O vereador Eduardo Suplicy é o autor do projeto que deu origem à Lei n° 17.252/2019, que consolida a Política Municipal para a População em Situação de Rua no município de São Paulo. O texto havia sido aprovado no plenário da Câmara de maneira definitiva no início de dezembro e foi sancionado, com alguns vetos, e publicado no Diário Oficial do dia 27 do mesmo mês. São coautores do projeto os vereadores Juliana Cardoso (PT), Caio Miranda Carneiro (PSB), Patrícia Bezerra (PSDB), Soninha Francine (CIDADANIA) e Xexéu Tripoli (PV). Clique aqui e veja o texto na íntegra.
A nova Lei “(…) consolida a Política Municipal para a População em Situação de Rua, reconhecendo, formalizando e avançando no que já está na Lei 12.316[/1997, de autoria da ex-vereadora petista Aldaíza Sposati] e também incorporando os fundamentos presentes nas políticas nacional e estadual”, conforme consta na justificativa da matéria. O autor menciona a lei de Sposati como “o grande marco inicial da luta da população em situação de rua no reconhecimento de seus direitos”, por garantir os direitos da população de rua e a obrigatoriedade do poder público municipal a prestar atendimento – e que só foi regulamentada quatro anos depois, já no primeiro ano do governo do PT no município.
“A Lei 12.316 de 1997 é emblemática porque é a primeira a criar um marco regulatório para a população em situação de rua, definindo princípios, objetivos, serviços e programas, incluindo equipamentos de acolhimento, convivência, moradia, oportunidades de oficinas, trabalho e inserção produtiva, além de garantir uma institucionalidade essencial para a estruturação destas políticas pela Prefeitura. E foi a luta de muitas destas pessoas em situação de rua, de organizações e instituições que trabalham com o tema, que tornaram essa lei símbolo da luta no país inteiro”, prossegue a justificativa.
Também são mencionados, além da própria Constituição Federal: o Decreto nº 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, cria o Comitê Intersetorial e define diretrizes para as políticas estaduais e municipais sobre o tema; a Lei Estadual nº 16.544/2017, de autoria do Deputado Estadual Carlos Bezerra Jr., que institui diretrizes para uma política estadual destinada a população em situação de rua, alinhando as normativas previstas na política nacional e avançando em canais de denúncia, na criação de um Centro de Defesa dos Direitos Humanos e de um Comitê Intersetorial Estadual; o Decreto Municipal nº 53.795/2013, um dos primeiros atos do então prefeito Fernando Haddad (PT), que instituiu o Comitê Pop Rua, criando um espaço qualificado de participação social, que promove discussões sobre problemas que afetam a população de rua; e o Plano Municipal de Políticas para a População em Situação de Rua, instituído pela Portaria Intersecretarial (Secretarias municipais de Direitos Humanos e Cidadania, Assistência e Desenvolvimento Social. Saúde, Habitação e Trabalho), publicada em 26 de dezembro de 2016.
Assim, o texto aprovado, além de consolidar regras municipais e assegurar em lei políticas vigentes por meio de instrumentos normativos mais frágeis (como portarias e decretos) ou cuja aplicabilidade carece de regulamentação específica, avança na garantia de direitos omissos ou mesmo decorrentes de novas abordagens e demandas desta população – em acordo com os princípios, diretrizes e objetivos previstos nos marcos legais já mencionados.
Veja a seguir os principais pontos da Lei n° 17.252/2019.
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
O Comitê Intersetorial para a População em Situação de Rua, conhecido como Comitê PopRua, instituído no início da gestão Haddad, ganha agora força de lei. Trata-se de um órgão colegiado, cuja composição é paritária entre o Poder Público e a sociedade civil, com a finalidade de construir a política municipal voltada para este segmento no município.
A representação da sociedade civil é composta por pessoas em situação e/ou com trajetória de rua, movimentos sociais e organizações que tenham como finalidade o trabalho com a população de rua, eleitos pelo voto direto e para exercer mandato por dois anos, com possibilidade de uma reeleição. Já a representação do Poder Público se dá por meio das secretarias que desenvolvem ações que afetem direta ou indiretamente a população em situação de rua.
A lei aprovada especifica que todos os serviços voltados ao atendimento da população em situação de rua tenham espaços institucionais de participação, “garantido o direito a voz e, eventualmente, a voto deste recorte populacional sobre as questões relativas ao serviço”.
POLÍTICAS SETORIAIS E INTERSETORIAIS
O texto reafirma a obrigação do Poder Público em promover políticas setoriais e intersetoriais, de forma transversal e articuladas entre si e com os demais entes da federação, atores e profissionais – inclusive o Comitê Pop Rua –, para a oferta de serviços diversos, complementares e direcionados para as especificidades e necessidades da população em situação de rua, que deve ser considerada, sempre que possível, público prioritário no acesso às políticas públicas municipais.
Neste sentido, uma novidade da legislação está em determinar a apresentação de um Plano de Ações “com o detalhamento de programas, projetos, estratégias, metas, objetivos, responsabilidades e orçamento para a implementação da Política Municipal para a População em Situação de Rua, ouvido o Comitê Intersetorial da Política para a População em Situação de Rua, até 90 (noventa) dias após a apresentação do Programa de Metas previsto no art. 69-A da Lei Orgânica Municipal”.
A lei do vereador Suplicy trata como políticas setoriais diversas e transversais a promoção da segurança alimentar, da inclusão digital e o acesso a programações culturais, de esporte e de lazer diversificadas e a garantia do efetivo direito à cidade, incluindo políticas de mobilidade urbana e a instalação de banheiros e pontos de água potável – o que deverá contar neste Plano de Ações. Outro elemento importante é a temporalidade quadrienal para produção do censo da população em situação de rua que fica especificado na lei, apontando que estes dados subsidiem a elaboração do documento.
