“Relembrar, reafirmar, cotejar com os governos passados e defender o nosso projeto continua tarefa fundamental, a ser cumprida pela militância em todos os espaços, especialmente no diálogo quotidiano com a população”
Leia abaixo a íntegra do pronunciamento do presidente nacional do PT, Rui Falcão, durante o ato político do Seminário “O decênio que mudou o Brasil”, realizado nesta quarta-feira (24), em Salvador:
Companheiros e companheiras,
Estamos encerrando hoje o ciclo de comemorações sobre os dez anos de governo democrático e popular no Brasil, organizado pelo PT, pela Fundação Perseu Abramo e pelo Instituto Lula. A exemplo desta reunião aqui de Salvador, foram eventos com expressiva participação da militância, como sempre muito vibrante e calorosa. Foram momentos marcantes, sobretudo os pronunciamentos dos presidentes Lula e Dilma, e as contribuições dos palestrantes sobre temas relevantes das políticas públicas de nossos governos.
Relembrar, reafirmar, cotejar com os governos passados e defender o nosso projeto continua tarefa fundamental, a ser cumprida pela militância em todos os espaços, especialmente no diálogo quotidiano com a população. Mas, para além de preservar o legado e apoiar nosso governo, com uma permanente e generosa vigilância crítica, é preciso ganhar corações e mentes que permanecem distantes ou alheias, acolhendo suas demandas e acenando com um futuro de novas conquistas,
Como bem sublinhou a presidenta Dilma em carta enviada ao Diretório Nacional no dia 20 passado, vivemos agora um novo desafio histórico. O desafio, disse ela, “de acolher e atender as reivindicações e os anseios que surgiram nas nossas ruas”. Segundo ela, as manifestações das últimas semanas “são parte indissociável de nosso processo de ascensão social.(os manifestantes)Não pediram a volta ao passado. Pediram, sim, o avanço para um futuro de mais direitos, mais democracia e mais conquistas sociais”.
Se atentássemos cuidadosamente para o que nós mesmos produzimos, talvez não fossem tão desconcertantes nossa surpresa e perplexidade diante da voz das ruas. De fato, o documento de convocação do nosso 5o. Congresso Programático, a se realizar em dezembro, alertava que “a mobilidade social que experimentamos implica também mudanças de valores, demandas imateriais, exigências novas em relação àquelas do passado, sobretudo em uma sociedade que passa por acelerada transformação como a brasileira.
Não entender isso pode significar que os principais beneficiários das transformações ocorridas no país não sejam capazes de reconhecer-se e identificar-se com as forças políticas que produziram essas mudanças. Diferentemente de uma visão economicista vulgar, a consciência de classe se constrói também – e talvez sobretudo – no entrechoque de culturas e de idéias e na ação coletiva.
Hoje, as idéias e a cultura dominantes expressam ainda, e predominantemente, os valores dos que até agora controlaram o Estado, os meios de comunicação e todos os aparelhos vinculados à produção e à reprodução da cultura”.
Não por outra razão, temos colocado na ordem do dia e nas campanhas do partido a necessidade de regulamentar os artigos da Constituição que tratam da comunicação social, a fim de expressar mais amplamente a liberdade de informar, formar e opinar fora dos limites do pensamento único da grande mídia. Do mesmo modo, estamos nas ruas com o abaixo-assinado da reforma política, tema central da conjuntura, principalmente depois que a presidenta lançou a proposta do plebiscito. Voltaremos a ele mais à frente.
A oposição conservadora, a mídia monopolizada e o bloco da direita mostram-se exultantes com as manifestações de junho, para as quais pediram repressão policial no início,mas que em seguida tentaram capturar e manipular.
Companheiros e companheiras,
A nosso ver, os protestos de rua geraram uma nova situação política no País. Espontâneos, surgiram à margem das instituições tradicionais de representação e organização, mas, no conjunto, reagiram às condições de vida materiais nas grandes metrópoles. E sua confluência foi a rejeição ao sistema político de representação e às instituições herdadas da transição pelo alto que encerrou o período ditatorial.
