“A falha está na gestão. O problema não é de ordem técnica, mas político-administrativa”. Jackson Roehrig, professor de gestão de recursos hídricos da Universidade de Ciências Aplicadas de Colônia, na Alemanha, resume a crise hídrica no Sudeste do país a falhas de gestão.
O especialista, que já atuou como pesquisador na Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo (Cetesb), afirma que a influência política na administração dos recursos hídricos abre brechas para o não cumprimento de planos estabelecidos para o setor, como a construção de novos reservatórios.
Em entrevista à DW Brasil, Roehrig explica como funciona o modelo alemão de gestão de recursos hídricos, que se baseia em associações de bacias compostas por diversos setores, como a indústria, o ramo agrícola e ONGs.
No estado da Renânia do Norte-Vestfália, que abriga o maior sistema integrado de abastecimento de água da Alemanha, essas bacias são uma espécie de “parlamentos da água”. Os governos estaduais ficam de fora do processo administrativo, mas atuam como fiscalizadores do sistema.
“O problema do Brasil é que o Estado é fiscalizador dele mesmo”, observa.
A experiência da Alemanha na gestão dos recursos hídricos pode servir de alguma forma para o Brasil, nesse momento de escassez de água na região Sudeste?
As soluções que foram implementadas na Alemanha e em toda a Europa são conhecidas no Brasil. Não falta aplicar o conhecimento técnico. A solução mais eficiente é de ordem político-administrativa.
Quais conhecimentos não são bem aplicados no Brasil por falhas administrativas?
O sistema de abastecimento da Grande São Paulo é muito complexo e avançado. O problema é que ele não satisfaz a demanda, principalmente, por falta de chuvas nos últimos anos. Várias medidas precisam ser tomadas: aumentar a capacidade de oferta e proteger mananciais dos rios da poluição, da erosão e das ocupações irregulares. O problema maior são os investimentos e o cronograma de implementação, que não são cumpridos.
Como funciona a gestão dos recursos hídricos na Alemanha?
A legislação do setor é muito forte e ela tem sido cumprida. No estado da Renânia do Norte-Vestfália, as grandes companhias de abastecimento têm sistemas de reservatórios semelhantes aos de São Paulo, que atendem uma população grande [17,5 milhões de pessoas, segundo o departamento alemão de estatísticas], mas funcionam sem intervenção política. O governo estadual atua como fiscalizador do cumprimento das leis relativas ao abastecimento hídrico. No Brasil, o Executivo influencia as operações e os investimentos das empresas.
O setor também é operado por concessionárias?
Não. Aqui, foram criadas associações de bacia, como a “Ruhrverband”, umas das mais antigas e tradicionais do mundo, com cem anos de existência. Essa agência de bacia, que cuida do abastecimento e do saneamento básico na região do vale do rio Ruhr [onde fica o maior complexo industrial da Europa], está sob uma lei especial, que a torna como um “parlamento da água”, um governo autônomo de gestão hídrica. O consórcio é formado por centenas de membros do setor industrial, agrícola, de abastecimento público (prefeituras) e ONGs de proteção ambiental. Eles decidem como será o plano de investimento, o financiamento e as taxas a serem pagas pelos associados.
Essa não interferência do Estado é positiva?
É positiva, porque o Estado atua como um regulador, um fiscalizador das leis. O problema do modelo brasileiro é que a gestão é compartilhada. O Estado é fiscalizador dele mesmo. E isso abre espaço para uma intervenção política muito grande. Na Alemanha, a gestão das bacias varia de estado para estado, mas essas associações estão bem propagadas.
O governo de São Paulo tem tomado medidas de curto prazo, como a diminuição da pressão da água no período da noite, bônus para quem economiza no uso, e ainda estuda a possibilidade de aumentar a tarifa. O que deve ser feito?
Com a proximidade do período de seca, a medida mais efetiva é diminuir o consumo, aumentando o preço da água e dando bônus para quem economizar. São medidas paliativas necessárias no curto prazo. Reduzir a pressão da água é eficiente, mas há o risco de contaminação. Uma ação primordial é diminuir as perdas nas tubulações [em São Paulo, a perda é de 30%]. Na Alemanha, as perdas estão por volta de 10%.
E no longo prazo?
O aumento no número de reservatórios, bem como o volume deles, e a interligação de bacias são necessários. O problema é que São Paulo está atrasado. Eles sabem o que funciona, o que deve ser feito, já está tudo planejado e aprovado, mas eles atrasam as obras mais importantes.
Fonte: Carta Capital