Para a presidenta, “governo interino, provisório e ilegítimo” não pode cassar investimentos sociais nos próximos 20 anos e engessar o país
Naquele 6 de julho em que o advogado José Eduardo Cardozo leria o documento para a comissão do impeachment no Senado não houve pedaladas. “Hoje não deu”, diz a presidenta afastada Dilma Rousseff, que anda de bicicleta por cerca de uma hora “quase” todas as manhãs. “Ficamos até mais de duas da manhã escrevendo aquele trem”, disse, suportando o cansaço com energia e um tanto de humor.
O dia em que a reportagem foi recebida, no Palácio da Alvorada, foi de muita movimentação no ambiente político. Na hora do almoço, longa conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ouvir “sempre informações importantes”. Em meio a uma sucessão de reuniões, Dilma se deu uma pausa para a entrevista, que durou pouco mais de uma hora.
Desligados os gravadores, conversou informalmente por mais meia hora – “Preciso ir para mais uma reunião, mas não estou com vontade…” –, desmentindo com descontração, piadas e comentários impublicáveis sobre sua fama de “má”. Naquele momento, não muito longe dali, Temer sofria um revés no Congresso, quando a Câmara rejeitou o regime de urgência para seu pacote de bondades negociado com governadores, orçado em R$ 50 bilhões. A derrota comprovou a tese da presidenta de que a governabilidade não está fácil para ninguém, nem para o “interino, provisório e ilegítimo”.
No dia seguinte, ela se encontra com dirigentes de PT, PCdoB e PDT para mapear os próximos passos da reação, enquanto o deputado suspenso Eduardo Cunha (PMDB-RJ) renuncia à presidência da Câmara com vistas a preservar seu mandato e seu poder na Casa. “Cada vez que se dá mais um passo no sentido de afastá-lo melhora o ambiente, cria uma perspectiva favorável ao país”, acredita.
Na ainda controversa proposta de consulta popular sobre antecipação de eleições, Dilma não explicita sua posição pessoal, mas deixa nas entrelinhas que a convocação de um plebiscito, sobre eleições presidenciais ou eleições gerais, não precisa ser condição prévia para que os senadores barrem o impeachment.
Para ela, o principal consenso alcançado já será o suficiente: “Restabelecer a democracia, fazer o Brasil voltar a crescer e conter as ameaças a direitos, tanto as efetivas como as virtuais, aquelas que ainda vão ocorrer”. E não haverá solução para a crise política sem a participação da sociedade e sem a abertura de um debate sobre reforma política.
Sobre o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que teria sido cogitado para sua equipe, ela não desconversa. Observa que é pessoa qualificada, mas que depende de para qual projeto trabalha. No governo Lula, de 2003 a 2010, foi bem e ajudou. No governo do “interino, provisório e ilegítimo”, vai mal. “E em meu governo ele nunca esteve.”
A presidenta considera grave a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que restringe gastos com saúde e educação “não por um ano, mas por 20 anos” – praticamente o tempo que durou a ditadura imposta pelo golpe anterior, o de 1964. “O que se gastou ainda não é suficiente para o Brasil ser um país que tenha um padrão internacional equivalente a países do nosso nível médio de renda”, afirma.
Naquele 6 de julho em que o advogado José Eduardo Cardozo leria o documento para a comissão do impeachment no Senado não houve pedaladas. “Hoje não deu”, diz a presidenta afastada Dilma Rousseff, que anda de bicicleta por cerca de uma hora “quase” todas as manhãs. “Ficamos até mais de duas da manhã escrevendo aquele trem”, disse, suportando o cansaço com energia e um tanto de humor.
O dia em que a reportagem foi recebida, no Palácio da Alvorada, foi de muita movimentação no ambiente político. Na hora do almoço, longa conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ouvir “sempre informações importantes”. Em meio a uma sucessão de reuniões, Dilma se deu uma pausa para a entrevista, que durou pouco mais de uma hora.
Desligados os gravadores, conversou informalmente por mais meia hora – “Preciso ir para mais uma reunião, mas não estou com vontade…” –, desmentindo com descontração, piadas e comentários impublicáveis sobre sua fama de “má”. Naquele momento, não muito longe dali, Temer sofria um revés no Congresso, quando a Câmara rejeitou o regime de urgência para seu pacote de bondades negociado com governadores, orçado em R$ 50 bilhões. A derrota comprovou a tese da presidenta de que a governabilidade não está fácil para ninguém, nem para o “interino, provisório e ilegítimo”.
No dia seguinte, ela se encontra com dirigentes de PT, PCdoB e PDT para mapear os próximos passos da reação, enquanto o deputado suspenso Eduardo Cunha (PMDB-RJ) renuncia à presidência da Câmara com vistas a preservar seu mandato e seu poder na Casa. “Cada vez que se dá mais um passo no sentido de afastá-lo melhora o ambiente, cria uma perspectiva favorável ao país”, acredita.
Na ainda controversa proposta de consulta popular sobre antecipação de eleições, Dilma não explicita sua posição pessoal, mas deixa nas entrelinhas que a convocação de um plebiscito, sobre eleições presidenciais ou eleições gerais, não precisa ser condição prévia para que os senadores barrem o impeachment.
Para ela, o principal consenso alcançado já será o suficiente: “Restabelecer a democracia, fazer o Brasil voltar a crescer e conter as ameaças a direitos, tanto as efetivas como as virtuais, aquelas que ainda vão ocorrer”. E não haverá solução para a crise política sem a participação da sociedade e sem a abertura de um debate sobre reforma política.
