No primeiro ano de mandato, a presidente Dilma mostrou pulso firme, manteve o país na rota do crescimento da era Lula e foi destaque na cena internacional.
Por Isto É
Suceder ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mais carismático e popular da história do Brasil, era, sem dúvida, um grande desafio. Mas a primeira mulher a governar o País não costuma recuar diante de obstáculos. Ao contrário, o que mais emociona a presidenta Dilma Rousseff são exemplos de superação diante das dificuldades da vida. E, neste primeiro ano de mandato, ela deu prova de sua determinação. Comandou um agudo corte orçamentário, mas sem descuidar do crescimento e da geração de empregos. Sob a batuta de Dilma, o Brasil foi uma das poucas economias a crescer em meio a uma gravíssima crise internacional. Em poucos meses, Dilma mostrou seu estilo firme de administrar e bateu o recorde de aprovação da opinião pública em início de governo, deixando para trás o próprio Lula. Em suas viagens ao Exterior, ela também conquistou projeção imediata. “O Brasil hoje se encontra numa situação única. Somos respeitados, sobretudo, porque o mundo percebe a força de ter 190 milhões de habitantes, num regime democrático, capitalista, cumpridor dos contratos e com um imenso viés social”, festejou a presidenta Dilma Rousseff ao receber ISTOÉ em seu gabinete no Palácio do Planalto.
O Brasil, de fato, é a bola da vez na cena internacional. Mas Dilma Rousseff impôs sua presença com uma rapidez impressionante. Primeira mulher a abrir a Assembleia-Geral da ONU, a presidenta da República hoje é considerada a terceira estadista mais poderosa do mundo, em ranking da revista “Forbes”. Tem à frente apenas a chanceler alemã, Angela Merkel, e a secretária de Estado americana, Hillary Clinton. A tradicional revista “The New Yorker” chamou-a de “A Ungida” e afirmou que Dilma “está conduzindo o País num boom econômico”, dando lições de boa governança até mesmo ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Num misto de modéstia e gratidão, a presidenta diz que deve ao ex-presidente Lula a acolhida generosa por seus pares nos fóruns multilaterais. Ela cita como exemplo o que aconteceu durante a reunião do G-20, nos dias 3 e 4 de novembro em Cannes, na França, quando os presidentes das 20 maiores economias discutiram a crise global. Dilma contou à ISTOÉ que, assim que tomaram conhecimento de que Lula havia sido internado para se tratar de um câncer na laringe, todos os estadistas fizeram questão de manifestar solidariedade.
Mas um gesto chamou em especial a atenção da presidenta. Conhecido por sua feição sempre compenetrada – há quem diga que ele poderia ver uma bomba atômica explodir sem piscar os olhos –, o presidente da China, Hu Jintao, aproximou-se de Dilma e disse ao pé do ouvido: “Quero lhe pedir para manifestar ao presidente Lula meus votos de recuperação. Não me dirijo ao líder latino-americano nem ao ex-presidente do Brasil, e, sim, ao meu amigo Lula.” Ao destacar o episódio, a presidenta conta às gargalhadas como se deu a aproximação de Lula e Hu Jintao. Então ministra da Casa Civil, ela foi à Coreia na comitiva presidencial. “Num corredor, Lula avistou o presidente chinês e gritou: Hu Jintao! Pegou na bochecha dele e disse que estava com saudades. Falava em português, como se o Hu Jintao estivesse entendendo tudo. Daquele jeito que só Lula tem, abraçou-o e saiu andando com ele”, lembra. A conclusão de Dilma é de que herdou as relações afetivas que só o ex-presidente é capaz de construir. É natural, portanto, que ela tenha sofrido um choque com a doença de seu dileto amigo. “Nos falamos quase diariamente. Ele está bem”, torce a presidenta.
A boa notícia do ano, na visão da presidenta da República, foi o desempenho da economia. Dilma soube antever que os problemas externos, mais cedo ou mais tarde, iriam bater à porta e decidiu conduzir a política econômica com todo rigor. Em dezembro as previsões indicam que a Europa e os Estados Unidos estão à beira da recessão. Mas para o Brasil as expectativas são otimistas. A economia deve crescer 3,4% neste ano e 3,2% em 2012. A taxa de desemprego caiu para 5,8%, o menor índice para o mês de outubro desde 2002, e o número de trabalhadores com carteira assinada subiu 7,4%. “Foi um ano muito bem-sucedido”, comemora a presidenta.
No governo Dilma, voltou a reinar a paz entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Alexandre Tombini, no BC, e Guido Mantega, na Fazenda, conduzem a economia em total sintonia. Para evitar conflitos, ninguém mais no governo fala sobre economia. Só Mantega e Tombini estão autorizados a dar declarações e fazer análises de conjuntura. Nesse clima amistoso, o Planalto pôs em prática o antigo desejo de reduzir os juros para ampliar a taxa de investimento interno e baratear o crédito. O primeiro corte de juros veio em 1o de setembro e, como era de esperar, provocou uma reação histérica do mercado financeiro. Alguns analistas atribuíram a decisão do Copom à intervenção do Planalto na política monetária e previram o pior para o País. A presidenta Dilma, entretanto, reafirmou a autonomia do BC e, hoje, faz um brinde ao acerto da decisão. “O Banco Central provou que consegue manter a estabilidade da economia. Persegue com sucesso todas as condições de solidez macroeconômica para podermos crescer”, diz ela.
