BRICS deve criar governança global para acabar com a fome no mundo, defende Lula

Ricardo Stuckert

O crescimento dos países africanos, a ampliação do número de membros do BRICS e o fortalecimento do banco do bloco no fomento de projetos de interesse do Sul Global foram o assunto dominante da edição desta semana do Conversa com o presidente. Direto de Joanesburgo, o presidente Lula falou, nesta terça-feira (22) com o jornalista Marcos Uchôa sobre as relações entre Brasil e o continente africano, que permearam seus dois mandatos, e a urgência da criação de uma nova governança global para a construção de um mundo socialmente mais justo, entre outros temas.

Minha relação com a África tem um pouco de sentimental, de reconhecimento histórico e de solidariedade”, declarou Lula, na conversa. “O continente africano vai se tornando o continente do futuro”, pontuou o presidente, frisando que a região é transformou-se em um polo de atração de investimentos.

“Tenho certeza que, daqui um tempo, a economia africana vai começar a crescer e o Brasil vai participar desse processo. Eu volto para este continente com muita esperança de que as coisas vão melhorar”, festejou.

Sobre as perspectivas para a cúpula dos BRICS, cujos trabalhos se estendem até quarta-feira (23), Lula chamou atenção para o potencial do bloco na construção de um mundo multipolar e menos desigual. “Precisamos criar um mundo mais justo, mais solidário. O que a gente precisa fazer, nesse instante, é acabar com a fome no planeta Terra”, clamou o presidente.

“É permitir que todo mundo viva dignamente”, insistiu. “Temos dinheiro para isso. Precisamos de disposição política. O BRICS tem essa simbologia: criar um organismo novo, forte, para melhorar o mundo”, teorizou.

“Num mundo em que muitos têm pouco e poucos têm muito, eu quero provocar a discussão do combate às desigualdades sociais, de renda, de gênero, de raça, no BRICS”, explicou. “A FAO afirma que 735 milhões de pessoas passam fome. Num mundo que produz muito alimento. Poucos tem muito e muitos não tem nada. Precisamos enfrentar esse problema”.

Papel do banco dos BRICS no debate global

Lula falou sobre o papel do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (NDB, na sigla em inglês) no crescimento do Sul Global e de como a instituição pode contribuir para dar voz aos países membros nas discussões econômicas e sociais dos principais fóruns mundiais.

“O BRICS não é contraponto ao G7, nem ao G20, nem contra ninguém”, esclareceu Lula. “Queremos nos organizar enquanto Sul Global, uma coisa que não existia antes. Somos importantes no debate global, sentando na mesa de negociação, em pé de igualdade com a União Europeia e os Estados Unidos”, defendeu.

Novos critérios de empréstimo

“A gente quer um banco para agir diferente dos bancos criados depois de 1945”, comparou Lula, referindo-se a instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Queremos um banco forte, maior do que o FMI, e que tenha outro critério para emprestar dinheiro aos países, não de sufocar [esses países]. Emprestar na perspectiva de que o país vai criar condições de investir o dinheiro, se desenvolver e pagar, sem que esse pagamento atrofie as finanças do país”, sugeriu.

Lula citou os tempos em que o FMI mandava representantes ao Brasil para verificar se as finanças estavam em ordem, como ocorreu durante os governos FHC (1995-2002). “Eu acabei com isso. Temos que aprender a tomar conta das nossas contas, nós pagamos o FMI e ainda emprestamos US$ 15 bilhões. Hoje não devemos nada ao FMI e nem queremos”.

Ampliação do bloco

Na entrevista com Uchôa, Lula também se disse favorável à entrada de novos países no BRICS, como uma forma de fortalecer ainda mais bloco econômico.

“Eu defendo que os nosso irmãos da Argentina possam participar dos BRICS”, declarou. “Eu defendo isso, vamos ver na reunião como fica. Mas eu defendo porque é muito importante a Argentina estar nos BRICS. Penso que desse encontro aqui deve sair uma coisa muito importante sobre a entrada de novos países. Eu sou favorável a entrada de vários países”.

“A relação comercial do Brasil com os países do Brics cresceu 370% desde 2009. Cresceu de UUS$ 48 bilhões em 2009 para US$ 178 bilhões em 2022. Queremos acordos onde todos nossos países ganhem”, exemplificou.

Moeda comum

Lula voltou a chamar a atenção para a necessidade de criação de uma moeda comum para para transações comerciais entre os países integrantes do BRICS, debate iniciado por ele já no início do novo mandato. “Por que eu faço negócio com a China e preciso de dólar?”, indagou.

“O Brasil e a China têm tamanho suficiente para fazer negócios nas suas moedas ou em outra unidade de conta, sem desvalorizar a nossa moeda e sem negar. Ela continua existindo, mas a gente cria uma moeda de comércio exterior”, definiu.

“O que é importante é que a gente não pode depender de um único país que tem o dólar, e nós somos obrigados a ficar vivendo da flutuação desta moeda. Não é correto”.

Conselho de Segurança da ONU

O presidente disse que os países ricos precisam entender que o mundo mudou desde 1945, quando a Organização das Nações Unidas foi criada. Ele defendeu a entrada, no Conselho de Segurança da ONU, dos países do BRICS e mesmo nações de fora do bloco, como a Alemanha. “Quem é que disse que são os mesmo países de 1945 que devem continuar lá?”, questionou.

“Hoje a ONU tem pouca representatividade”, observou o petista. “Ela não consegue cumprir quase que nenhuma tarefa. Hoje, o Conselho de Segurança não decide mais nada, porque existe o direito de veto e os membros do Conselho de Segurança fazem o que querem”, criticou.

“As pessoas começam a perceber que os BRICS não são pouca coisa. A junção de África do Sul, Brasil, Índia e China são metade da população mundial. São economias grandes que estão crescendo e podem crescer muito mais e que querem criar instituições democráticas”, sentenciou Lula.

Da Redação da Agência PT

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