Outro aspecto relevante está na obrigatoriedade da publicação anual, até o mês de abril, do Plano de Contingência para Situações de Baixas Temperaturas passa a ter a obrigatoriedade de ser publicado até o fim de abril de cada ano. A medida foi implantada em 2016, durante a gestão do ex-prefeito Haddad, para ser acionado quando a temperatura atingir um patamar igual ou inferior a 13°C, ou sensação térmica equivalente, com o objetivo de promover o acolhimento de crianças, adolescentes e adultos em situação de rua durante o período mais frio do ano, dada a fragilidade nutricional e de saúde desta população, sujeita a risco de morte por choque térmico.
O texto também especifica medidas relacionadas à política habitacional, atribuindo ao Conselho Municipal de Habitação a incluir recortes para política habitacional que considerem a população em situação de rua. Trata, ainda, de iniciativas na área das políticas educacionais e de geração de emprego, renda e economia solidária, autorizando o Poder Público a instituir cota mínima de trabalhadores em situação de rua nas empresas contratadas e/ou nas Organizações da Sociedade Civil que mantenham convênios com a Prefeitura.
Em relação às políticas de assistência e desenvolvimento social, para além de reiterar as diretrizes e princípios do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) foram incluídas diretrizes importantes, como a criação de Centros de Acolhida Especial para idosos, mulheres, travestis e transexuais, famílias e imigrantes, com espaço próprio para carroças e guarda de pertences pessoais e bagageiros e que garantam o ingresso e a permanência de animais de estimação, além da permissão para indicação do endereço dos serviços de acolhimento institucional para correspondência. Há um trecho específico sobre políticas para crianças e adolescentes em situação de rua.
Na área da saúde, além de reafirmar o direito ao atendimento integral com base nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), prevê “ações de promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde da população em situação de rua”.
ZELADORIA E VIOLAÇÕES DE DIREITOS
De maneira reiterada ocorrem denúncias de que durante a execução de serviços de manutenção, zeladoria e limpeza urbana há a captura ou mesmo a destruição de objetos e pertences de pessoas que vivem em situação de rua. De acordo com a lei aprovada, a dignidade e a integridade física e moral dessas pessoas deverão ser respeitadas nas ações de zeladoria urbana. Sendo assim, possibilita que essas ações sejam “divulgadas pelos órgãos responsáveis, de maneira prévia, pública e periódica, especialmente no que diz respeito aos dias, horários e locais de sua realização”. Não é uma obrigação, o que demanda maior atenção sobre a forma como os órgãos públicos irão lidar com o tema.
A lei especifica que seja disponibilizado um canal gratuito para recebimento de denúncias de violações sobre os direitos da população em situação de rua feitas pela própria vítima ou por terceiros. Por fim, assegura que seja “garantido às pessoas em situação de rua que venham a óbito o direito à identificação, devendo o Poder Público atuar para que o devido reconhecimento e registro do óbito sejam realizados pelos órgãos competentes, respeitando os dados e a identidade da pessoa”.
VETOS DO EXECUTIVO
O prefeito Bruno Covas (PSDB) vetou trechos importantes do texto aprovado pela Câmara. O primeiro deles tem a ver com a questão orçamentária: o autor propunha que o Plano Plurianual (PPA) incorporasse os programas, estratégias, valores e metas apresentados no Plano de Ações criado pela nova lei. O PPA é o instrumento de planejamento público por meio do qual são pontuadas as políticas públicas do governo para um período de quatro anos e a previsão para viabilizar as metas previstas. A proposta poderia dar centralidade à política, considerando que a ausência de recursos financeiros inviabiliza a execução de qualquer programa.
Outro ponto vetado foi a íntegra do artigo 28, que pontuava os itens que não poderiam ser subtraídos, inutilizados, destruídos ou apreendidos durante a realização do serviço de manutenção, limpeza e zeladoria urbana: bens pessoais, como documentos, cartões bancários, sacolas, medicamentos e receitas médicas, livros, malas, mochilas, roupas, sapatos, cadeiras de rodas e muleta; instrumentos de trabalho, como carroças, material de reciclagem, ferramentas e instrumentos musicais; itens de sobrevivência, como papelões, colchões, colchonetes, cobertores, mantas, travesseiros, lençóis e barracas desmontáveis; por fim, preservaria o direito sob a tutoria de animais, assim como dos medicamentos, ração e abrigo destes.
O texto determinava, ainda, que o respeito ao entendimento da pessoa em situação de rua no caso de dúvida sobre a natureza de itens em local público, para assegurar que pertences não fossem tratados como lixo ou material de descarte. No mesmo sentido, a pessoa deveria ser orientada sobre como recuperar bens eventualmente apreendidos.
De acordo com a justificativa de veto apresentada pelo prefeito, o trecho “(…) inviabilizaria ações de zeladoria urbana nos espaços públicos, inclusive a efetiva desobstrução de vias e logradouros, bem como sua limpeza, medidas de extrema importância para o dia-a-dia da Cidade e de sua população. Isso porque o ‘caput’ do referido dispositivo veda, de forma expressa, a subtração, a inutilização, a destruição ou a apreensão de quaisquer objetos pertencentes à população em situação de rua (…)”.
Os vetos podem ser derrubados pelos vereadores em plenário, mas não é uma prática adotada pela Câmara.
Por Débora Pereira – Bancada de Vereadores do PT
Foto de destaque: Paulo Emílio