Após quase um ano de privatização, funerais em São Paulo ficaram 11 vezes mais caros

Foto: Michael Dantes/AFP

Após a concessão da gestão dos cemitérios à iniciativa privada, em março do ano passado, os sepultamentos no município de São Paulo ficaram cerca de 11 vezes mais caros.

Hoje, entre os preços mais baixos para sepultar um ente querido vão de R$ 3.250 a R$ 4.613,25, segundo valores de janeiro de 2024, a depender da empresa que oferece o serviço. Até o início do março do ano passado, antes da concessão da gestão dos serviços funerários à iniciativa privada, era possível pagar R$ 289,35, segundo dados do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), com os seguintes serviços inclusos: caixão, carro para enterro, carro para remoção, enfeite floral, paramentos, mesa de condolência, véu, velas, velório, taxa de sepultamento e fundo impermeável.

A reportagem do Brasil de Fato ligou para as quatro concessionárias que passaram a gerir os serviços em 7 de março do ano passado: Consolare, Cortel, Grupo Maya e Velar. Os valores aqui citados incluem todos os serviços funerários: urna/caixão, fundo impermeável, translado para o enterro, translado para a remoção do corpo, enfeite floral, paramentos, mesa de condolência, véu, velas, taxas de sepultamento e velório. Entre as empresas, os pacotes podem variar de acordo com a quantidade de serviços prestados e os cemitérios escolhidos.

No Cemitério Santana, um dos sete geridos pela Consolare, o pacote mais barato custa R$ 3.766, incluindo todos os serviços funerários e a a taxa de gaveta por três anos, caso não haja jazigo de família. No Cemitério São Pedro, a empresa Velar cobra R$ 3.250 pelo mesmo pacote. O cemitério é um dos seis administrados pela concessionária. Já no Cemitério da Vila Nova Cachoeirinha, a empresa Cortel, que faz a gestão de cinco cemitérios em São Paulo, o pacote mais barato custa R$ 4.170. Por fim, no Cemitério Campo Grande, o Grupo Maya cobra R$ 4.613,25 pelo pacote mais simples.

Do valor de antes da privatização para o valor mais barato, depois dela, há uma diferença de R$ 2.960.65. Isso significa que o valor atual é 11 vezes maior do que o anterior. Por telefone, as empresas informaram que valores mais baratos podem ser obtidos, mas só podem ser acessados fisicamente nas agências funerárias das concessionárias.

Acesso à gratuidade depende de ação da Prefeitura

Os cidadãos de baixa renda têm direito à gratuidade nos serviços funerários. Nesses casos, os caixões são lacrados e não há velório, apenas sepultamento em determinados cemitérios: Cemitério Dom Bosco (Perus) Cemitério São Luiz (Santo Amaro) Cemitério Saudade (São Miguel Paulista) Cemitérios Vila Formosa 1 e 2 (Vila Formosa). Existe também a possibilidade de pagar um valor social ao declarar situação de pobreza na hora do contrato.

No caso de gratuidade, os paulistanos precisam atender a alguns requisitos: ser membro da família do falecido, com renda mensal familiar “per capita” de até meio salário mínimo, ou renda mensal familiar de até três salários mínimos, e estar inscrito no Cadastro Único (CadÚnico). Para a população em situação de rua, é necessário estar cadastrado no Sistema de Atendimento do Cidadão em Situação de Rua (SisRua) nos últimos 12 meses. Também entram nessa parcela da população as famílias em que o falecido era beneficiário válido e regular do benefício de prestação continuada (BPC).

O CadÚnico é um sistema do governo federal, criado para a identificação e o acesso de famílias de baixa renda a programas como o Bolsa Família, a Minha Casa, Minha Vida, o Benefício de Prestação Continuada, entre outros. Apesar de ser uma iniciativa federal, é responsabilidade dos municípios, por meio dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), identificar e inscrever as famílias. Além disso, serve como um mapa das famílias de baixa renda no Brasil, servindo de base orientadora para a produção de políticas públicas. Sendo assim, uma taxa de atualização baixa desse cadastro prejudica não só o acesso das pessoas a programas, mas também dificulta a criação de serviços de assistência.

