Charles Gentil: Quarta Carta Aberta ao Presidente Jair Messias Bolsonaro

Ricardo Stuckert

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São Paulo, 23 de Janeiro de 2022

Ao Excelentíssimo Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro

Assunto: Amor

Senhor Presidente,

Sem delongas, serei taxativo: abominável sua declaração de que a cepa ômicron é bem-vinda.

“Segundo algumas pessoas estudiosas e sérias, e não vinculadas à farmacêuticas, a ômicron é bem-vinda e pode, sim, sinalizar o fim da pandemia”.

E,aqui, tem-se o exemplo de ideais absurdas, concatenadas, aliás, por Vossa Excelência, sem o amparo da lógica mais elementar; e que estabelece uma relação imaginária de causa e efeito, no mínimo – reitero – no mínimo, inviável; no todo o pensamento de Vossa Excelência é, em seus múltiplos aspectos – advirto – equivocado ao extremo e sem compromisso com a verdade, o que por si só deveria ser suficiente para que, Vossa Excelência, se prontificasse a acatar o clamor público, e ao invés de se aventuar em descambado palavrório inútil, tivesse tido Vossa Excelência, a altivez de ter prestigiado o silêncio e emudecido na temática que, de forma tão grotesca, tão mal também versou.

Em primeiro lugar, Vossa Excelência, refere-se a “algumas pessoas estudiosas e sérias” e que por não terem vínculo com as farmacêuticas, então, possuem a credibilidade para afirmar que a cepa ômicron é bem-vinda, pois, de sua baixa letalidade, se deduz a proximidade do fim da pandemia(que disparate!).

Nada mais falso.Isto porque, a relação de causa e efeito considerada, não é lógica, a dedução não tem esteio nos fatos científicos consumados, daí porque a inferência é tão somente mágica, absurda, ilógica mesmo e retrata o pasto sagrado e não racional, de onde deriva todo pensamento pio, de Vossa Excelência, embora, de forma ardilosa, se queira ocultar o uivo de vossa crença genocida, sob a pele das boas intenções (como as aparências enganam!).

O fato de que algumas
pessoas estudiosas, sérias e não ligadas às farmacêuticas, simplesmente afirmem que a variante ômicron, pode ser o fim da pandemia, não diz muito à comunidade científica internacional; ora, isto apenas torna evidente, que o raciocínio de “algumas pessoas estudiosas e sérias, e não vinculadas à farmacêuticas,” não está fundado na razão e nem compromisso com a verdade, tem.

No que se refere à razão pergunta-se – qual é a relação de causa e efeito entre uma coisa e outra: entre a afirmação de algumas pessoas estudiosas e sérias e o fim da pandemia?

Resposta, Vossa Excelência: não há esta relação, porque,antes, não há causa e sem esta o efeito, não se produz.
Isto porque, o fato de alguém afirmar algo, não significa que este alguém seja a causa daquilo que foi afirmado.

Ao contrário, Vossa Excelência, para que na declaração houvesse correspondência racional entre causa e efeito, o efeito X afirmado (fim da pandemia) deveria ser amparado com elementos y comprováveis (as causas observadas) que corroborassem a tese afirmada.

Mas, a confusão no argumento de Vossa Excelência, consiste em que mescla sem provas o efeito pretendido (o fim da pandemia) com o declarante da tese afirmada, e aí reside o problema lógico, porque com isso, manifesta um pensamento mágico, irracional e sem êxito quando deve abordar assuntos fora das cercanias da fé.

E se este absurdo for aceito assim, sem respeitar-se os limites em que certos pensamentos devem estar circunscritos, o resultado é que Vossa Excelência, ao exportar por má-fé, para outros campos estes artigos de fé inconteste, deve forçosamente ver incorrer em igual erro, todo aquele que assim o fizer, e acabará também o inadvertido, por endossar que o portador da palavra, cria pela palavra, o que melhor convém a seus desígnios.