Sobre o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que teria sido cogitado para sua equipe, ela não desconversa. Observa que é pessoa qualificada, mas que depende de para qual projeto trabalha. No governo Lula, de 2003 a 2010, foi bem e ajudou. No governo do “interino, provisório e ilegítimo”, vai mal. “E em meu governo ele nunca esteve.”
A presidenta considera grave a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que restringe gastos com saúde e educação “não por um ano, mas por 20 anos” – praticamente o tempo que durou a ditadura imposta pelo golpe anterior, o de 1964. “O que se gastou ainda não é suficiente para o Brasil ser um país que tenha um padrão internacional equivalente a países do nosso nível médio de renda”, afirma.
Naquele 6 de julho em que o advogado José Eduardo Cardozo leria o documento para a comissão do impeachment no Senado não houve pedaladas. “Hoje não deu”, diz a presidenta afastada Dilma Rousseff, que anda de bicicleta por cerca de uma hora “quase” todas as manhãs. “Ficamos até mais de duas da manhã escrevendo aquele trem”, disse, suportando o cansaço com energia e um tanto de humor.
O dia em que a reportagem foi recebida, no Palácio da Alvorada, foi de muita movimentação no ambiente político. Na hora do almoço, longa conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ouvir “sempre informações importantes”. Em meio a uma sucessão de reuniões, Dilma se deu uma pausa para a entrevista, que durou pouco mais de uma hora.
Desligados os gravadores, conversou informalmente por mais meia hora – “Preciso ir para mais uma reunião, mas não estou com vontade…” –, desmentindo com descontração, piadas e comentários impublicáveis sobre sua fama de “má”. Naquele momento, não muito longe dali, Temer sofria um revés no Congresso, quando a Câmara rejeitou o regime de urgência para seu pacote de bondades negociado com governadores, orçado em R$ 50 bilhões. A derrota comprovou a tese da presidenta de que a governabilidade não está fácil para ninguém, nem para o “interino, provisório e ilegítimo”.
No dia seguinte, ela se encontra com dirigentes de PT, PCdoB e PDT para mapear os próximos passos da reação, enquanto o deputado suspenso Eduardo Cunha (PMDB-RJ) renuncia à presidência da Câmara com vistas a preservar seu mandato e seu poder na Casa. “Cada vez que se dá mais um passo no sentido de afastá-lo melhora o ambiente, cria uma perspectiva favorável ao país”, acredita.
Na ainda controversa proposta de consulta popular sobre antecipação de eleições, Dilma não explicita sua posição pessoal, mas deixa nas entrelinhas que a convocação de um plebiscito, sobre eleições presidenciais ou eleições gerais, não precisa ser condição prévia para que os senadores barrem o impeachment.
Para ela, o principal consenso alcançado já será o suficiente: “Restabelecer a democracia, fazer o Brasil voltar a crescer e conter as ameaças a direitos, tanto as efetivas como as virtuais, aquelas que ainda vão ocorrer”. E não haverá solução para a crise política sem a participação da sociedade e sem a abertura de um debate sobre reforma política.
Sobre o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que teria sido cogitado para sua equipe, ela não desconversa. Observa que é pessoa qualificada, mas que depende de para qual projeto trabalha. No governo Lula, de 2003 a 2010, foi bem e ajudou. No governo do “interino, provisório e ilegítimo”, vai mal. “E em meu governo ele nunca esteve.”
A presidenta considera grave a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que restringe gastos com saúde e educação “não por um ano, mas por 20 anos” – praticamente o tempo que durou a ditadura imposta pelo golpe anterior, o de 1964. “O que se gastou ainda não é suficiente para o Brasil ser um país que tenha um padrão internacional equivalente a países do nosso nível médio de renda”, afirma.
Para ela, a tese é trágica e burra. “Ninguém vai me convencer que uma sociedade que exclua as pessoas, que condene as pessoas à miséria, que transforme certas questões básicas da civilização, como o acesso à educação, é uma sociedade em que as pessoas queiram criar seus filhos. Não acredito.”
Apesar das dificuldades, garante estar confiante. Está previsto para entre 22 e 26 de agosto – na média, como ela mesma observa, em 24 de agosto, dia do suicídio de Getúlio Vargas – o julgamento final do processo no Senado. Desta vez, afirma, a democracia irá renascer.
Como foi seu encontro com o ex-presidente Lula hoje?
Nós sempre nos vemos. Conversar com o presidente Lula é sempre bom, porque é uma pessoa interessadíssima nos destinos do Brasil. Ele vem sempre com uma agenda forte de luta e perseverança. Nós teremos algumas agendas juntos, mas não está ainda claro qual dia será nem onde será. Nós estamos com uma expectativa extremamente positiva para reverter esse processo de impeachment, que consideramos fraudulento e golpista.
E obviamente que o presidente Lula pode dar uma grande contribuição, na medida em que ele tem uma enorme capacidade de interlocução e diálogo com vários setores. Ele me disse que fará viagem bastante intensa no Nordeste. Vai fazer um conjunto de reuniões políticas, nas capitais e no interior do Ceará e Pernambuco.
O presidente Lula tem todo o respaldo na medida em que é, talvez, um dos presidentes do Brasil que mais agiu para colocar o Nordeste como prioridade nas políticas do governo que ele começou e que eu continuei.
Falando em viagem, e essa arrecadação via internet, organizada por suas amigas Guiomar Lopes e Celeste Martins, que já ultrapassou R$ 700 mil?