O fato de os manifestantes lutarem pela ampliação e não contra a supressão de direitos, como tem ocorrido em várias partes do mundo, confirma – ainda que se diga o contrário – o sucesso dos dez anos dos governos petistas.
Por isso, queremos reafirmar, com veemência: não vamos permitir nenhum recuo, nenhum retrocesso, nenhum retorno à velha ordem, ao passado de opressão, exclusão, desemprego e arrocho que flagelou nosso povo por tantas décadas.
Para tanto – e aqui repito trecho do discurso que fiz em São José dos Pinhais quando do evento dos dez anos no Paraná – nossa militância,dirigentes, parlamentares, executivos municipais, estaduais e federais – precisam ficar cada vez mais próximos dos movimentos sociais organizados, que são a linha de frente e a retaguarda estratégica do nosso projeto nacional.
São eles, afinal, que reconhecem a importância e o valor das mudanças que o PT e nossos aliados, com Lula e Dilma na liderança, vêm realizando há 10 anos no Brasil. Se nós não formos capazes de romper o cerco armado contra o PT, a esquerda e o governo Dilma, repactuando com os movimentos sociais e pressionando o parlamento de fora para dentro, será real e imediato o perigo de definhamento do projeto político iniciado pelo presidente Lula em 2003.
A história do Brasil é pródiga em exemplos de como as classes dominantes e seus aparelhos se voltam contra governos que ferem seus interesses particulares, sempre apresentados como “interesses gerais da Nação”. Foi assim com Getúlio, foi assim com João Goulart, ambos derrubados pela elite por afrontarem privilégios de classe. Tentaram o mesmo contra Lula, em 2005, sem sucesso. Porém, as classes dominantes, embora sucessivamente derrotadas nas eleições continuam na espreita, à espera do melhor momento para retornarem ao governo central.
Daí a nossa advertência, que faço questão de repisar: contra nós se insurgem quatro grandes monopólios ou oligopólios que urge desmontar: o monopólio do dinheiro, controlado pelo capital financeiro; o monopólio da terra, em mãos dos latifundiários que se opõem à reforma agrária; o monopólio do voto, garantido pelo financiamento privado e o poder econômico; e o monopólio da opinião e da informação, dominado pelos barões da mídia.
É vital que o PT e os aliados à esquerda nos engajemos na disputa político-ideológica contra este bloco conservador e na defesa pública das reformas democráticas.
Também neste momento, temos de manter a iniciativa política, recompor o bloco de alianças e reforçar as condições para a reeleição da companheira Dilma, a fim de consolidar as mudanças realizadas e promover reformas estruturais, na área tributária, no sistema político-eleitoral, no aparelho de Estado e na comunicação social.
Companheiros e companheiras,
Sensível às reivindicações pelo aprofundamento das mudanças que vimos promovendo, a presidenta Dilma propôs ao País 5 grandes pactos. O pacto pela responsabilidade fiscal, para garantir estabilidade econômico-financeira nessa nova etapa; o pacto pela mobilidade urbana, pela melhoria do transporte público e por uma reforma urbana; o pacto pela educação, um passaporte para o futuro das novas gerações e do Brasil, com o auxílio dos roialties do petróleo; o pacto pela saúde, que prevê, entre outras medidas, o envio de médicos brasileiros e estrangeiros para atender e salvar vidas de nossos irmãos e irmãs que vivem nos rincões mais remotos e pobres do País.
O quinto pacto, o pacto pelo combate à corrupção e pela reforma política, está no âmago das demandas dos movimentos. Ele é o centro tático de nossa ação política, é a bandeira que deve unificar, sem vacilação ou discórdia, nossa atividade dentro e fora do Congresso Nacional.
