“É só fazer a Reforma Agrária que acaba com o MST”, afirma líder do movimento em SP

Foto: Priscila Ramos - MST

Bate e bola

Invasão: Sinônimo de grilagem de terras no Brasil.

Ocupação: Forma de lutar, de reivindicar reforma agrária e conquistas sociais para povo.

Reforma Agrária: O objetivo do MST para resolver os principais problemas de comida e trabalho do povo brasileiro.

CPI do MST: Fake news, factoide, deveriam usar os recursos públicos para resolver o problema do povo.

Agronegócio: Responsável pela destruição da Amazônia e dos biomas, envenenamento da água, do solo e dos recursos naturais.

Agroecologia: É a alternativa para humanidade de comida saudável e preservação ambiental

Alimentação saudável: É o que a gente quer colocar na mesa de todo povo brasileiro

Lula: O grande amigo do MST e da Reforma Agrária, grande presidente da República

Bolsonaro: Fascista, destruiu o país.

Tarcísio: Governador que está querendo vender a preço muito baixo as terras griladas do Pontal do Paranapanema, fazendo a grilagem da grilagem de terra.

Movimento: É a forma de se organizar para obter conquistas na Reforma Agrária

Partido: Muito importante para transformação da sociedade, aliado da Reforma Agrária e da luta social.

Comunicação: fundamental, principalmente neste tempo histórico, para enfrentar o fascismo e construir outra sociabilidade no Brasil e no mundo.

Quem é Gilmar Mauro?

56 anos, formado em Ciências Sociais, entrei no MST em 1985 em uma ocupação de terra no interior do estado do Paraná. Fui assentar em 86, levei meus pais para morarem comigo em 88, depois disso acabei me envolvendo em várias formas organizativas do MST. Num primeiro momento no Paraná, depois fui deslocado, trabalhei um tempo no Espírito Santo, Minas Gerais, vim pra São Paulo para trabalhar dois anos e acabei me fixando aqui, mas meus pais vivem até hoje no assentamento que foi conquistado lá em 86 no Estado do Paraná. Ou seja, um ano depois do surgimento do MST nós fizemos a ocupação em que eu participei. Neste processo histórico, participei de um monte de ocupações no Brasil, mas especialmente no estado do Paraná.

 

 Origem do MST

O MST surge primeiro das ocupações existentes antes do próprio MST. É importante destacar que muitas ocupações já existiam antes, o movimento sindical do campo progressista fazia enfrentamento ao movimento sindical oficial pelego. Esse movimento contribuiu enormemente, setores da igreja idem contribuiu muito. Ele surge em um momento que havia uma luta política contra o regime militar, contra carestia e etc. Vou dar um exemplo: os metalúrgicos do ABC, Bancários e etc viviam um processo de ascensão da luta social e contribuíram de alguma forma para a criação do MST. No bojo dessa ascensão de luta política contra a ditadura, de afirmação do movimento social combativo, surgimento da CUT e etc, dentro deste conceito surge o MST e o próprio PT.

Somos oriundos deste processo que levamos em consideração, os aspectos históricos no Brasil, então só para dar um pequeno resumo. Eu brinco a Reforma Agrária é uma bandeira burguesa da Revolução Francesa, foi em aliança com o campesinato que a burguesia francesa derrotou o feudalismo porque precisava de aliança política, produzir matéria prima para o mercado. No mundo em vários países foram feitas distribuições de terras neste formato clássico, outros a partir de revoluções populares e etc. No caso brasileiro, no passado sempre existiu, desde a chegada dos portugueses, sempre existiu resistência e luta de indígenas em todo nosso país. Depois resistência e luta Quilombola em todo nosso país, resistência e luta camponesa em todo nosso país. Claro que tem fenômenos mais marcantes como Quilombo dos Palmares, mas têm centenas de quilombos, você tem o acampamento de Canudos, mas que em primeiro coloca o tema da Reforma Agrária no país é tema das ligas camponesas, ligadas ao partidão PCB na década de 50 e elas foram destruídas e derrotadas em 64 com o Golpe Militar.