Nós tivemos a proibição de que eu viajasse nos aviões da FAB. Essa foi uma prática sistemática do governo provisório interino ilegítimo: impedir que eu me manifestasse. Queriam que eu ficasse presa aqui no Palácio da Alvorada. E agora fizemos essa arrecadação (a campanha começou em 29 de junho ultrapassou R$ 710 mil em dez dias).
Foram companheiras minhas, com os quais eu dividi um momento difícil da minha vida, que foi a prisão, que abriram essa campanha de solidariedade, essa jornada da democracia. Arrecadamos recursos suficientes para garantir que eu consiga viajar e me movimentar pelo país. Vamos conseguir, também, com isso, a defesa da democracia, a denúncia do golpe, conversar sobre as perspectivas de futuro.
Nós estamos lutando para conseguir que eu volte. Queremos restabelecer a democracia, fazer o Brasil voltar a crescer e restabelecer todos os direitos e as ameaças a direitos, tanto as efetivas como as ameaças virtuais, aquelas que ainda vão ocorrer. Por exemplo, impedir que eles congelem do ponto de vista do gasto real o que vai ser despendido em educação e saúde. É um absurdo, em um país como o nosso.
O DEM quer questionar essa campanha na Justiça, mas ao mesmo tempo o Ministério Público está cobrando o presidente do partido, senador José Agripino Maia (RN), por ter recebido quase o dobro do teto estabelecido para servidor público ao acumular salário como senador e aposentadoria como governador. Somando os anos todos em que ele recebeu dinheiro dobrado, daria algo próximo de R$ 1 milhão. O que a senhora acha de tudo isso?
A velha prática do faça o que eu digo e esqueça o que eu faço. É uma hipocrisia muito grande. Esse processo de arrecadação tem a ver com a medida inicial do governo provisório de cortar minhas viagens com aviões da FAB. E ela me permite viajar e ter um contato com a população.
O crowdfunding poderia inspirar um novo modelo de financiamento de campanhas?
Não acho que vá servir de referência para as próximas campanhas eleitorais, mas se for vai ser bom, porque será uma forma mais democrática de financiamento. A gente tem tido um resultado muito bom e eu acho que tem a ver com o fato de que um segmento importante da população brasileira está acompanhando o que está acontecendo, tem noção do golpe e está disposta a defender a democracia, então, a gente agradece muito.
Houve, de todas estas medidas do governo provisório de Temer, alguma que mais a chocou?
Olha, primeiro ele tomou várias medidas absurdas e depois voltou atrás… Mas essa, que é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 241), é gravíssima. Primeiro, porque não é uma medida que dura um ano ou dois anos. Ela dura 20 anos. Portanto, vai passar por cinco presidentes. É uma pretensão absurda um governo comprometer o programa político de presidentes futuros em duas áreas estratégicas, como saúde e educação. É engessar.
Eles defendem que o teto do gasto em educação e saúde vai ser congelado – congelado eu falo sempre do ponto de vista real, porque eles vão corrigir pela inflação. Então, a consequência é que vai ter um teto de gasto. Daí pra frente, todas as pessoas que demandarem educação e saúde, crianças, jovens e adultos que querem estudar, querem ser atendidas no sistema de saúde, vão ser prejudicadas. Vai aumentar o número de pessoas que precisam de atendimento nesses setores. Logo, vai cair o gasto por pessoa.
É por isso que estão chamando de PEC da morte?
Você pode chamar também de PEC da doença, ou PEC do sofrimento. Agora, eu acho que no caso da educação também é gravíssimo, porque você precisa da educação por motivos estratégicos. Primeiro, a educação tem o condão, a capacidade de tornar perene uma conquista que é a melhoria de vida, a retirada de 37 milhões de pessoas da extrema pobreza.
E a ida dessas pessoas que já estavam na pobreza para a classe média, quase 40 milhões. Como você torna isso permanente? Ampliando a qualidade da educação no país, da creche à pós-graduação, com isso você terá empregos melhores, uma capacidade de geração de renda muito maior e as famílias vão ter estabilidade para ter uma vida melhor.
Além disso, você precisa de educação para sustentar toda ciência e tecnologia de um país. E permitir que as empresas façam inovação. A educação é base disso, é condição para que um país dê seu salto de desenvolvimento, entre na economia do conhecimento.
O ministro Henrique Meirelles afirmou recentemente que o país já gastou muito com saúde e educação. O estranho é que ele teria sido cogitado pela senhora para integrar a sua equipe, primeiro na formação do segundo governo, depois para substituir o Joaquim Levy. Isso é verdade?
É lamentável ele ter dito isso. Eu acho que o ministro Meirelles teve uma participação importante nos dois governos do presidente Lula. Ele é uma pessoa qualificada, mas obviamente é um ministro dentro de um conjunto e de uma certa concepção de governo.
Nessa concepção atual de governo ele defendeu isso, que o país gastou muito. Eu acho até estranho, porque gastou também no período dele, porque era presidente do Banco Central, e o Banco Central é um elemento fundamental da equipe econômica. Mas ele não integrou o meu governo.
Três dias depois da sua saída do Palácio do Planalto, em 12 de maio, o programa `Fantástico` entrevistou Meirelles, e a Globo o lançou à Presidência da República em 2018 (disse a apresentadora, que apertou as mãos de Meirelles carinhosamente: Se seus planos derem certo, e nós torcemos para que deem, o sr., pretende ser candidato em 2018?) A imprensa, que tanto criminaliza a política, estaria procurando uma figura como essa, descolada da política tradicional?
