Arrastadas até serem “congeladas” durante o governo de Jair Bolsonaro, as investigações dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do seu motorista, Anderson Gomes, sofreram uma reviravolta desde que a Polícia Federal, em fevereiro deste ano, entrou no caso, até então apurado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Após a prisão, na segunda-feira (24), de um terceiro suspeito, o ex-bombeiro Maxwell Corrêa, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que a execução do crime está esclarecida e que a prioridade, agora, é identificar o mandante e a motivação.
“Nós estamos falando da Marielle, de uma vereadora, nós estamos falando de causas e nós estamos falando de mulheres negras e nós estamos falando de mulheres na política, que são todos os dias achincalhadas, emparedadas, humilhadas, às vezes, ameaçadas”, afirmou Dino, durante entrevista à GloboNews, ao reforçar o que havia dito durante coletiva de imprensa. “Então, revelar quem matou e quem mandou matar, e eu disse isso no dia 2 de janeiro, quanto eu não tinha informação alguma. É uma causa fundamental, para a família, é claro, mas, creio, para a sociedade”.
Marielle e Anderson foram mortos a tiros na noite de 14 de março de 2018, quando ela voltava para casa após participar de um evento no bairro carioca da Lapa. Naquele ano, a vereadora seria anunciada candidata a vice-governadora do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Segundo informou Flávio Dino na coletiva de segunda-feira (24), o nome de Maxwell chegou ao conhecimento da PF a partir de delação premiada de Élcio Queiroz, que dirigia o carro usado no crime, onde também se encontrava Ronnie Lessa, autor dos disparos. Os dois ex-policiais militares estão presos em penitenciárias de segurança máxima e serão julgados pelo Tribunal do Júri, ainda sem data marcada.
Na delação, Queiroz confessou ter participado do crime juntamente com Lessa, um matador de aluguel e traficante de armas que morava a poucos metros de Bolsonaro no Condomínio Vivendas da Barra, na capital fluminense. Segundo ele, cabia a Maxwell Corrêa monitorar os passos de Marielle.
Queiroz também informou sobre a existência de um intermediário entre Lessa e o mandante do crime: o ex-policial militar Edmilson da Silva de Oliveira, conhecido como Macalé, que teria passado a “missão” para o matador no fim de 2017. Provavelmente por “queima de arquivo”, ele foi assassinado em maio de 2021. O caso ainda não foi esclarecido.
Conforme Flávio Dino, houve uma “mudança de patamar” na investigação, que terá prosseguimento com novas operações da PF, nas próximas semanas, contra outros suspeitos, já identificados. “As instituições envolvidas terão os elementos necessários ao prosseguimento da investigação. Não há, de forma alguma, a afirmação de que a investigação se acha concluída, pelo contrário. O que acontece é uma mudança de patamar da investigação”, disse o ministro.
Bolsonaristas incomodados
Nesta terça-feira (25), Dino foi ao Twitter para informar que foi alvo de uma série de manifestações que revelam incômodos em relação ao avanço das investigações. Muitas delas de bolsonaristas, como Sergio Moro, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e atual senador.
E não é por menos. Quando ministro, Moro ordenou a PF a investigar Alberto Jorge Ferreira Mateus, o porteiro do condomínio onde moravam Jair Bolsonaro e o matador Ronnie Lessa, e onde o vereador Carlos Bolsonaro também tem uma residência.
Moro deu a ordem após o funcionário dizer, em depoimento à Polícia Civil, que, horas antes da morte de Marielle, Élcio Queiroz chegou ao condomínio dizendo que iria à casa 58, de Bolsonaro. O funcionário disse ainda ter ligado para a residência e ouvido alguém que se identificou como “Seu Jair” e autorizou a entrada do criminoso. Porém, ao ser ouvido pela PF, a mando de Moro, o porteiro disse que havia se equivocado. Mateus deixou de trabalhar no condomínio, e dele não se teve mais notícia.
“Me impressiona a quantidade de gente incomodada com o avanço das investigações do caso Marielle”, tuitou Flávio Dino. “Me impressiona mas não me intimida nem desmotiva. Vi de tudo nas ultimas 24 horas: disparates jurídicos proferidos por incompetentes; comentários grosseiros na TV; campanhas de desinformação via internet; reclamação pela presença da Polícia Federal nas investigações. Sabem o que mudou no nosso caminho de luta ? NADA”, enfatizou o ministro.
O incômodo dos bolsonaristas com o avanço das investigações tem razão de ser. Afinal, os três presos pelos assassinatos de Marielle e Anderson faziam parte do “escritório do crime”, um grupo de milicianos do Rio de Janeiro que tinha como chefe o ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, morto em uma operação policial na Bahia, em fevereiro de 2020. Ele era próximo da família Bolsonaro.
O senador Flávio Bolsonaro, quando era deputado estadual no Rio, empregou a mãe e a mulher de Adriano em seu gabinete, onde funcionava um esquema de “rachadinha” comandado pelo PM reformado Fabrício Queiroz, outro integrante do “escritório do crime” e também amigo da família do ex-presidente.
A proximidade de Jair Bolsonaro com os milicianos era tanta que, em 2005, quando era deputado federal pelo Rio de Janeiro, ele fez um discurso, da tribuna da Câmara, pedindo liberdade para Adriano da Nóbrega, que se encontrava preso, acusado de matar um flanelinha que havia denunciado integrantes de milícias. Àquela época, Nóbrega era tenente da PM.
“O Tenente, coitado, um jovem de vinte e poucos anos, foi condenado, mas não foi ele quem matou”, afirmou Bolsonaro, conforme registram os anais da Câmara. “Um brilhante oficial e, se não me engano, o primento da Academia da Polícia Militar”.
Da Redação da Agência PT