Na Bíblia, está escrito (Gn 1,4):

“Disse Deus: “Haja luz”. E houve luz.
Viu Deus que a luz era boa; e separou a luz das trevas

Há,aqui,relação de causa e efeito? Vou consentir que há, não em um sentido literal, mas em sua beleza poética, apenas.A palavra dita “Haja luz” se desdobra no efeito: E houve luz.
De modo que, Deus separou, a luz das trevas, por entender ser boa a primeira.

Mas, fazer como Vossa Excelência faz, exportar a beleza poética da relação de causa e efeito, contida no relato da criação, é, no entanto, projeto mal-sucedido, pois, ao buscar transpor as fronteiras da fé para além do que ela pode compreender, e assim, este pensamento da fé, então, ao arriscar aventurar-se em outras cercanias, que não a de sua estrita competência, se vê, necessariamente, enredado em contradições insolúveis e se vê embaraçado, por perguntas desconcertantes, tais como:

Se tal qual Deus, algumas pessoas estudadas e sérias, parafraseando-O, disessem:

“Haja o fim da pandemia”

Deve-se daí concluir Vossa Excelência, que a pandemia está mesmo à beira do fim?

Estas pessoas estudas e sérias, supõe Vossa Excelência, que sejam tão ou mais poderosas, do que Deus? Mas, isto ao verdadeiro crente, é impossível !

Aliás, parece-me que estas pessoas estudadas e sérias – na palavra do Senhor, mais sérias na palavra Dele, do que estudadas, só poderão – digo – ser consideradas sérias e estudadas, Vossa Excelência, se tiverem a humildade de reconhecer que a seriedade de seus estudos, não permite explicar pela fé, o que pela fé não se explica, a saber: tudo aquilo que encontra-se para além dela,pois, não é certo que, há temas que já estão muito além de sua compreensão? E o que a fé não entende é o que a razão já compreende, assim penso e assevero, Vossa Excelência.

Em segundo lugar, afirmar como faz, Vossa Excelência, que a variante ômicron pode ser o fim da pandemia e que esta declaração só pode ser feita por aqueles que não tem interesses na continuidade da pandemia,pois, não possuem vínculo com a indústria farmacêutica, isto é, na verdade, história pra boi dormir, ou seja, fake news e das graúdas que, aliás, será o primeiro tópico a ser observado, a partir da estrutura da eficiência, ainda que fugaz do argumento irracional de Vossa Excelência, e que também em sua construção retórica, se liga à militância antisistema e ao sentido de esperança, que busca produzir.

Com isso, desnuda-se a engrenagem de como opera o argumento do raciocínio ilógico, de Vossa Excelência, e que – como dito acima – comporta três aspectos:

  1. recurso a fake news
  2. militância antisistema
  3. sentido de esperança

Sendo que, a cada aspecto atrela-se um eixo ( e que, no entanto, entre si, interagem por contaminação), a saber:

a. comunicação
b. política
c. religião

Portanto: 1a ><2b ><3c

Assim, Vossa Excelência busca manter agrupados os apoiadores que ora dispõe, ao mesmo tempo em que, pretende arrebanhar mais eleitores fiéis.

E com este propósito, as fake news se constituem no processo comunicacional de importância ímpar e cuja eficiência será mensurada pelo deslocamento das cercas, que se ampliam com vistas a envolver, mais e mais adeptos.

Por isso, o uso tão insistente das fake news adotadas por Vossa Excelência, não pode ter outro pano de fundo que não seja a adesão ao pensamento irracional e isto para que, as fake news possam se prenderem ao ilógico do pensamento, como o vírus, que se liga a celula, que vai destruir.

Acontece que, de forma premeditada, Vossa Excelência, ao arvorar a bandeira do suposto desinteresse de sua crítica à indústria farmacêutica, se reivindica como portador de um ideal autêntico (salvar a vida das pessoas) e isto o eleva a condição autodenominada de mito, porque somente sendo um ser humano singular,ou seja,apenas um mito, é capaz de suportar ser incompreendido (pelas pessoas), solitário (permanecer isolado pelo sistema/instituições) e até mesmo hostilizado e perseguido (pelo poder da imprensa ou outro qualquer).