Ocorre que São Paulo é um dos municípios com as piores taxas de atualização do Cadastro Único (CadÚnico), o que prejudica o acesso da população de baixa renda à gratuidade nos serviços funerários, principalmente após o aumento dos preços com a concessão dos cemitérios à iniciativa privada.

Um levantamento feito pelo programa Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com dados de setembro do ano passado, mostra que, das 27 capitais, incluindo Brasília, o município de São Paulo está em 26º lugar no ranking da taxa de atualização cadastral, ficando na frente apenas de Boa Vista, capital de Roraima.

O índice paulistano é de 74,8%, com 1.861.122 pessoas inscritas no CadÚnico.Ou seja, 627.009 pessoas deixam de ter acesso a benefícios por negligência da prefeitura.

O índice de Boa Vista é de 74%. Em seguida, aparece Curitiba com 79,2%. A capital que mais atualiza o cadastro é Brasília, com 93,1%. São Paulo também está abaixo da média nacional de atualização, de 86,6%.

Nas palavras do vereador Celso Giannazi (PSOL), que defende a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a gestão privatizada dos cemitérios, “a falta dessa atualização coloca milhares de pessoas em situação precária para acessar diversos serviços públicos e receber benefícios sociais”.

“É uma vergonha que São Paulo com bilhões em caixa não promova uma busca ativa para realizar a atualização cadastral das pessoas com direito ao CadÚnico. Essa atualização cadastral é de responsabilidade da gestão municipal, por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.”

Caso o contratante não esteja inscrito no CadÚnico e, por isso, sem acesso à gratuidade, há o valor social: R$ 266 de gaveta unitária por um prazo de três anos mais R$ 566,04 pelo caixão. Algumas empresas cobram valores a mais. A Cortel, por exemplo cobra mais R$ 414 pela tampa de fechamento do gavetão junto da placa grafada com nome, data de nascimento e falecimento. O valor social pode ser solicitado por todos os moradores de São Paulo. Não é necessário comprovar renda, mas somente solicitar a modalidade na contratação do serviço.

Nesse caso, um boleto é gerado no preço com desconto. Se, posteriormente, o titular não pagar a dívida ou não se inscrever no CadÚnico, não é possível solicitar um novo funeral social. O contratante, nesse caso, também pode ser cobrado judicialmente e seu CPF pode ser negativado.

Ministério Público atuou no caso

Em setembro do ano passado, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) ajuizou uma ação civil pública para que o município fosse obrigado a reservar recursos para a manutenção e atualização do CadÚnico. O órgão até chegou a conseguir uma liminar, mas foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Segundo a promotora de Justiça de Direitos Humanos Anna Trotta Yaryd, “é de fundamental importância, e o próprio município reconhece, a necessidade de adoção de medidas urgentes, eficientes e eficazes para garantir a manutenção e a expansão do atendimento do CADÚnico na cidade, para que mais famílias possam  acessar o cadastro, tanto para inclusão quanto para atualização dos seus dados e, consequentemente, tenham garantida sua condição de habilitação aos diversos programas sociais que usam os dados do CadÚnico”, diz no texto da ação.

O que diz a Prefeitura?

Em nota, a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) do município de São Paulo informou que a taxa de atualização do CadÚnico em dezembro de 2023 estava em 77,1%. Se comparado à média nacional do levantamento da UFMG, a cidade ainda está quase 10 pontos percentuais abaixo.

“Somente em 2023, foram realizados 719.703 cadastros no CadÚnico na cidade de São Paulo, com média mensal de 59.975 cadastros por mês, número 70,2% maior que a média mensal de 2021”, informou a pasta em nota enviada ao Brasil de Fato. “Cabe ressaltar que, entre 2021 e 2023, houve um aumento de 23 postos de atendimento para cadastramento no CadÚnico, além de um aumento de 80 entrevistadores que prestam atendimento para inserção de famílias na plataforma”.

Caroline Oliveira e Igor Carvalho da Redação do Brasil de Fato

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