Olha, é muito pouco adequado achar que é possível inventar um candidato à Presidência da República por um órgão de mídia. Isso não conduz às modificações que o país precisa. Acho que todo brasileiro tem o direito de ser candidato, e a política não é feita só pelos políticos, pode ser feita por qualquer um. Mas é essencial que as pessoas tenham compromissos, tenham projetos.
Eu não vi essa entrevista, mas quero te dizer o seguinte: nós não gastamos muito nem em educação nem em saúde, até gastamos pouco, em relação à nossa dimensão e nossa característica. Tanto é assim que quando fizemos uma avaliação sobre o atendimento básico de saúde, criamos o programa Mais Médicos. Porque vimos que quase 80% de todas as demandas de saúde de uma população podem ser atendidas por meio do atendimento básico de saúde.
O que nós vimos foi que o Brasil tinha menos médicos por pessoas do que a Argentina e o Uruguai. Em 700 municípios brasileiros não tinha um único médico. Estamos tentando fazer com que os estudantes de Medicina dessas cidades sejam incentivados a voltar para elas quando se formarem, mas isso não é uma conquista para hoje, é para o futuro.
Por isso, uma grande contribuição para o Brasil de agora foram os médicos cubanos. Com eles, nós melhoramos o atendimento e acrescentamos atendimento para 63 milhões de brasileiros que não tinham acesso ao básico. Óbvio que ampliando o gasto com saúde.
Estou dando esse exemplo para deixar claro que a gente não gasta muito, a gente gasta até aquém da necessidade do povo. Temos de, inclusive, sempre colocar em pauta o seguinte: como melhorar o gasto. Primeiro, como tornar e fazer com que 1 real renda mais do que está rendendo naquele momento. Mas de qualquer jeito você vai ter de ampliar o gasto.
No caso da educação isso é claríssimo. Todo ano tem mais crianças querendo ter a oportunidade, aliás, as crianças e as mães, de estar numa creche. Até para que a mãe possa trabalhar. A própria lei determina que tem de haver uma cobertura de 100% para todas as crianças de 4 a 5 anos. E isso vai exigir que você tenha um maior gasto.
A lei estabelece também, o Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação, que você tem de alcançar várias metas. Se você não gastar mais, não vai alcançar. Não é uma questão de que se gastou muito. Ainda não o suficiente para o Brasil ser um país que tenha um padrão internacional equivalente a países do nosso nível médio de renda.
O governo provisório estaria olhando mais para os ricos?
Olha, sem dúvida esse governo não está olhando para a população mais pobre. Mas quando atinge a educação, ele não está olhando para ninguém no Brasil. Porque eu não acredito que alguém com uma renda maior possa achar que esse país vai crescer, vai melhorar, vai se transformar em um país desenvolvido se toda a população não estiver envolvida nisso. Não beneficia só quem não tinha e passou a ter acesso à educação. Beneficia toda a economia, vai melhorar a qualidade do emprego, aumentar a demanda, o poder de consumo das pessoas, tudo vai melhorar.
É uma visão muito estreita do país. Uma visão dessas prejudica o conjunto da população, não prejudica só o setor mais pobre. É uma política que compromete a nação, não compromete só um segmento social. Porque é impossível esse país não romper com a ideologia da casa-grande, dos que acham que a casa-grande é a casa-grande e que a senzala é senzala.
Eu assisti, aliás, eu sempre conto isso, uma moça que estava se formando pelo ProUni em Medicina, uma moça negra. Ela disse que tinha muito orgulho de ter tido a possibilidade de se formar. E disse: “Porque a casa-grande surta quando a senzala vira médica”. Eu acho que surta mesmo. Agora um país em que a casa-grande não existisse, ela não surtaria.
Num país onde a casa-grande não manda mais, você vai ter maior democratização, vai ter acesso, vai ter um povo muito mais civilizado, uma diminuição do nível de violência, diminuição da exclusão e dos privilégios. Ninguém vai me convencer que uma sociedade que exclua as pessoas, que condene as pessoas à miséria, que transforme certas questões básicas da civilização, como o acesso à educação, é uma sociedade em que as pessoas queiram criar seus filhos. Não acredito.
A composição do Congresso está favorável a tornar lenta a tramitação de projetos de interesse nacional, como o julgamento do Eduardo Cunha ou o pacote anticorrupção, que saiu do regime de urgência, e a acelerar medidas que enfraqueçam a capacidade do Estado de impulsionar o desenvolvimento, como a mudança do regime do pré-sal. Como lidar com um Congresso desse, caso a senhora consiga reverter o processo do impeachment no Senado?
Eu acredito que o fato de que cada vez mais fica próximo o julgamento do deputado suspenso Eduardo Cunha, cada vez que você dá mais um passo no sentido de afastá-lo, melhora o ambiente, cria uma perspectiva favorável ao país. Se ele for afastado, você vai ter uma recomposição das forças do Congresso. As práticas dele vão ter menos influência sobre os deputados. Você vai ter um Congresso mais sensível em relação às demandas sociais e de crescimento econômico.
Agora, não é fácil hoje a governabilidade. Por isso, acredito que vai ser muito importante na minha volta construir um caminho democrático que discuta, por exemplo, uma reforma política. O Brasil tem uma fragmentação política, uma quantidade muito grande de partidos. E se fragmentaram a ponto de você precisar hoje de 14 partidos para fazer maioria, quando na época de Fernando Henrique precisava de três.
