As mentiras do governador

 

Na semana passada nós, professores, completamos dois meses em greve! Imagine só: 60 dias em greve, mais de 50% dos docentes estaduais de São Paulo parados, 50 mil pessoas na avenida Paulista toda sexta-feira, fechando a rua da Consolação, a avenida 23 de maio e a Marginal Pinheiros, três tentativas de negociação acompanhadas por mais de mil manifestantes (uma na Secretaria de Educação, uma na Assembleia Legislativa e uma no Tribunal de Justiça), rodovias fechadas no interior e no litoral, manifestações em praças, aeroportos, escolas, redes sociais. E mesmo assim o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, insiste em não negociar. Como é possivel? É possível. Explico como.

Primeiro, colocando professores eventuais nas escolas, para substituir os grevistas. Sim, é contra a lei, mas desde quando ser contra a lei incomodou o governo paulista? Existe uma lei NACIONAL do piso salarial para professores que diz que temos direito a um terço do tempo pago fora da sala de aula (para planejamento, correções etc.), e nosso governo a descumpre faz um bom tempo (desde 2008), e nada acontece. Portanto, por que não descumprir mais algumas? Basta alegar que é para “não prejudicar os alunos”, como se a falta diária de água, o fechamento de salas, a superlotação, a falta de verba, a jornada e os salários vergonhosos dos professores não os prejudicassem em nada.

A substituição dos grevistas permite que a escola funcione normalmente, mesmo que seja só “para inglês ver”, ou seja, mesmo que um professor formado em biologia dê aula de matemática, que um professor ainda não formado em educação física substitua aulas de sociologia, que os alunos fiquem no pátio ouvindo música durante três ou mais aulas, ou que sejam todos empurrados para a quadra. Mas a escola está funcionando normalmente viu?

Segundo, usando o imoral desconto de salário para grevistas. Deixados os professores com metade ou menos do salário, o governo paulista investe no enfraquecimento da greve mirando na família do professor, que paga aluguel, tem contas de água e luz, precisa fazer mercado e tem filhos, como os outros cidadãos. Como faz um professor que, exercendo seu direito à greve, tem, entre outras obrigações, que cuidar de uma mãe com Alzheimer, como um colega que conheço? E a professora que tem dois filhos fazendo cursinho? E outra colega, mãe solteira, que tem duas crianças pequenas, de 3 e 5 anos? E outro professor, que no ano passado pegou um empréstimo da Crefisa para pagar a faculdade de filha, como faz? Ganhamos uma liminar impedindo o desconto de salário na semana passada, mas como previsto foi suspensa e aguarda julgamento nas instâncias superiores. Quando? Sabe-se lá.

Terceiro e não menos importante: blindagem da mídia tradicional. Você tem visto tudo isso que eu descrevi no seu telejornal diário? E na sua revista semanal? E no seu jornal impresso? Nada ou quase nada, não é? Verdade que aparecemos quando umas quatro pessoas tentaram entrar na Secretaria de Educação… E sumimos. Depois aparecemos quando o governador declarou que ganhamos R$ 4 mil de salário… E os ditos jornais nem se preocuparam em verificar, pois se tivessem feito descobririam que não existe professor nenhum que ganhe isso nem nada próximo disso. E sumimos.

Depois o governador apareceu dizendo que deu R$ 1 bilhão em bônus e que só negocia em julho, que seria nossa data-base. Pois ninguém nos perguntou nada, do contrário saberiam que nossa data-base nunca foi em julho e que bônus não é salário, mas uma gratificação distribuída somente para alguns professores, com critérios bem questionáveis (a partir de uma prova aplicada aos alunos) e injustos. E sumimos.

Nesta segunda-feira mesmo vi no Bom dia Brasil, telejornal da Rede Globo, os apresentadores dizerem “a educação pede socorro” e em seguida criticarem a demora nos financiamentos aos estudantes do Ciências sem Fronteiras e a sujeira na UERJ (porque os funcionários da limpeza são terceirizados e não receberam), sem dar uma palavra sequer às greves de professores em vários estados brasileiros, e à situação, ainda pior, nas escolas estaduais paulistas (que têm funcionários da limpeza e da alimentação terceirizados).

Isso tem sido uma constante. Somos invisíveis para a mídia tradicional. E olha que os colegas procuram constantemente esses veículos para conversar, para dizer “o outro lado”, mas não são ouvidos. Aconteceu até um mutirão para mandar comprovantes de salário à Globo, contestando a declaração mentirosa do governador, pois um jornalista da casa tinha dito a um colega que a emissora “não sabia” quanto os professores ganhavam e estava difícil ter acesso aos “dados reais”. Mandamos uma enxurrada de holerites. E mesmo assim sumimos.

Com tudo isso contra, estamos aqui, em greve por 60 dias. Colocando 50 mil pessoas na rua toda semana, acompanhando todas as negociações (nesta semana teremos mais uma, quarta-feira, na Secretaria de Educação, Praça da República), nos comunicando na rede e fora dela, sendo ouvidos pela mídia não-tradicional (que existe sim, ufa!), fechando rodovias, avenidas, ruas, distribuindo panfletos. Vivendo da solidariedade dos colegas e da família. A educação pede socorro sim, e nós estamos tentando fazer alguma coisa. E você?

Renata Hummel é professora de sociologia na rede estadual paulista. Graduada – bacharel e licenciada – em ciências sociais pela PUC-SP , com especialização em história, sociedade e cultura pela PUC-SP. FAROFAFÁ #JornalistasLivres nos sentimos honra@s em publicar seus relatos, repletos de informações grotescamente sonegados da sociedade pela antiga mídia corporativa centralizada com mãos de ferro pelo grupo GAFE (Globo, Abril, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo).

Nota da redação: FAROFAFÁ #JornalistasLivres somam-se à luta dos professores paulistas, publicando abaixo holerites enviados por professores estaduais  que desmentem cabalmente as afirmações do governador Geraldo Alckmim sobre seus salários e foram ignorados por Rede Globo e outros veículos da mídia tradicional.

Fonte: – Blog Farofafa – Carta Capital

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