Convicta de que o País vai continuar a nadar contra a maré internacional, a presidenta concentra seu foco na área social. Ela destaca o lançamento de projetos estratégicos para a correção de desigualdades históricas. O Bolsa Família, com peso cada vez maior nas crianças, é um dos pilares do programa Brasil sem Miséria. Atualmente, dos 16,2 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 40% são menores de 14 anos. “Minha obsessão é garantir a essas crianças e a esses adolescentes o acesso a uma boa alimentação e às políticas de educação e saúde”, afirma a presidenta. O Água para Todos, lançado em julho, faz parte dessa preocupação. Na Saúde, a presidenta dá ênfase à distribuição gratuita de remédios para diabetes e hipertensão. Desde fevereiro, mais de 6,5 milhões de medicamentos foram distribuídos. “Isso mostra como tinha gente que precisava de remédio sem conseguir”, constata. A presidenta diz que essas são as duas doenças que mais matam no Brasil. E faz referência especial aos programas SOS Emergência, Saúde em Casa e Melhor em Casa, que têm como meta enfrentar a superlotação nos prontos-socorros e a falta de leitos nos hospitais.
Dilma Rousseff também considera importantíssimo o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Para ela, “trata-se da maior reforma da educação profissional já feita no Brasil”. Até 2014, o governo federal vai criar oito milhões de vagas na capacitação de jovens e adultos. Em outra frente, o Ciência sem Fronteiras pretende distribuir 100 mil bolsas de estudo no Exterior a universitários brasileiros. “Queremos colocar gente no Exterior fazendo bolsa sanduíche na graduação e no doutorado. O desafio para mudar o País está na ciência e tecnologia e passa pela educação”, avalia. O Brasil, a seu ver, tem que entrar em outro patamar: “A indústria automobilística não pode só importar carros prontos. Não somos tupiniquins. Isso vale também para as sondas da Petrobras.”
Em contraste com os avanços na área social e o êxito econômico, a cena política foi marcada por sobressaltos. Desde a demissão do ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, em 7 de junho, o País assistiu à queda de praticamente um ministro por mês. Assessores da presidenta, porém, argumentam que a política e as relações com o Congresso são tradicionalmente um terreno movediço. “Essa área nunca é fácil”, afirma uma fonte do Planalto. E garante que a presidenta Dilma tratou as demissões de seus ministros como “ossos do ofício”, preocupada, acima de tudo, em não paralisar seu governo. Embora discuta a reforma ministerial da forma mais reservada possível, com consultas indiretas aos interlocutores, Dilma fará uma troca de cadeiras no início do ano.
Para além das preocupações e da pesada rotina do cargo, recomenda-se a quem quiser ter uma conversa mais descontraída com a presidenta Dilma que se informe sobre o mundo das artes plásticas. A presidenta é apaixonada por pintura, especialmente pelo acervo do museu Jacquemart-André, no boulevard Haussmann, em Paris. Ali estão, por exemplo, quadros da pintora clássica francesa Elisabeth Vigée-Le Brun, uma das preferidas de Dilma. A presidenta gosta muito de um retrato que Le Brun pintou de Maria Antonieta, a rainha que foi decapitada na Revolução Francesa. A presidenta também elogia a coleção de autorretratos da Galeria Uffizi, em Florença. Ao passar por Paris, na volta da reunião do G-20, em Cannes, Dilma “morreu de vontade” de visitar o Centro Georges Pompidou para ver a exposição do norueguês Edvard Munch, pioneiro do movimento expressionista. Mas a logística de segurança não permitiu, pois a presidenta é sempre acompanhada por um batalhão de fotógrafos. Após as eleições em 2010, ela foi a Paris e revisitou o museu Jacquemart-André. “Todos entraram atrás de mim. A gerente me perguntou se eu estava acompanhada. Disse que não. Mesmo assim, ela pediu que eu me retirasse. Saí com muita vergonha”, confessa.
A paixão pela arte não impediu que a presidenta tornasse pública a rejeição ao ambiente frio do Palácio da Alvorada, obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Ela explica que não tem nada contra o Palácio, mas ressalta que não foi feito para morar. Considera a biblioteca maravilhosa, porém sente falta de uma cozinha pequena, pelo menos para esquentar água. A cozinha do palácio fica na extremidade oposta ao quarto da presidenta. Apesar dos senões, a presidenta afirma que “o Alvorada é de dar orgulho aos brasileiros e é adequado a um país como o Brasil”. É um monumento que não deixa a desejar, segundo ela. “Você vê o espanto na cara das pessoas”, diz, e lembra que o presidente Obama ficou embasbacado ao visitá-lo. As filhas de Obama diziam: “Pai, é o palácio mais bonito que conhecemos.”
No plano administrativo, Dilma Rousseff se emocionou com a criação da Comissão da Verdade, que vai apurar os crimes da ditadura militar, e a sanção da lei de Acesso às Informações Públicas, que prevê o sigilo máximo de 50 anos para documentos oficiais. A presidenta também foi às lágrimas em outros eventos: no lançamento do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e ao receber em audiência atletas dos Jogos Parapan-Americanos. Ela admite que exemplos de superação mexem com seu coração. “Fiquei impressionada com aquele menino (o nadador Daniel Dias) com 11 medalhas. Ele me disse que transformou o defeito em vantagem”, conta. Dilma diz que “viver é perigoso”, citando Guimarães Rosa, mas acrescenta que vencer obstáculos é mais difícil ainda para quem tem restrição física.
Na verdade, superação de dificuldades é um traço marcante da vida de Dilma Rousseff, que completa 64 anos no dia 14 de dezembro. Filha de um imigrante búlgaro, ela participou da luta armada, foi presa, torturada e sobreviveu aos carrascos por milagre. Conseguiu reconstruir sua vida e, hoje, é presidenta da República. O que espera para o futuro? Dilma bate três vezes no tampo da mesa, três vezes na parte de baixo e responde: “Lula me deixou um legado e eu vou passá-lo para a frente. Estamos construindo tudo para esse País crescer de forma segura e sustentável.”