Por outro lado, esses partidos perderam também seu caráter programático. Aqueles que sempre foram programáticos também tiveram uma perda desse caráter, porque o ambiente é de fragmentação partidária e de criação de um centro que antes era democrático e agora foi hegemonizado pela direita. Falo da Câmara, no Senado, a situação é um pouco melhor. Acho que a saída do Cunha ajuda a recuperar o caráter democrático na Câmara e a recompor a governabilidade.
A senhora pretende chamar de volta esses partidos menores, PP, PRB etc., que antes compunham sua base?
Acho que isso a gente deixa pra ver na ocasião em que for refazer a composição. É muito difícil se falar hoje como é que se recompõe o governo. Acho que o fato de eu voltar cria uma nova correlação de forças, um novo ambiente, uma nova perspectiva. E a partir daí se discutem as condições de governabilidade do país, porque hoje elas também não existem. A gente ainda tem uma presença muito forte do Cunha no controle da Câmara.
Isso explica que numa noite de domingo aí ele tenha sido recebido no Palácio do Jaburu (onde vive o vice-presidente, Michel Temer). Apesar de estar suspenso e não poder entrar na Câmara, entrou no Jaburu.
No ano passado, se ouvia dizer que o PT caminhava para uma grande derrota eleitoral nas eleições municipais. No cenário em que as denúncias e escândalos passaram a atingir todos os partidos, isso muda?
Eu acho que existem problemas para todo o sistema político. Há uma crítica silenciosa da população a todo o sistema de representatividade política no Brasil. Não é algo artificial. A população tem sensibilidade e percebe que essa fórmula de se fazer política não se sustenta mais. As pessoas não se acreditam representadas.
Os efeitos disso sobre as eleições podem ser bons efeitos, no sentido de que as pessoas vão procurar, selecionar, escolher para ter uma representação melhor. Como poderão também ensejar variantes meio salvacionistas. E a despolitização do processo é muito ruim.
Eu não acho que política é o uso da coisa pública em benefício próprio. É o contrário, se faz política tentando atender à necessidade de representação da maioria. Agora sempre há um risco, num momento de crise política como o nosso. A história do Brasil demonstra isso – a eleição de salvadores da pátria não deram muito certo.
A senhora está se referindo a alguém especificamente?
Não estou me referindo a ninguém. Mas acho que não é possível, também, supor que já que é assim é melhor não ter eleição, pelo contrário. Já que é assim é melhor ter eleição, já que é assim temos de aprofundar a democracia, já que é assim temos de debater cada vez mais. Já que é assim, temos de oxigenar cada vez mais a política.
Já que é assim, esse seria um momento para se promover uma consulta em que a população opine sobre uma solução para a crise política, por exemplo, um plebiscito sobre novas eleições?
Olha, no nosso lado, que é o lado democrático, nós aceitamos e temos obrigação de discutir e de encaminhar todas as propostas que passem pela legitimidade do voto popular. O outro lado é o lado da eleição indireta, porque o impeachment é uma variante da eleição indireta. Quando a gente diz que o impeachment é golpe, é por dois motivos. Primeiro, há o que avalia se houve ou não houve uma ruptura da Constituição. Esse sentido de se dizer vamos ter golpe é porque é um impeachment sem crime de responsabilidade.
O Plano Safra e os decretos foram de uso absolutamente corriqueiro dos outros governos. E se não era crime naquela época, não foi crime também no meu. Se mudaram o entendimento a partir de 2015, a partir daí você teve que mudar o procedimento; se tivesse mantido, aí sim, seria crime. Mas até o final de 2015 não era. Não há base jurídica para o impeachment e se não tem essa base jurídica, estão rasgando a Constituição. Por isso que é golpe.
A segunda questão diz respeito ao fato de que se você não foi eleito pelo voto direto da população por causa de um determinado programa que a população aprovou, se você não tem essa legitimidade, é golpe também quando você tenta impor ao país uma espécie de eleição indireta.
Então, o impeachment passa a ser uma eleição indireta, porque é como se oferecesse base legal para implantarem um programa que ninguém aprovou. Ninguém foi consultado, ninguém nem viu um tracinho desse programa. E sabem que, se tivesse sido consultada, a população não aprovaria.
Falta muito para unificar uma bandeira no campo democrático sobre convocação de eleições presidenciais ou eleições gerais? Ou ainda tem muita gente achando que convocar uma nova eleição seria legitimar um golpe?
O que se tem é o seguinte: há um consenso imenso, uma unidade grande no fato e na consciência de que é fundamental interromper o processo de impeachment e, portanto, a minha volta para a Presidência da República efetiva e integral. Esse consenso existe e é muito importante, porque dá um marco democrático no processo.
Aí temos variantes no que se refere à consulta popular. Há primeiro uma certa consciência de que, se você olhar o processo é muito provável que a consulta popular coincida com a eleição em 2018. Porque você tem que aprovar o plebiscito, depois aprovar o processo eleitoral e em seguida executar o processo eleitoral.
Bom, mesmo assim há várias posições. Há segmentos que acham que temos de discutir uma reforma política, há segmentos que acham que é importante convocar uma constituinte exclusiva que faça essa reforma, há propostas de eleição só presidencial e há propostas de eleição geral. Isso não implica dissenso dentro desse grande agrupamento. Significa é que há uma grande ação, uma grande atividade política na discussão.
É um processo grave. Feriu-se a Constituição. Eu sempre falo daquela imagem: é como se você tivesse, se você imaginar que a democracia é uma árvore, no caso do golpe militar você derruba a árvore. Então, se derruba o regime democrático e o governo. No caso desse tipo de golpe que se chama ou golpe branco, ou golpe parlamentar, ou golpe frio, essa árvore é atacada por parasitas.