Ao lançar a proposta de plebiscito (que pode incluir a consulta à população se deseja a convocação de Constituinte exclusiva para a reforma do sistema politico-eleitoral), a presidenta Dilma foi ao ponto: a reforma política, com intervenção direta da cidadania, é a questão crucial para devolver legitimidade ao atual sistema político exaurido, deteriorado e sem representatividade.
Além da perda de credibilidade, o sistema político vigente, devido à influência do poder econômico, bloqueia as chances para a constituição de uma maioria mais progressista, articulada com o projeto que preside o País.
Em nome do PT, tomei a iniciativa de procurar o PC do B, o PDT, as centrais sindicais, a OAB, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política e outras entidades. Com os partidos,formamos o Forum Nacional, em Defesa da Democracia e do Plebiscito, aberto e solidário a todas as manifestações a favor da reforma política.
Este é o caminho que apontamos para suplantar em definitivo os obstáculos à ampliação da participação popular na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públaicas em todos os níveis.
A proposta do PT sugere o fim do financiamento privado das campanhas, a adoção do voto em lista partidária pré-ordenada, com paridade entre homens e mulheres, além das convocação de uma Assembléia Constituinte específica para a reforma política. Os mandatos dos representantes eleitos se extinguiriam ao final da votação da reforma.
Companheiros e companheiras,
A reforma política, com a proibição do financiamento privado para as campanhas eleitorais, além de medida democratizante e inibidora da influência do poder econômico, é parte essencial da luta contra a corrupção.
As denúncias sobre corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no Brasil para desestabilizar governos populares. Essa constatação não pode, no entanto, afastar o tema da corrupção de nossas preocupações. O repúdio ético e moral que esse fenômeno provoca tem de incitar porém uma reflexão mais abrangente.
A corrupção vence onde persiste um Estado vulnerável a pressões de grupos e corporações e onde o sistema político não permite a clara expressão da vontade popular. Onde a República é fraca.
Nos últimos dez anos, as denúncias de malfeitos no Brasil se viram beneficiadas pela absoluta liberdade de imprensa reinante, pelo funcionamento livre e independente dos poderes da República, em particular pela ação determinada de organismos do Executivo como o Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da República, a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal.
Nunca se combateu tanto a corrupção em nosso País como nos governos Lula e Dilma. Nunca se zelou tanto pela aplicação correta dos recursos públicos como em nossos governos. Por isso, nossa militância pode caminhar de cabeça erguida e desafiar nossos adversários para fazer comparações em qualquer campo, sobretudo no das questões da ética e da moral pública!
Companheiros e companheiras,
Quero agora dirigir-lhes algumas palavras finais sobre a nova realidade do País, que avaliamos com otimismo. Temos pela frente um período de intensa luta política e ideológica, incluindo aí as eleições presidenciais, para governos estaduais, Senado, deputados federais e estaduais. Vamos reeleger a companheira Dilma e, com ela, uma ampla e qualificada bancada de parlamentares.
É nossa tarefa reconstruir nossas relações com os movimentos sociais, especialmente nos locais de trabalho, nas escolas, nas ruas, nos locais de moradia. Esta orientação deve estender-se aos parlamentares e governantes, a quem cabe potencializar os mecanismos de consulta e participação popular.
Para estar à altura dos novos desafios, é fundamental acompanhar com atenção as mudanças da conjuntura, realizar um PED com grande participação dos filiados e filiadas, reconhecer com humildade os erros cometidos e reciclar nosso programa, estratégia e condutas – tendo o 5o. Congresso, em dezembro como ponto alto desta reflexão.
Temos consciência de que a juventude e as novas gerações de trabalhadores nos observam de maneira crítica. Sabendo disto e sem subestimar as dificuldades, estamos convencidos de que nossos vínculos sociais e nossos compromissos programáticos possibilitarão, mais uma vez, dar um passo à frente em nossa luta pela democracia e pelo socialismo no Brasil.