medidas administrativas já fez a liberação geral”.
Para Padre João, esse projeto também tem uma perversidade absurda, que é abrir a fronteira do Brasil para as grandes empresas se instalarem aqui. “Não precisa de avaliação mais, não precisa de análise toxicológica se for para exportação. Então, isso vai atrair as empresas, e o Brasil vai passar a ser o maior produtor de veneno do mundo e o grande exportador. É uma coisa absurda, criminosa que está nesse projeto. Então, ‘não’ ao pacote do veneno”, enfatizou.
Câncer
Na avaliação do deputado Leo de Brito (PT-AC), quando se fala desse pacote do veneno, “nós estamos falando aqui de uma verdadeira política que este Parlamento está chancelando de promoção do câncer e de outras doenças para os brasileiros”. Ele citou o registro indiscriminadamente dos agrotóxicos, que vem sendo feito desde 2016. “E isso é, sim, uma política de morte no nosso País. E é preciso chamar a atenção da população em relação a isso, já que nós temos, sim, um aumento do número de casos de câncer no nosso País por conta do uso indiscriminado ou da liberação indiscriminada do registro de agrotóxicos”, denunciou.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) também se manifestou contra o projeto, lembrando que os primeiros prejudicados são os trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar, sobretudo as mulheres, as pessoas que estão na lida diária. “Quantas e quantas doenças desenvolvem no corpo e na mente daqueles que trabalham com esses venenos, sem ter qualquer orientação e proteção! Mas, no esteio disso, a população adoece. Há uma carga hormonal excessiva. Há produtos que causam câncer. Há produtos com alto grau toxicológico que estão sendo modificados para ficarem dourados, colocados de uma forma como se não fossem toxicológicos, como efetivamente devem ser classificados”, protestou.
E ao criticar o projeto, a deputada Erika Kokay (PT-DF) destacou que a proposta centraliza no Ministério da Agricultura a autorização das substâncias, que hoje envolve o Ministério do Meio Ambiente e a Anvisa. “Hoje há três órgãos responsáveis pela liberação dos agrotóxicos, querem diminuir para um. Hoje há uma série de exigências que serão simplesmente rasgadas em detrimento da saúde do povo”, denunciou. A deputada disse ainda que o “pacote do veneno” retira tudo aquilo que o País tem para a preservação da saúde do povo brasileiro. “Há casos neste País de puberdade precoce de tantos efeitos que o agrotóxico provoca nas pessoas, e aqui se busca liberar, não vai nem se ter registro ou autorização para exportação, é apenas comunicar que vai exportar.
Canetada
O deputado Joseildo Ramos (PT-BA) afirmou que, na realidade, o que se busca com o pacote do veneno é minimizar os custos de produção beneficiando as empresas que vendem os agroquímicos. “Os que estão aqui vinculados ao mercado, ao lucro, não querem saber de saúde pública. A verdade é essa. Não fosse assim, a ministra Tereza Cristina (Agricultura) não estaria ampliando a permissividade através de ações infralegais – decretos, portarias -, enfim, de toda essa artimanha do passar a boiada neste governo, que veio para destruir”, criticou.
Na mesma linha, deputado Leonardo Monteiro (PT-MG) afirmou que o projeto abre as portas do nosso País, que já é o líder mundial no uso de agrotóxicos. “A liberação indiscriminada dos venenos é liderada pela ministra da Agricultura, pelo presidente Bolsonaro, na caneta, através de decreto, e agora, será legalizado na Câmara dos Deputados. Um absurdo”, criticou.
Prazos e registro provisório
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) defendeu emenda do PT para alterar o prazo para avaliação e autorização de um novo agrotóxico no País. Pelo texto aprovado, o prazo máximo para o registro varia de 30 dias (para pesquisa, por exemplo) a dois anos (produto novo ou matéria-prima nova). “Os prazos são insuficientes para uma avaliação segura. Isso é uma temeridade, é inseguro”, alertou. Zarattini argumentou ainda que a proposta vai na contramão do mercado mundial, que está reduzindo o uso e liberação de agrotóxicos. A emenda, no entanto, foi rejeitada pelo plenário.
O PT também apresentou emenda para retirar do texto a autorização provisória para os agrotóxicos que não tiverem a sua análise realizada nos prazos estipulados. “Isso é um absurdo, os tempos estabelecidos são exíguos e significa que não haverá análise e mesmo assim os venenos serão liberados”, argumentou a deputada Erika Kokay. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) também se posicionou contra o registro temporário e alertou que o texto aprovado vai tornar a agricultura brasileira ainda mais atrasada em nível internacional. “O centro de todo este projeto está em ampliar, facilitar e acelerar o uso de agrotóxicos na agricultura brasileira”, criticou. A emenda, porém, foi rejeitada.
Também foi rejeitado outro destaque do PT pretendia retirar do texto o registro temporário de produtos já em uso em pelo menos três países da OCDE.
Como foi alterado pelos deputados, o texto retorna ao Senado para nova apreciação.
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Do PT na Câmara