Eles entram nas instituições, não derrubam a árvore, mas atacam. O que é a sua obrigação? Levar o oxigênio do debate democrático a todos os lares, às ruas, aos movimentos. Então, quando eu falo que no campo democrático todas essas questões são absolutamente importantes, é também pelo reconhecimento de que nós precisamos fazer a unidade nacional.
E essa unidade vai sendo feita por partes. Ela só ganha força, densidade, na consulta popular, porque é um único pacto que, de fato, é um pacto por baixo, não é um pacto feito por cima, em gabinetes. Daí a importância de você ter esse debate. Para o final do meu mandato faltam dois anos e meio.
E nós vamos ter de reconstruir os processos democráticos, até porque não é possível você supor que os presidentes deste país vão conviver com essa fragilidade, que de repente, alguém discorda de uma eleição decidida por 54 milhões e meio de votos, de pessoas que aprovaram um plano de governo e tentam impor outro. Então, essa fragilidade não pode perdurar, não dá para não se ter claramente justificado em que condições é possível um processo de impeachment.
A senhora tem recebido o apoio de diversos setores. Até mesmo comunidades indígenas vieram aqui. O papa Francisco decidiu que no mês de julho, durante as homilias, em todo o mundo, sejam faladas nas mortes dos indígenas no Brasil. Estamos vendo quase um retorno ao genocídio, fazendeiros contratando jagunços armados para matar, retornando aos tempos rasos. A senhora não acha que poderia ter feito mais pelas comunidades indígenas?
Vou te falar uma coisa com convicção. Quando você olha para trás, sempre acha que poderia ter feito mais. Você olha para trás e diz “ah, fiz tudo isso”. Mas aí olha pra frente e fala “ah, mas ainda tem tudo isso para fazer”. Eu poderia ter feito muito mais. Eu sempre penso assim e acho que as pessoas de boa vontade pensam.
Essa questão indígena no Brasil é grave, porque está sendo tratada como uma questão de polícia e eu não acho adequado. Tem de ser tratada como o que é, o direito à terra dos povos originários. E é importante que todas as pessoas ligadas a essa questão tenham a faculdade do diálogo, não achem que eles têm de ser reprimidos.
Hoje, tenho muito receio de que qualquer mudança da política da Funai que implique repressão aos índios possa desencadear num genocídio. Eu tenho muito receio disso. Acho que todos nós temos de ficar alertas, o papa é importante nesse processo, porque ele levanta essa bandeira.
Do outro lado, eu também reconheço que há um conflito entre os povos, os mais pobres, os menos aquinhoados. Por exemplo, quando há conflito entre as terras indígenas e os pequenos agricultores familiares. Então, temos de ter uma grande capacidade de diálogo na questão. É preciso ter também a predisposição ao acordo e, principalmente, é fundamental que se reconheçam direitos originários.
No que se refere à tese de onde isso é polêmico (o reconhecimento da terra), não está claro que a lei vai ter de ser melhorada. Até para que você possa fazer indenização para a população que lá está e criar as condições para que os indígenas tenham um local, mas também as populações que lá estão também tenham seus direitos. Se não você cria um ambiente propício ao conflito. E não se pode tratar esta questão dos indígenas sem temer que qualquer conjunto de ações mais violentas se transforme em genocídio.
O seu ministro da Justiça, Eugênio Aragão, disse recentemente que houve dificuldades nos últimos anos em acelerar as demarcações de terras indígenas, mesmo as já reconhecidas pela Funai, e muito em função da composição do Congresso. Para não desagradar parte da base aliada presente na bancada ruralista, se evitava ou protelava processos. A senhora concorda com isso?
Eu acho que a dificuldade maior não é só essa. É que quando você trata de terras indígenas em áreas que têm uma população há bastante tempo estabelecida, há esse conflito de que falei há pouco, entre os pequenos (agricultores?), familiares e a população indígena. Por exemplo, Santa Catarina e Paraná são áreas em que os conflitos indígenas são observados entre populações estabelecidas há bastante tempo nesses locais. Então, de quem é a terra é uma questão muito delicada. Pode até haver um parecer, dentro do processo legal. Mas o conflito está ali, real. Em casos como de agricultores, até assentados de reforma agrária, a situação fica extremamente difícil.
O que está acontecendo? Nas áreas da região amazônica e localizadas no Norte do país é mais fácil, porque há claramente a população indígena. Mas temos outras áreas em que (o reconhecimento) é questionado, e quando não é questionável as populações estão lá há muito tempo, mesmo sendo terras indígenas. Em outras circunstâncias, você tem uma área por onde passa uma BR, e o meio da BR é área indígena. Então, são remanescentes de processos que permanecem. Temos sete áreas indígenas no menor estado do Sul do Brasil, que é Santa Catarina. Essa é uma dificuldade.
Um dos consensos na resistência ao golpe seria a adoção de uma política econômica de retomada do desenvolvimento e criação de empregos e uma relação mais estreita da senhora com os movimentos sociais, com a sociedade organizada, e com a sociedade desorganizada também, e isso implica mais comunicação e mais presença. A senhora tem autocrítica em relação à sua conduta anterior, de isolamento, de pouco diálogo com a sociedade?
Olha, eu acho que tem uma parte disso que é lenda. Uma parte até pode ter acontecido, agora vamos botar clara a situação. É muito difícil contentar todos, diante da crise. Porque a crise necessariamente engendra um conflito distributivo. Primeiro, porque cai a arrecadação do governo, cai a quantidade de dinheiro que o governo tem para distribuir naquele momento para um contingente determinado de políticas.
