As remoções forçadas no país estão suspensas até 31 de outubro deste ano. A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, oficializada nesta quinta-feira (30), assegura que, durante esse período, as 142.385 mil famílias ameaçadas de despejo no país possam permanecer em suas casas.
No documento que formalizou a prorrogação do prazo, Barroso lembrou que, após período de queda nos índices da pandemia, neste mês de junho houve nova tendência de alta, com a média móvel de mortes chegando perto de 200 no país e o número de casos mais alto desde fevereiro.
Apesar da prorrogação, que será julgada pelo plenário do STF em audiência extraordinária, Barroso alertou que será preciso estabelecer um “regime de transição” para retomada da execução das remoções, e disse que a responsabilidade cabe ao poder legislativo, e não ao STF. Porém, disse que “em caso de omissão” o Supremo poderá voltar a se manifestar sobre o tema.
Na decisão, o ministro solicitou determinou a intimação da União, do Distrito Federal e dos estados, assim como a presidência dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, responsáveis pelo julgamento de ações de despejo.
“Intimem-se também as Presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Conselho Nacional de Justiça, para ciência”, complementou o ministro.
Para movimentos, proibição de despejos é histórica
Integrante da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) em São Paulo, Gerson Oliveira participou das discussões com a equipe do gabinete de Barroso. Para ele, o “regime de transição”, citado pelo ministro na decisão desta quinta, precisa ser muito bem pensado.
“É necessário pensar uma alternativa para onde essas famílias serão realocadas. Não basta executar o despejo, mas é necessário pensar de que forma ele será feito e qual a previsão de acolhimento a estas famílias”, pontuou.
Para Rud Rafael, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a proibição das remoções aparece como “um marco da defesa da dignidade humana no contexto em que está o Brasil”.
O risco que se corria, em sua visão, era que o despejo de cerca de meio milhão de pessoas no Brasil “gerasse uma convulsão social ainda maior do que a crise que está colocada hoje”. Para ilustrar o cenário, Rud destaca a quarta onda da pandemia de covid-19, a alta da inflação, as 33 milhões de pessoas passando fome e o crescimento da população em situação de rua.
“Num contexto em que se agrava o conflito pela terra no Brasil – o assassinato brutal de Bruno Pereira e Dom Phillips mostra isso – é necessário retomar o debate sobre reforma urbana e agrária no país”, defende o ativista.
“A pandemia agravou ainda mais a diferença social, econômica, de classe, e racial na nossa sociedade. Só na cidade de São Paulo mais de 30 mil pessoas vivem nas ruas. Nesse período de inverno a situação é muito crítica, as pessoas morrem por frio, por não ter onde se abrigar e onde comer”, complementou Gerson Oliveira.
:: Fome se alastra no Brasil: 6 em cada 10 famílias não têm acesso pleno a alimentos ::
É a terceira vez que a suspensão de despejos – decisão tomada no âmbito da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 828 por conta da pandemia de covid-19 – é prorrogada. Determinada pela primeira vez em junho de 2021, desta vez a sua vigência estava prevista para acabar nesta quinta-feira (30).
Pressão social
Uma ampla mobilização de movimentos sociais pressionou, com atos de rua, intervenções nas redes sociais e reuniões com ministros e parlamentares, para que o prazo fosse prorrogado.
Articulados em torno da Campanha Despejo Zero, estão o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento Luta Popular, as Brigadas Populares, o MTST, a União de Movimentos de Moradia (UMM), a Central de Movimentos Populares (CMP), o Movimento de Lutas em Bairros, Vilas e Favelas (MLB), e a Frente de Luta por Moradia (FLM).
:: A Ocupação dos Queixadas, em Cajamar (SP), é uma das tantas que lutam para manter a moradia ::
No último dia 21 de junho, manifestações aconteceram em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Roraima, Pará e Rio Grande do Sul. Pouco antes, em 15 de junho, uma petição com mais de 800 assinaturas foi entregue ao Supremo.
Em nota, o MST afirma que “longe de ser um tema pontual ou jurídico, os despejos no Brasil são um problema estrutural no campo e na cidade”.
Ainda que o problema sistêmico não tenha sido solucionado, as cerca de meio milhão de pessoas – entre elas, 97 mil crianças e 95 mil idosos, segundo a Campanha Despejo Zero – poderão começar o mês de julho com a garantia de que permanecerão com um teto sobre suas cabeças.