O Comitê de Crise criado pelo governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), para propor e discutir ações sobre a falta de água em São Paulo completou hoje (4) seis meses, sem atingir nenhum objetivo. As principais metas do Comitê de Crise eram a elaboração de um plano de contingência e de um plano de comunicação para manter a população informada da situação e das medidas a serem tomadas. Nenhum dos dois foi concluído. Uma minuta do plano – que incluía um rodízio severo e ações do Exército brasileiro para contenção de distúrbios sociais – foi revelada pela imprensa, mas descartada pelo governo.
O grupo completo reuniu-se uma única vez, em 13 de fevereiro. Desde então, só tem havido reuniões do grupo executivo do comitê, composto por sete membros, representando a Sabesp – que não havia sido incluída no comitê –, a Defesa Civil estadual, a Secretaria da Segurança Pública, a prefeitura de São Paulo, as universidades paulistas, a sociedade civil e o secretário de Saneamento e Recursos Hídricos, Benedito Braga, que coordena o grupo. Menos da metade dos membros que compõem o pleno.
Segundo a ambientalista Malu Ribeiro, da organização não-governamental SOS Mata Atlântica, que participa do Comitê de Crise como representante da sociedade civil, tem havido muitas discussões no grupo executivo, mas não houve consolidação do plano de contingência. “Não sabemos no que deu. Fizemos os encaminhamentos, cada setor fez a sua observação do plano, o que faltava, se as coisas estavam de acordo. Pedimos para definir um porta-voz, pelo menos. E ainda não tivemos um retorno disso. Estamos aguardando uma convocação para deliberar todos os encaminhamentos do grupo executivo”, afirmou.
A reportagem questionou a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos sobre o número de reuniões realizadas e quais as decisões tomadas pelo Comitê de Crise, mas não obteve resposta. A pasta também não apresentou prazo para a publicação do plano de contingência, cobrado por ONGs, movimentos sociais e pelo Ministério Público.
O comitê foi criado após pressão dos prefeitos da região metropolitana de São Paulo. No entanto, o Decreto 61.111 excluiu os mandatários. Somente os prefeitos de São Paulo e Campinas foram relacionados, mediante convite. Além desses, os representantes de seis secretarias estaduais; dos quatro consórcios intermunicipais de desenvolvimento; das federações do comércio, da indústria e da agricultura; do Instituto Akatu; do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), do Instituto de Engenharia de São Paulo; da Fundação SOS Mata Atlântica, e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Em fevereiro, logo após a única reunião do Comitê de Crise, Alckmin disse: “A Sabesp vem trabalhando nisso (o plano de contingência) há meses e com trabalhos bastante adiantados”. Naquele momento, a expectativa era de que o plano fosse apresentado em 30 dias.
No mês de maio, o site El País publicou reportagem sobre uma minuta do plano, que previa a possibilidade de um rodízio drástico, de cinco dias sem água por dois com água, nas zonas abastecidas pelo Sistema Cantareira, além da intervenção do Exército brasileiro no controle da ordem pública em situações extremas de falta de água. À época, a Secretaria de Recursos Hídricos informou que o documento era somente “rascunhos de um grupo de trabalho que nem sequer concluiu suas análises”.
“Vai ter plano de contingência, no fim do mês, está pronto.” Essa foi a afirmação de Alckmin a jornalistas, no dia 8 de junho, durante visita a Estação de Tratamento de Água (ETA) Boa Vista, na zona sul da capital paulista. Em 3 de julho, o governador afirmou novamente que o plano estava pronto. Mas não o apresentou. “Vai ser entregue. É outro papelório inútil. Pra quê? Só pra gastar dinheiro público porque não vai ser aplicada contingência nenhuma.”
Naquele dia, a secretaria informou que o plano seria apresentado em uma reunião do Comitê de Crise a ser agendada. Essa dependia apenas da disponibilidade de agenda dos membros do grupo. Ontem (3), a intenção de marcar a reunião completou um mês.
Malu ressaltou que a criação do comitê foi positiva. Porém, os muitos interesses e a falta de acordo entre as diferentes organizações e instituições têm impedido o grupo de apresentar resultados efetivos. “A gente continua tendo instituições trabalhando sozinhas. Não estamos integrados em um plano, em um pacto para vencer a crise e ter sustentabilidade. Falta uma liderança para conduzir os atores e caminhar todos juntos. Eu tinha uma expectativa de que o comitê conseguisse dar o encaminhamento. Isso é frustrante para nós, convidadas a participar e não podemos contribuir”, lamentou.
Para a ambientalista, o mais importante no momento é continuar informando a população sobre a situação real dos reservatórios, o risco de não chover a partir de outubro e fazer campanhas para que continuem economizando água. “Eu acho que as pessoas ficaram numa zona de conforto. Choveu um pouco, houve certa estabilidade no nível dos reservatórios. Para esse momento, o emergencial é a campanha de esclarecimento para a população e, também, ampliar a economia. Porque não temos plano B, não tem de onde trazer água rapidamente e tem onde combater o desperdício. É a única saída”, afirmou.
Malu avaliou que tem se dado muito destaque para as obras – como as transposições do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira e da represa Billings para o Sistema Alto Tietê –, mas essas são paliativas, com alto custo e com impacto ambiental relevante. “O fato é que as obras dão um fôlego, mas não são a solução completa. É um conjunto de ações que deveria estar ocorrendo e que a demoramos muito entre a tomada de decisão e a execução.”
Entre as ações, além dos planos de contingência e de comunicação, ela destacou o Programa Nascentes, que é o programa estadual de restauração florestal. Malu defendeu que este seria o caminho ideal para recuperação do Cantareira e do Alto Tietê. E que em três anos já seria possível sentir os efeitos da medida. “Essa é a ação mais importante para que tenhamos um reabastecimento de nascentes”, concluiu.
Fonte: Rede Brasil Atual