O Brasil está à deriva, em meio a um oceano de fome e doenças, adverte a ex-presidenta Dilma Rousseff. Em entrevista ao britânico Guardian, conduzida pelo jornalista Tom Phillips e publicada neste sábado (10), Dilma avalia que a resposta perversa e genocida de Jair Bolsonaro à crise sanitária da Covid-19 levou o país à catástrofe. A petista não tem dúvidas de que o Brasil enfrenta a mais grave crise de sua história.
“Estamos vivendo uma situação extremamente dramática no Brasil porque não temos governo, nem administração da crise”, afirmou Dilma. “Estamos vendo 4.200 mortes por dia agora e tudo sugere que, se nada mudar, chegaremos a 5 mil… E, no entanto, há uma normalização absolutamente repulsiva dessa realidade em andamento. Como você pode normalizar as 4.211 mortes registradas [na terça]?”
O jornal lembra que as declarações da ex—presidenta ocorrem no momento em que o país ultrapassa 345 mil vidas perdidas só perdendo para os EUA. “Não estou dizendo que o Brasil não teria sofrido mortes [com uma resposta diferente] – todos os países sofreram”, explicou ela. “Estou dizendo que parte do nível de mortes aqui se deve fundamentalmente a decisões políticas incorretas, que ainda estão sendo tomadas”, observou.
Dilma também demonstrou preocupação com o surgimento de novas variantes do vírus, decorrentes do avanço desenfreado do surto no país, uma séria ameaça à América Latina e ao mundo. “A ausência de um combate efetivo à pandemia [no Brasil] leva a algo gravíssimo: o surgimento das chamadas novas variantes, que são altamente infecciosas e aumentaram o número de mortes nos países vizinhos”, confirmou Dilma Rousseff. Ela lembrou que os países vizinhos fecharam fronteiras por medo da variante P1.
Genocídio
Na entrevista, Dilma ainda apresenta argumentos sobre os motivos pelos quais o uso da palavra ‘genocida’ é correto quando a população se refere ao ocupante do Planalto.
“Eu uso essa palavra. O que caracteriza o ato de genocídio é quando você desempenha um papel deliberado na morte de uma população em grande escala ”, justificou. “Não é a palavra [genocídio] que me interessa – é o conceito. E o conceito é este: responsabilidade por mortes que poderiam ter sido evitadas”.
Phillips assinala que o desastre brasileiro deverá se aprofundar, com o país fechando o mês de abril com mais de 100 mil mortes pela doença. Ele relata também que o conselheiro da Organização Mundial da Saúde (OMS), Bruce Aylward, chamou o surto de “um inferno furioso”.
O jornalista também colheu depoimentos do neurocientista Miguel Nicolelis, descrito como “um proeminente cientista cujas projeções sombrias foram sempre confirmadas”.
“É desesperador. Para ser honesto, não consigo dormir direito. Vou para a cama com esses números e simulações na cabeça e simplesmente não consigo pensar direito”, declarou Miguel Nicolelis. “Os EUA tiveram um dia com mais de 5 mil mortes e vamos ultrapassar os EUA – no número de mortes diárias e provavelmente no número total de fatalidades também”, prevê.
Impeachment, o pecado original
Na entrevista, Dilma aponta ainda outros responsáveis pela crise atual, como a elite econômica, a mídia, militares e extremistas de direita. E traça uma linha do tempo até a origem da tragédia brasileira: o golpe de estado de 2016, uma farsa jurídica montada para tirá-la da Presidência. “As pessoas terão que ser responsabilizadas pela catástrofe que foi engendrada no Brasil”, apontou Dilma Rousseff. “O Bolsonaro é um produto deste… pecado original: o impeachment”.
Phillips rememora os acontecimentos de 16 de abril de 2016, quando Bolsonaro, um obscuro parlamentar do baixo clero, votou pela aprovação do impeachment louvando o torturador da própria Dilma, durante a ditadura. Um ano em que a possibilidade de uma aberração política como Bolsonaro virar presidente era impensável.
“A realidade é pior do que qualquer coisa que eu poderia ter imaginado. É como se estivéssemos à deriva. Estamos à deriva em um oceano de fome e doenças”, lamentou a ex-presidenta.
Da Redação da Agência PT, com Guardian