Ditadura militar

Veja como é a questão, a Ditadura Militar constrói uma das melhores leis sobre a questão da Reforma Agrária: O Estatuto da Terra. Entretanto, qual é o problema? Não basta ter uma lei, a lei era boa, mas eles destruíram todo movimento popular, movimento social, com isso não se fez Reforma Agrária. Então é um aprendizado histórico. Não adianta ter uma boa lei. Se não tem uma boa mobilização popular para garantir que está lei seja aplicada. Disse tudo isso pra dizer que aprendemos com a Revolução Mexicana, com a Reforma Agrária no México, Sandinista

MST e autonomia

Em várias partes do mundo, o MST traz em sua história esse legado histórico de aprendizado, os positivos e negativos, evidentemente, e a partir daí MST constrói uma estrutura política própria. Constrói uma postura de autonomia frente a partidos, movimento sindical, igreja, estado e governo, porque historicamente os movimentos da esquerda europeia clássica viam o movimento popular sindical como correia de transmissão das ideias do partido e nós rompemos com isso, nós achamos que o movimento popular deveria ser autônomo. Que o movimento popular deveria fazer luta política sim e uma organização que não responde as necessidades da sua categoria não tem sentido de ser. As organizações são construídas para responder essas necessidades, seja da lona, da comida, da terra, mas é preciso vincular essas lutas corporativas imediatas com luta poli bandeira. Ou seja, não dá para separar as duas coisas.

Fim do MST e Reforma Agrária

A Reforma Agrária é uma questão política, não depende só do MST, depende de outros setores da classe trabalhadora. Então, a luta econômica concreta e o MST tem que fazer isso. As pessoas perguntam: o MST vai continuar ocupando? Se quiserem acabar com o MST, nós também queremos acabar. Coisa simples é só fazer a Reforma Agrária que acaba com o MST. Ele vai continuar fazendo organização de sem terras, é pra isso que ele foi criado, mas vincula isso com luta política, com produção de alimentos, informação, cultura, educação, com comunicação, com o imediato, com projeto de futuro. Eu sempre digo isso pra pessoas: a agricultura nos ensina uma coisa muito simples, se você quiser colher abacate, precisa plantar abacateiro. Se você quiser outro tipo de sociabilidade em relação ao ser humano, natureza, e nós somos natureza. Tem gente que acha que a natureza está fora, a mata, os bichos; Não, nós somos natureza. Para ser feita e construída outro tipo de relação é preciso ser feito, aqui, agora, ou seja, outro tipo de agricultura, outro tipo de alimentação e assim por diante. O MST é autônomo, mas ao mesmo tempo se articula em alianças com setores progressistas de esquerda. Porque entendemos que a Reforma Agrária e tantas outras mudanças estruturais não são coisa de alguma organização em particular. É preciso construir força social, força política, pra efetivamente produzir essas mudanças.

Organização

O MST também inovou no ponto de vista da organização e foi correto. Nós não temos uma oficialidade enquanto Movimento Sem Terra. O Movimento Sem Terra não é registrado, legalmente não existe do ponto de vista formal, mas ele é um movimento que é conhecido no mundo inteiro. Digo isso porque não temos um presidente, um secretário geral. O principal espaço organizativo do MST são os Congressos nacionais. O último Congresso conseguimos colocar 17 mil pessoas e no próximo ano a gente quer fazer um novo Congresso. Hoje está muito mais caro, mais difícil para deslocar, mas certamente será um Congresso massivo. Depois disso, nós temos estrutura de coordenação nacional. Coordenação nacional são, mais ou menos, entre 10 e 15 dirigentes por estado, são 24 estados, além dos dirigentes pelos setores do MST. Depois nós temos uma direção nacional que é um homem e uma mulher por estado, na paridade de gênero, e mais dirigentes de setores. Então, vai dar aí uns 60 dirigentes nacionais, que se reúnem a cada dois meses, dois meses e meio. Depois tem uma espécie de coordenação dos setores, então são muitos setores, por exemplo: Frente de Massas é um setor que organiza os Sem Terras a lutar pela terra, Produção é uma enormidade… tem desde a produção dos assentamentos, créditos, agroindústria, o comércio, plantio de árvores, agroecologia, produção de arroz, suco e assim por diante em todo Brasil. Setor de comunicação também, informação, setor de formação política ideológica. Escolas de formação em todos estados. Escola Nacional Florestan Fernandes que é uma entre tantas escolas, setor de educação. São mais de 2 mil escolas dentro dos assentamentos etc, parceria com as universidades. São mais de 2 mil militantes que passaram por cursos técnicos. Relações internacionais, relações com muitos países do mundo, especialmente com movimento popular camponês, mas também com outros movimentos, muitas vezes com governo partidos de esquerda e por aí vai… setor de gênero LGBTQIA+ e assim por diante.