Nós buscamos fazer um ajuste fiscal porque a gente veio impedindo que a crise chegasse ao Brasil desde 2009. Fizemos uma política anticíclica, usamos recursos do governo federal para subsidiar uma série de atividades para ver se o país não entrava em recessão. Mantivemos a atividade econômica, reduzimos os juros a 2,5% quando se tratava de investimento em bens de capital.
Fizemos a mesma coisa no Minha Casa, Minha Vida. No meu governo, fizemos 4,5 milhões de contratos e de construção. Construímos 2,7 milhões de casas e contratamos outras 1.500 (ou 1,5 milhão?). Todas essas da faixa 1, são subsidiadas em 90%. Nós também tivemos toda uma política de diminuição dos custos do trabalho. Porque os países da Europa estavam saindo da crise reduzindo direitos sociais. Nós fizemos, então, isenção para certos segmentos sobre a folha de salário.
Ou seja, para diminuir o valor do custo do trabalho você reduzia o valor da contribuição e nós pagávamos o valor da contribuição. Fizemos várias outras coisas, reduzimos o imposto sobre cesta básica, por exemplo. Enfim, não foi suficiente. Nós não seguramos o fim da crise. Ela teve uma dimensão maior por dois motivos.
Com o fim do superciclo das commodities, caiu lá embaixo o petróleo, e também os preços do minério e dos alimentos e começou a desaceleração da China. Com tudo isso, você não consegue fiscalmente ter a mesma política. Porque não tem dinheiro para aquilo. Então o que você tem de fazer? Tem de optar. Nos optamos por reduzir uma parte de todos esses incentivos e manter políticas sociais.
Não existe opção que não passe por você reconhecer, sem ser demagógico, que existe redução de dinheiro. Se você não reconhecer isso, não consegue dar dois passos. Todo o problema gerado pela crise econômica foi pequeno. O mais grave problema foi quando os efeitos da crise política, a prática do quanto pior, melhor, engendrada pela oposição, que perdeu a eleição em 2014, começou a aparecer.
Primeiro, logo depois da eleição eles não se conformaram. Exigiram a recontagem dos votos. Depois questionaram se a urna eletrônica era isenta. É óbvio que estavam equivocados. Aí tentaram impedir que eu fosse empossada e recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral. Logo depois foi eleito o deputado Eduardo Cunha como presidente da Câmara.
Então, todas as medidas que nós queríamos tomar não eram nunca aprovadas. E não é só isso, mesmo quando eles votaram sobre elas, reduziram os efeitos dessas medidas. Então, nós ficamos emparedados diante da crise fiscal.
Para vocês terem uma ideia, este ano de 2016, até a véspera do meu afastamento não houve sequer uma única comissão trabalhando na Câmara. Só funcionaram a comissão do impeachment e o Conselho de Ética, com ele (Cunha) tentando enrolar. Então, você tem uma situação em que a crise econômica se sobrepõe a uma crise política, cujo objetivo é criar um ambiente propício para o golpe.
Porque quanto mais a situação se deteriorava, melhor para eles. O que é que eles falam hoje? Que são responsáveis fiscalmente… Nessa aliança entre parte da mídia, parte do setor financeiro e empresarial e os nossos partidos oposicionistas, junto com o usurpador vice-presidente da República. Eles assumiram e logo embotaram um déficit de R$ 170 bilhões.
Está visível para quem quiser ver: é o maior descalabro fiscal do mundo. Com isso, começamos a discutir que estavam aumentando os que mais ganham no Brasil. Pra eles, eles dão reajuste. Para o Bolsa Família que é só R$ 1,2 bilhão, não dão reajuste. Falamos e falamos e falamos, até que deram. Mas de qualquer jeito, eles deram reajustes absurdos para os que mais ganham. Fizeram uma negociação com os estados para ganhar o apoio dos governadores, colocando na pauta R$ 50 bilhões. E por aí vão.
O próprio presidente interino, provisório e ilegítimo diz o seguinte: eu vou tomar medidas impopulares em algum momento no futuro. Leia-se: assim que aprovar em definitivo o processo de impeachment.
É uma situação que nós temos de ter clareza para enfrentar: estamos vivendo uma crise. Nós não estamos na fase de expansão do ciclo econômico, não estamos. Vamos ter de enfrentar o conflito distributivo. Fomos claros, tem de aumentar imposto, tem de recriar a CPMF. Porque quem ganha mais, paga mais com a CPMF. Ou seja, quem transaciona mais, paga mais e é por isso que não gostam desse imposto.
Também não gostam pelo fato de que, pela lei que nós enviamos ao Congresso, estão isentos da CPMF o trabalhador, o aposentado e todo mundo que ganhe salário mínimo. Mas não quiseram. Vocês lembram do pato, não é? Quem paga o pato é quem ganha menos.
Uma das coisas absurdas que querem fazer é querer desvincular do reajuste da aposentadoria o reajuste do salário mínimo. Porque 70% dos aposentados do Brasil ganham um salário mínimo. Se você desvincula esse 70% do salário mínimo, você vai conjugar 70 milhões numa condição de pobreza. Isso é um crime.
Então você terá de fazer opções diante desse conflito. O que eu acho hoje e que está claro é que a proposta deles não é a nossa. Por exemplo, mesmo que você tenha de fazer uma reforma da Previdência, fazer amanhã é uma maluquice. Tudo o que você tem de fazer numa reforma da Previdência é ampliar o prazo da contribuição para poder contemplar os direitos adquiridos.
