Num país em que menos da metade das pessoas em idade produtiva encontra alguma ocupação, o “desemprego disfarçado” é mais um sintoma da deterioração das condições de trabalho ocorrida desde o golpe de 2016. Fazem parte desse grupo as pessoas que perderam o emprego e buscaram ocupações secundárias, normalmente informais e precárias, para gerar alguma renda.
O termo, cunhado pela economista inglesa Joan Robinson em 1936, foi adaptado para a realidade brasileira pela economista Julia Braga, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). “O conceito diz que após uma crise econômica as pessoas perdem o emprego com vínculo formal. Mesmo quando há retomada da atividade, elas não voltam a ter a mesma posição que tinham antes”, explicou à Folha de São Paulo.
A tese da economista é de que a modalidade distorce a realidade nas estatísticas de desocupação. O estudo dela aponta que houve queda expressiva da população ocupada durante a pandemia – especialmente no setor informal, que teve redução de 15,5%, ou mais do que o dobro da observada no mercado formal (7,2%). Ao reduzir a informalidade, diz ela, a pandemia mudou a dinâmica do mercado de trabalho.
Os trabalhadores sem carteira assinada foram os mais prejudicados pelas medidas de restrição. Ao mesmo tempo, as ocupações formais tiveram incentivos oficiais, como crédito direcionado à manutenção de emprego e medidas como redução de salário e adiamento do pagamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Agora, prevê Braga, o mercado de trabalho deve passar pelo processo de histerese, em que os níveis de desocupação ficam elevados por longo período. A pesquisa dela indica que a taxa de desemprego permanecerá alta pelos próximos cinco anos, mesmo em cenário de recuperação econômica. No quadro mais pessimista, pode chegar a 17%.
No segundo trimestre de 2021, o desemprego medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua ficou em 14,1%. O levantamento foi divulgado no fim de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados do IBGE fundamentaram um estudo da LCA Consultores para o Valor Econômico, segundo o qual a fragilidade do mercado de trabalho brasileiro levou ao recorde de 7,543 milhões de trabalhadores subocupados ao longo do segundo trimestre. Em relação ao mesmo trimestre de 2020, quando havia no país 5,6 milhões de pessoas subocupadas, o indicador subiu 34,4%.
O alto número da mão de obra subocupada foi puxado principalmente pelo trabalho por conta própria e pelos trabalhadores domésticos sem carteira assinada. Eles responderam por 70% do 1,93 milhão de pessoas a mais nessa condição entre abril e junho deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Também são maioria (73%) dos 511 mil trabalhadores a mais nessa condição na passagem entre o primeiro e o segundo trimestre de 2021.
“O público de subocupados por insuficiência de horas é formado principalmente por trabalhadores informais”, disse o economista responsável pelo estudo, Bruno Imaizumi. “Com tantas vagas perdidas no mercado, as pessoas acabam aceitando trabalho com jornadas menores e até qualificação menor, já que precisam recompor renda, pagar as contas, especialmente com o avanço da inflação.”
Aumento do trabalho informal
O IBGE considera como trabalhadores informais empregados no setor privado sem carteira assinada; empregados domésticos sem carteira assinada; empregadores sem registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ); trabalhadores por conta própria sem registro no CNPJ e trabalhadores familiares auxiliares.
Subocupados são os que trabalham menos tempo do que gostariam, com jornadas inferiores a 40 horas semanais. A proporção dos subocupados em relação aos ocupados passou de 6,7% no segundo trimestre de 2020 para 8,4% no mesmo período de 2021.
Ao divulgar os números da Pnad, a analista responsável pela pesquisa, Adriana Beringuy, chamou a atenção para o avanço da informalidade no período: cinco milhões de pessoas ingressaram na modalidade em um ano. “Todas as grandes regiões tiveram uma tendência de crescimento da informalidade no segundo trimestre”, destacou.
Segundo ela, a taxa de informalidade do Norte (56,4%) e do Nordeste (53,9%) ficou acima da média nacional, que foi de 40,6%. No Norte (34,3%) e no Nordeste (32,2%), o percentual de trabalhadores por conta própria foi superior ao das demais regiões.
As duas regiões também tinham percentual menor de empregados do setor privado com carteira assinada em relação à média nacional (75,1%). No Norte, foi de 60,1% e no Nordeste, 58,4%. Ao mesmo tempo, dos dez estados com maior taxa de desocupação no país, nove são do Norte ou do Nordeste.
Professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Piscitelli afirma que a flexibilização dos vínculos empregatícios, fomentada pela “reforma trabalhista” de Michel Temer, em 2017, tende a agravar desigualdades sociais.
“A pandemia trouxe a ascensão do trabalho remoto, que deve mudar de vez as relações de trabalho e acentuar o enfraquecimento do vínculo, que já estava frouxo depois da reforma”, enumerou. “Essas tendências atuais são aproveitadas por quem tem mais formação e acesso a canais digitais. A população mais pobre fica mais vulnerável.”
O professor também acredita que o país deve passar por longo período de desemprego elevado. “Mesmo que retome o ritmo de recuperação econômica, o Brasil terá índices elevados de desemprego. Teremos ainda o impacto das eleições do ano que vem, que reforça a tendência de histerese, porque as incertezas freiam iniciativas e investimentos que gerariam postos de trabalho”, conclui.
Precarização crescente do trabalho preocupa senadores
A crescente precarização do trabalho no Brasil foi o tema de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado. No centro das críticas estava a Medida Provisória (MPV) 1.045/2021. Criada para regular situações emergenciais durante a pandemia, a versão aprovada na Câmara dos Deputados incluiu “jabutis” que aprofundariam ainda mais a precarização.
Presidindo a audiência, o senador Paulo Paim (PT-RS) apontou as estatísticas de desemprego como refutação de um argumento central dos defensores da MP – que a flexibilização geraria empregos. Lembrou que antes da “reforma trabalhista” de Temer, o índice de desemprego era menor. “Se puderem, eles fazem voltar a escravidão.”
Uns dias após a audiência, em 1º de setembro, o Plenário do Senado rejeitou a MP, que foi chamada de “minirreforma trabalhista” de Bolsonaro. Foram 47 votos contrários, 27 votos favoráveis e 1 abstenção. Assim, foi arquivada a segunda tentativa de Bolsonaro de avançar ainda mais na destruição de marcos legais de proteção aos trabalhadores iniciada pelo usurpador Michel Temer.
Sancionada em 13 de julho de 2017 por Temer, a Lei 13.467 foi aprovada a toque de caixa pelo Congresso Nacional, sob a falsa promessa de “modernização” trabalhista. Em março, a Casa já havia aprovado a “terceirização irrestrita”, prenúncio da “reforma trabalhista” aprovada em julho.
“Ela tramitou em tempo recorde. Em seis meses, foram introduzidas mais de 200 modificações na legislação”, lembrou na Rede Brasil Atual a economista Marilane Teixeira, assessora sindical na área de trabalho e gênero e integrante do Fórum Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização. Segundo ela, só na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) houve 130 alterações. Nenhuma ampliou direitos dos empregados frente aos empregadores. Pelo contrário.
“A legislação deveria dar conta de proteger o elo mais frágil da relação capital-trabalho, que é o trabalhador. A reforma trabalhista faz uma inversão dessa lógica. Ela tem objetivo de cortar custos relacionados à contratação, remuneração, intervalos entre jornadas, deslocamento, saúde e segurança”, afirmou Pelatieri.
Em artigo publicado em agosto no Site Brasil 247, o líder da bancada do PT na Câmara, Enio Verri (PT-PR), afirmou que a “reforma trabalhista” de Temer nos levou de volta a um padrão de relações do trabalho comparável à situação vigente antes da introdução das leis trabalhistas, nos anos 1940. “Significou um desmonte do sistema de proteção social ao trabalhador no Brasil”, apontou o deputado.
“O mercado de trabalho convive hoje com taxa recorde de desemprego, subutilização da força de trabalho, o crescimento da informalidade, queda na remuneração, flexibilização das jornadas de trabalho e desalentados”, enumerou. “Tudo isso foi legitimado pela reforma com a implementação das novas modalidades de contratação, e regulamentações que acabaram por dificultar o acesso dos trabalhadores à Justiça, beneficiando exclusivamente as empresas.”
“A desculpa que se inventou para as promessas que não foram cumpridas é a crise econômica, logo depois, veio a crise causada pela pandemia. O que não é uma verdade também, já que a reforma foi ‘vendida’ como a melhor solução para a crise. Como a grande proposta que iria aquecer a economia e melhorar o mercado de trabalho”, ressaltou o deputado. “A conta não fecha para a melhora prometida”, concluiu.
Da Redação da Agência PT