Essa estrutura que mencionei se faz também nos estados, cada estado tem encontro estadual, coordenação estadual, setores estaduais e em regiões dentro dos estados, região do Pontal do Paranapanema vai ter encontro, direção regional e setores. Uma estrutura organizativa bastante descentralizada em nível nacional. Se engana quem acha que na Secretaria Nacional se decide as principais questões do MST. Há sim uma participação importante da Secretaria Nacional, mas são espaços organizativos muito diversos, cada acampamento e assentamento vai ter uma coordenação, direção e setores, porque acreditamos que esse processo organizativo de organização entra naquele processo que te falei de luta econômica com luta política.

Formação política e luta econômica

É na luta econômica que se faz formação, um processo de participação. Vou dar um exemplo: Uma pessoa que entra em uma ocupação de terra, talvez nos primeiros dias ela tenha  condições até para entender como é que funciona a sociedade a partir de uma ocupação de terra. Você ocupa uma terra, automaticamente, os fazendeiros entram em ação ou colocando jagunços, pistoleiros etc ou acionam o poder judiciário. Normalmente o poder judiciário barra a integração de posse, feito o pedido de reintegração de posse, entram os governos estaduais e a Polícia que faz a reintegração de posse. Mas numa ocupação se manifestam os aliados e inimigos da Reforma Agrária. Nos meios de comunicação você vai ouvir um monte de gente falando mal.

Pra você fazer uma análise de como funciona a sociedade de uma forma bem preliminar, mas muito interessante, você faz a partir de uma ocupação de terra, isso é um processo formativo. Não resolve o problema da formação política ideológica, mas é parte de um processo de formação e de participação efetiva das pessoas. Eu defendo isso com unhas e dentes. Se as pessoas quiserem se reunir para fazer sabão, a gente tem que fazer reunião. Esse espaço de participação muito especialmente das mulheres, sempre foi relegado a um papel de submissão precisa ser construído, criado para formar tecnicamente para dominar as técnicas mais diversas, para garantir autoestima, autoconfiança e participação política. Ninguém nasce sabendo é processo, é construção e essa estrutura organizativa permite um processo de formação política.

MTST ( Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto)

Nós ajudamos a construir o MTST no início, porque nós fazíamos muito trabalho de base nas periferias da cidade para levar gente para ocupações, gente desempregada, gente que lá no passado teve vínculo com a terra. Em 1990 houve um desemprego muito grande e muitos não tinham o que comer, mas tinha um bocado de gente que não queria ir pra Reforma Agrária, queria moradia. O que nós estávamos fazendo na cidade, estávamos organizando gente para ir pra terra e muita gente da cidade queria moradia. Claro que ajudamos a fazer luta pela moradia e é uma demanda muito importante.

Luta histórica pela terra

Vou abrir um parentes que é muito importante, às vezes a gente vai pro cotidiano, CPI e tal e a gente esquece que aqui (Brasil) é 500 anos de latifúndio, 400 de escravidão, que a primeira lei de terras surgiu em 1850, até 1850 a terra era pública e a mão de obra escrava. Ela surgiu  trinta e poucos anos antes da Abolição formal da Escravatura. Essa lei de terras modifica as condições do país dizendo o seguinte: Quem quiser obter um pedaço de terra poderia fazê-lo mediante compra e venda. Imagina o conjunto de escravos entre aspas “libertos” que queriam comprar. Então, o problema fundiário brasileiro é também o problema urbano, porque o surgimento das favelas e etc é fruto desse processo histórico. A luta dos Sem Tetos em geral, é parte de uma luta estrutural muito importante que é desenvolvida.

Como participar do MST

Evidentemente que as pessoas que querem entrar normalmente são várias as formas a quem queira entrar no MST porque quer realmente produzir na terra, quer ser assentado e virar um produtor agrícola. Tem gente que vem pro MST que não tem essa intenção de ser um assentado. Ele quer contribuir e por alguma razão se identifica, tem um monte de gente hoje usando o boné do MST por aí porque se identifica com a causa, o tema da educação por exemplo. Muitos professores e professoras universitárias se identificam com o tema da formação e contribuem nas nossas escolas, ou se identificam com o tema da agroecologia agro floresta e vem. Outros são formados em outras áreas, arquitetura. Tem um monte de arquitetos e arquitetas que vêm contribuir, evidentemente, na medida do possível a gente aproveita, claro e nos dá muita alegria de ter quadros de outros setores no MST.

Ocupação e invasão

Três coisas são importantes. Uma questão histórica muitíssimo importante é: Qual função social da terra para um país, uma nação e para o mundo? É produzir comodities? É produzir lucro para alguns? Ou é o nosso espaço de vivência que deveria estar a serviço de todo mundo? Seja para produzir comida, ter espaço para moradia e assim por diante. Essa é uma questão que a humanidade vai ter que responder e nós, particularmente, aqui no Brasil. É uma questão de fundo. A segunda questão tem a ver com o nosso histórico, com a distribuição de terras em Capitanias Hereditárias, depois as Sesmarias, depois os grandes latifúndios, grande parte das terras no Brasil são griladas em nível nacional. Pega toda região do Mato Grosso, região Amazônica. A terceira é questão da grilagem.