No caso daquela pessoa para a qual faltam cinco ou dez anos para se aposentar, você chega lá a esta altura e muda as regras? Você tem que criar os mecanismos para que isso não seja dessa forma. Tanto é que a gente criou o fórum da Previdência porque a gente acreditava que quem tinha de discutir isso eram os trabalhadores, os empresários e o governo.
E é preciso ter clareza que a reforma da Previdência é algo que você está fazendo para o futuro. O efeito é acumulado ao longo do tempo a partir de um determinado momento. Nós já fizemos o 85/95, que é uma regra de transição.
E quanto à reforma tributária?
Aí é que não sai mesmo. Porque no Brasil nós cobramos juros sobre capital próprio, tá? Em dois países existe essa regra dos juros sobre capital próprio, o Brasil e a Estônia, se não me engano. Então o que é que aconteceu? Essa foi uma das pautas que nós mandamos ao Congresso e eles sequer apreciaram. A medida provisória sobre o tema caiu.
Quando a senhora começou a cogitar a tramitação da CPMF, falou-se muito em por que o governo não tentava taxar grandes fortunas e heranças. Por que isso não aconteceu?
Nós mandamos propostas sobre isso também ao Legislativo. Entre fevereiro e março, mandamos uma sobre taxação de heranças. Porque não são mais as grandes fortunas que não são taxadas, o que é menos taxado no Brasil é a herança. Outra coisa que também foi levantado foi a questão dos lucros e dividendos.
O Brasil cobrava imposto sobre isso até o governo Fernando Henrique, depois acabaram. Mas eu acho que não é só essa questão. O sistema tributário brasileiro é extremamente regressivo. Em algum momento vai entrar na pauta do Brasil novamente uma questão crucial, que é o papel do sistema tributário na reprodução da desigualdade. Então, você tem de discutir a possibilidade de se criar um sistema menos regressivo e mais progressivo.
Menos regressivo seria menos concentrado no consumo?
Isso. Regressivo é você cobrar a mesma coisa de todo mundo. Quando você faz isso e não faz diferenciação, os que ganham menos pagam mais. Agora, no sistema progressivo é preciso ter cuidado com uma outra questão. Você tem de tributar o rendimento, tem de fazer com que o rendimento proporcionalmente tenha uma tributação maior. Essa discussão nós conseguimos fazer só parte dela. Nenhuma proposta que seja mais ou menos progressiva, como é essa questão da CPMF, passou.
Porque a CPMF, além disso, permite que você veja se está havendo evasão fiscal. Como você tributa o financeiro, você sabe quem pagou o quê e quando. Então ninguém dos que ganham mais querem a CPMF por isso. E criam a mística de que é uma coisa horrorosa. Tanto não é que se eu mexo com R$ 100 mil eu sou tributada, proporcionalmente a esse valor. Se eu mexo com R$ 200, não sou tributada. Se mexo com R$ 1.000, dependendo do que são estes R$ 1.000, eu não sou tributada. Você vê que é um imposto que não tem a mesma incidência, é 0,38%. Era 0,20% pra nós e 0,18% para os estados e municípios. Todas as entidades de prefeitos pediram isso.
Falando em arrecadação, a gente tem os problemas que a senhora citou na economia mundial, as commodities, a desaceleração da China, mas e o impacto da Lava Jato no setor de petróleo e gás?
Sim, eu vi vários estudos, de várias consultorias diferentes. O mínimo que levantaram era de impacto de 1,5% do PIB. Ia de 1,5% a 2,3% do PIB esse impacto. E isso é grave. Eu sou a favor do combate à corrupção.
Mas acho que o combate à corrupção não pode ser instrumento de duas coisas: não pode ser um instrumento político para demonizar um partido ou um grupo de pessoas, e também não pode significar perda de empregos, a paralisação de empresas. No resto do mundo é assim. Você pode perfeitamente combater a corrupção mantendo as empresas funcionando e os empregos.
Como a senhora está aguentando toda essa pressão desde o afastamento?
Couro duro (risos). É que nem a história do jacaré, que tem um couro desse tamanho. A gente vai criando um couro duro, vai aprendendo a conviver com a adversidade e encontrar forças na adversidade para lutar contra ela e transformar. Eu acredito que nós vamos ganhar, porque eu sei que estou do lado certo da história. E também tenho uma certa teimosia, que todos nós temos.
Como sua filha vê tudo isso? Ela dá conselhos, pede para a senhora voltar para Porto Alegre ou algo assim?
Minha família toda vê isso com absoluta discrição. Nenhum deles comenta nada sobre o assunto, me deixam completamente livre para decidir da forma que eu quiser. O ambiente, quando eu encontro minha filha, meus netos, meus familiares todos, é só de apoio e de conversas familiares. Não tratamos disso. É discrição mais absoluta possível, eles nem sequer comentam. É importantíssimo isso. Não há avaliação, crítica nem reclamação. É só um lugar de acolhimento, amizade, carinho. E isso é muito importante. Todo mundo sabe que a vida é dura e cada um faz o seu papel. E eu escolhi o meu.
E os Jogos Olímpicos? A senhora pretende ir à abertura?
Vamos ver como vai ser. Até lá eu decido.
A senhora já cogitou escrever um livro?
Ô, e como. Eu pretendo fazer isso, sim. Só não vai sair brevemente, mas pretendo sim, vai sair. Sabem aquela frase do Guimarães Rosa? “O que a vida exige da gente é coragem”. Temos que seguir pensando assim.
Fonte: Hylda Cavalcanti, Marilu Cabañas e Paulo Donizetti de Souza, para a RBA