Redação, Elas Por Elas
A Câmara Municipal do Rio de Janeiro acordou nessa manhã com um despertador diferente. 550 relógios tiveram seus alarmes disparados simultaneamente, na Cinelândia, onde, do alto, foi possível ver a frase no chão “1000 dias sem resposta”.
Essa foi a intervenção “Despertar da Justiça” que abriu os atos para mobilizar a sociedade e autoridades por solução do caso Marielle e Anderson. O crime contra a vida dos dois completou 1 mil dias e, embora dois ex-policiais militares suspeitos estejam na prisão, ainda não houve julgamento e o caso continua sem resposta.
Eles foram assassinados por 13 tiros disparados contra o carro em que estavam, no centro do Rio de Janeiro. Cada uma das vítimas foi atingida com quatro tiros. Marielle Franco morreu aos 38 anos e não chegou a completar um ano de mandato como vereadora, cargo que exercia pela primeira vez. Eleita com com 46.502 votos, Marielle era política, socióloga, defensora dos direitos humanos e denunciava casos de violência policial nas periferias da capital carioca.
Além das mobilizações nas redes sociais, o Instituto Marielle Franco vem convocando as pessoas a divulgar vídeos ou fotos com a placa, o lenço, um cartaz, um girassol, um graffiti e postar com a hashtag #1000DiasPorMarielle. Também sugere que as pessoas coloquem lenços amarelos na janela para lembrar dos 1000 dias sem resposta.
O assassinato de Marielle continua rodeado de incógnitas e reviravoltas, mas sem uma responsabilização dos culpados e uma investigação coerente. O exemplo de coragem dessa mulher que ousou ocupar espaço na política e foi brutalmente exterminada tomou o país inteiro e tem mobilizado um levante de candidaturas negras, progressistas e antirracistas.
Em 2020, pela primeira vez os candidatos pretos e pardos superaram os brancos em número — 50% contra 48%. As mulheres também bateram recorde e ocuparam 33,6% das candidaturas.
Somando as cadeiras das Câmaras Municipais de todas as 25 capitais, 44% serão ocupadas por pessoas negras, segundo o cruzamento de dados do portal Gênero e Número. Palmas (TO) é a cidade com maior quantidade de pessoas negras eleitas: entre as 18 cadeiras, há somente uma pessoa branca. Na outra ponta, a capital com a Câmara municipal mais branca do Brasil será Florianópolis. Todas as 23 cadeiras foram ocupadas por pessoas brancas. Na capital paulista, 18% das cadeiras serão ocupadas por pessoas negras. Em outras capitais, como Aracaju (SE), a vereadora mais votada é uma trans. O mesmo ocorreu em Belo Horizonte (MG). Curitiba, por sua vez, terá uma mulher negra pela primeira vez no legislativo, assim como Vitória (ES). E a vereadora mais votada de Porto Alegre (RS) também foi uma candidata negra.
Esse avanço da participação da mulher negra na política não foi um processo linear e plenamente democrático. Elas enfrentaram os mais diversos graus de violência e ameaça de gênero e racista para seguir em frente em suas campanhas. A pesquisa Violência Política Contra Mulheres Negras revelou que a maioria das mulheres negras que se candidatou a cargos eletivos em 2020 sofreu algum tipo de violência no ambiente virtual. No total, 78% das
candidatas negras de todas as regiões do país, que responderam à pesquisa, relataram ter sofrido desde xingamentos racistas em suas páginas até ataques sincronizados em transmissões ao vivo. Os dados são do estudo realizado pelo Instituto Marielle Franco, com apoio da Terra de Direitos e Justiça Global, e divulgado em novembro. Os principais autores das violências são grupos não identificados (45%), candidatos ou grupos militantes de partidos políticos adversários (30%) e grupos anti-feministas, racistas e neonazistas (15%).
Apesar desse progresso, a representatividade de negros e negras ainda continua baixa no país. Nas principais cidades e nos mais importantes cargos, o padrão de candidato continua sendo o homem branco.
Levantamento da Folha de S. Paulo mostra que, nas 95 maiores cidades brasileiras com mais de 200 mil eleitores — e que, juntas, concentram 40% da população — 8 a cada 10 candidatos a prefeito foram homens, com destaque para Norte e Nordeste. Se levada em conta a cor declarada da pele, 70% foram brancos, com maior prevalência no Sul. Outro fator relevante é a distribuição da verba eleitoral: os brancos continuam com mais de 60% da verba, sendo que os homens alcançam índice maior ainda, 73%.
Não basta ser eleita
Talíria Petrone, 35, foi eleita deputada federal pelo PSOL em 2018 e, hoje, precisa de escolta até para ir à padaria. Com a sua vida e de seus familiares ameaçadas, ela teve que se mudar para outro Estado.
A violência das redes sociais expressa a violência vivida cotidianamente pela população negra no Brasil. A participação de Homens Negros mortos devido a homicídios saltou de 48,19% em 2000 para 70,45% em 2017, das mulheres negras de 3,63% para 5,01% no mesmo período, segundo dados do IPEA. Trajetória oposta a das pessoas não-negras. Em números absolutos, a quantidade de negros e negras mortos dobraram nos últimos vinte anos.
Ana Lúcia Martins, primeira vereadora negra eleita em Joinville (PT-SC), sofreu violência política ao longo de toda campanha e até hoje sofre ameaças. A deputada federal Benedita da Silva também enfrentou todo tipo de ataque racista antes, durante e depois das eleições.
O exemplo de Marielle levou muitas mulheres a irem para a disputa eleitoral e colocarem seus corpos e suas vozes ainda mais expostos à violência, além daquelas que já convivemos no dia a dia. Exigir justiça e resposta para esse crime é também uma luta por democracia e pelo direito de todas nós, mulheres, participarmos das decisões e dos espaços políticos em nosso próprio país e sairmos vivas, finaliza Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Redação da Agência PT