Tarcísio e tentativa de entrega do Pontal do Paranapanema

Se pegar no estado de São Paulo, por exemplo, a região do Pontal de Paranapanema, hoje tem 500 mil hectares de terras que estão nas mãos de grileiros, e o Tarcísio está querendo vender a preço de banana porque foi aprovado uma lei a toque de caixa. Eu vou fazer um parênteses para entrar na questão do Pontal. É uma questão importante para as pessoas compreenderem. 2017 a gente até ajudou a fazer a Lei de Terras. A Assembleia Legislativa mudou essa legislação agora permitindo que as terras, que já foram julgadas em terceira instância, griladas públicas, devolutas no entanto, que são griladas que tem um vício no documento, por que grilagem?

Como surgiu o termo grilagem?

Alguns fazendeiros no passado utilizavam isso, um documento forjado, mentiroso, numa gaveta com alguns grilos dentro, e as enzimas do grilo naquele papel deixava o papel amarelado, dando a impressão de ser um documento antigo, mas é um documento antigo de  mentira. Documentos grilados, feitos, hoje em torno de 500 mil hectares, mas é muito mais no estado de São Paulo, alguns destes já julgados em primeira instâncias, outros em terceira. E o que a Assembleia fez? Aprovou uma lei a toque de caixa permitindo o governo do estado vender. E o que o Tarcísio esta fazendo? Está vendendo aquelas terras públicas devolutas com 90% de desconto. Mas o que a Constituição Federal e Estadual diz? Que toda terra pública devoluta ou da União, prioritariamente, precisa ser arrecadada para fins de Reforma Agrária, e nós contestamos. O PT contestou com uma ADdin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), a Ação está na mão da Carmen Lúcia (Ministra do STF), tendo em vista que, tanto a AGU quanto a Procuradoria deram parecer favoráveis a nossa ação, só falta a decisão da Carmem Lúcia.

A grilagem de terra histórica é grande em nosso país.  Está história da invasão, a Carol Proner tem um texto bem interessante sobre a diferença de invasão e ocupação, que vai dizer o seguinte: A invasão do ponto de vista jurídico é quando você individualmente resolve entrar ou espoliar a posse, propriedade de alguém em benefício próprio, e ocupação ela tem a ver com o sentido coletivo. Ocupar um espaço no nosso caso, as ocupações se dão em terras públicas, ou terras que tenham cometido crime contra o meio ambiente, trabalho escravo e etc para exigir que o estado e o governo arrecadem aquelas áreas para Reforma Agrária. Parênteses: Se o estado e o governo cumprissem a Constituição, toda terra que não cumpre sua função social deveria ser arrecadada para Reforma Agrária. Esclarece que para cumprir a função social é preciso produzir racionalmente, respeitar legislação trabalhista, respeitar legislação ambiental. Se o governo fizesse isso, não precisaria ter MST, nem ocupação de terra.

Ocupação é uma ação política de pressão de um movimento de pessoas organizadas para reivindicar, que se cumpra a Constituição, por exemplo, por isso que o MST faz isso. Só faz porque não foi feita a Reforma Agrária. Existe um monte de Sem Terra e existe, um monte de família concentrada, por exemplo, a Vale do Rio Doce derrubou duas barragens, um crime! Pergunto: Quantos palmos de terra a Vale do Rio Doce perdeu com tudo isso? Zero. Contaminando lenções freáticos e etc. Trabalho escravo, olha as vinícolas do Rio Grande do Sul, fazendas de café e de soja. Qual fazenda que foi expropriada? Deveria se expropriada e não desapropriada, porque a desapropriação é o estado que paga, fazendeiro não perde. O governo, no caso a sociedade paga, no caso destes crimes deveria se expropriado, mas isso não se fez, não se faz.

A entrevista foi interrompida, pois o Gilmar Mauro tinha outra entrevista no mesmo dia para o programa EntreVistas do Juca kfuri, na TVT. Por sinal, vale a pena acompanhar essa entrevista também porque retrata temas que gostaríamos de ter aprofundado como alimentação saudável e CPI do MST.

Confira!

 

Texto: Diane Costa – Redação PT São Paulo

Fotos: Priscila Ramos –  Comunicação MST

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