Aí está: A retórica do engano !!!. A retórica da farsa !!! moldada na fábrica ilógica dos argumentos produzidos na esteira das fake news.

Que fique claro: Vossa Excelência faz firula cínica ao criticar a indústria farmacêutica, porque embora vossa preferência recaia sobre a indústria das fake news é um fato, que sem estas fábricas tão apreciadas por Vossa Excelência, a mercantilização de medicamentos sem comprovação científica, não encontra esteio para a prosperidade do lucro almejado.

Tambem é fato, que as fake news possuem uma eficiência fugaz na comunicação,pois, o propósito da mensagem é identificar Vossa Excelência com os fracos, os excluídos, uma vez que, estes também se percebem como incompreendidos, solitários e injustiçados socialmente, e portanto, perseguidos por um poder, uma força que os oprime.

Mas, no sistema fraudado de Vossa Excelência tudo está invertido: a ponto do ódio ser santificado no altar do interesse eleitoral. E no curral, a mentira corre solta batizada com o nome de verdade.O cinismo vai de vento em popa, nas igrejas das fake news.E conta com uma atualização permanente, uma adequação sempre revista e ampliada. Portanto,Vossa Excelência não deixa em seus argumentos, a mentira envelhecer; ela precisa sofrer mutação permanente para rejuvenescer e continuar circulando, nas artérias do corpo político.

A nova cepa de fake news prepara a variante seguinte(tudo sempre em escala industrialíssima) e a mentira torna-se verdade pela repetição em massa nas redes sociais.E Vossa Excelência diz: – E faça-se a mentira. E a mentira é feita! (a fé precisa atuar fora do seu cercado para atualizar a mentira e rebatizá-la com o santo nome de verdade).

A variante da vez é dizer Vossa Excelência, que o vírus ômicron pode sinalizar o fim da pandemia.

Mas, não é só.O argumento ilógico já associado à fake news, e, no entanto, cuidadosamente selecionado para ser repercutido nas redes sociais, contém uma armadilha retórica que pode apanhar desprevenido os incautos.

E é, justamente, essa arapuca retórica, que irá permitir a Vossa Excelência, se necessário for, explicar-se por meio de alguém, que irá esclarecer o que se pretendeu dizer, mas que não foi bem compreendido, e com isso, reforça-se a ideia do mito de que o estado de incompreendido, é o estado de Vossa Excelência, que por isso, encontra-se à margem, apesar desta incompreensão poder ser certificada, verificando-se aquilo mesmo que foi dito.

A astúcia consiste em que Vossa Excelência utiliza, em uma posição estratégica (como se estivesse em uma trincheira, oculta) a palavra pode.

E a alguém que arguisse que a afirmação de Vossa Excelência, é irresponsável e precipitada, cairia na armadilha retórica montada e receberia o contra-argumento, de que precipitada e irresponsável foi a crítica desfechada, uma vez que, a palavra pode relativiza o destino da pandemia, pois, pode significar seu fim, mas também pode não significar seu fim (esta segunda possibilidade está atenuada por não estar dita, por estar apenas implícita).

Mas, mesmo assim, pode embaraçar o adversário, que sendo acusado de agir de má-fé ao negligenciar a palavra pode – desde que haja com perfeita lisura intelectual – deverá forçosamente acabar por ter de reconhecer, que não se ateve a esta sutileza da linguagem dando, então, azo ao mito de que no que tange a Vossa Excelência, não se é entendido e, com isso, para desventura trágica dos que sempre defenderam a verdade, a vitória argumentativa, no entanto, caberá a Vossa Excelência,
apesar de escudar-se por detrás de argumentos ilógicos e da lâmina afiada das fake news.

Por isso, o primeiro ponto para derrotar Vossa Excelência é manter-se alerta para não sucumbir a vossas artimanhas.

Como aquela propaganda em que Vossa Excelência se faz oposição permanente.Se opõe a imprensa.Se opõe a indústria farmacêutica.Se opõe ao comunismo.Se opõe ao PT.Ou seja, Vossa Excelência põe tudo em um balaio de gato, e diz – sem provas, mas com convicção – que são iguais, o que é diferente.

E contra tudo o que é, ou não é, ou supõe ser de esquerda, Vossa Excelência volta-se contra, com o intuito de desmoralizar e apresentar-se como alternativa; Vossa Excelência, surge e ruge como pretenso legítimo representante antisistema.

No mundo de Vossa Excelência, o governo, a imprensa, a cultura e até a educação estão infiltrados pelos comunistas; e é contra o comunismo, que o antisistema se volta; Vossa Excelência, quer por isso, destruir a ordem vigente, o status quo, o suposto domínio vermelho, para fazer imperar no Brasil, a submissão verde-amarelo disciplinada,sobretudo, ao imperialismo norte-americano.

Aí está o antisistema de Vossa Excelência, que não se opõe a nada que gere opressão, que na verdade, faz o jogo dos antigos donos do poder; que é antisistema só no nome, só pra inglês ver, porque não há nada que zele melhor para a continuidade do sistema, do que o antisistema, de Vossa Excelência.

Com isso, se por um lado, o aspecto antisistema, do pensamento ilógico, permite uma atuação política, militante conservadora, daqueles que enxergam em Vossa Excelência, o Salvador, aquele que irá impedir que o Brasil sucumba ao perigo vermelho, este delírio de extrema-direita, só pode ser nutrido por meio daquele sistema de comunicação, que dissemine em escala industrial, de forma organizada e constante, a produção das fake news.

Deste modo, a interação entre as partes do todo e do todo nas partes, dá-se sempre por um processo de contaminação recíproca e permanente, em que a velocidade do envenenamento é tal, que contagia o conjunto deste sistema ideológico, por meio da aceleração instantânea do disparo, e isto independente de qual das partes do sistema global, seja o ponto de partida e que põe termo, a inércia anteriormente dada.

Por fim, faz parte deste sistema de Vossa Excelência, o aspecto religioso e o sentido de esperança, que ele promove.

“Deus acima de todos”, é exemplo do peso que o religioso tem neste sistema. A ele vincula-se o sentido da esperança:

  1. esperança que o Brasil se livre do comunismo
  2. esperança que o Bradil se livre da corrupção

A comunicação no interior da bolha do coxinhaço e mesmo para além desta bolha, flui por meio do medo e do moralismo cínico, que Vossa Excelência defende.

Assim, a esperança do livramento, faz uso, por um lado, do medo; porque é ele quem incita o distanciamento para ser livre, do que se designa por comunismo e, por outro lado, há o uso de um moralismo cínico, porque são justamente, os ladrões que assaltaram o poder e usurpam o país desde 2016, que se colocam como os heróis da anticorrupção e da liberdade de saquear o povo.

Mas, este sistema de Vossa Excelência, que articula comunicação com recurso às fake news, política à militância conservadora antisistema e religião à sentido de esperança, em inter-relação permanente destas partes entre si, por meio da velocidade instantânea de contágio, que contamina o todo deste pensamento ilógico com o veneno do ódio, não pode ir muito longe.

Daí porque, desintoxicar o sistema é uma crítica e um imperativo ético necessário, que quer dizer, introduzir na circulação em curso desta maquinaria toda, um fator fundamental e absolutamente compreensível, a ateus e crentes: o amor.

Com isso, arremato esta epístola a Vossa Excelência, dizendo que se por alguns conservadores, o ódio foi feito elmo, escudo e espada.Nesta guerra, Vossa Excelência, em breve, irá divisar a própria derrota, quando entender que o instrumento de combate mais poderoso foi o ato de cobrir com o manto do amor, aqueles que, um dia, se apartaram de nós.

Vossa Excelência, me entende?

O nome da derrota dos opressores em geral e de Vossa Excelência em particular, chama-se:

         Amor

Charles Gentil
Presidente do Diretório Zonal PT do Centro

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