Sem direitos, trabalhadores informais ficam mais expostos ao coronavírus e à crise

coronavírus segue alcançando mais pessoas no Brasil e os casos já chegam a 234 infectados em 14 estados e no Distrito Federal e a tendência é que a propagação do problema cresça, assim como em outros países. Diferentemente da postura de Jair Bolsonaro (sem partido) ao ignorar a pandemia do coronavírus, uma das principais medidas de contenção recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é a quarentena doméstica.

Não à toa, governos estaduais e municipais tem fechado órgãos públicos, empresas estão direcionando os trabalhadores para home office e escolas suspenderam as aulas para evitar a proliferação da infecção. Entretanto para 41,4% dos trabalhadores informais do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de janeiro deste ano, a prevenção ao coronavírus não é compatível com a sua forma de renda. Se eles não trabalham, não ganham, uma vez que não há nenhum vínculo empregatício.

Esta é a realidade do advogado Claúdio Lúcio Dundes, que há seis meses trabalha como motorista de aplicativo para suprir o buraco que a advocacia tem deixado no último período. “É uma dualidade, porque a gente não pode parar [de trabalhar] e tem medo de ser transmissor, porque está totalmente exposto”, lamenta ele, que já percebe uma diminuição no fluxo de trabalho. Se antes rodava três dias por semana, hoje tem que rodar todos os dias para conseguir o mesmo rendimento.

“Como a gente está na rua, a gente vê situações tristes. Hoje eu vi aqueles vendedores de leite, café e bolo e ninguém parou na barraca deles. Igual agora, estou parado e tem uns cinco motoristas do aplicativo parados também. É triste ver e preocupa”, relata Dundes, que também vai encontrar dificuldades na prática do direito, já que os tribunais suspenderam as audiências.

A paralisação econômica, que está sendo sentida na ponta pelo advogado, é o indicativo do que o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, aponta como uma “tragédia social e econômica” anunciada, visto que os trabalhadores informais estão desprotegidos do impacto da crise de saúde.

“As pessoas não vão ter dinheiro para comprar comida, você pode ter conflitos sociais mais graves. Nós estamos falando de 80 a 100 milhões de pessoas que vão ser atingidas indiretamente, porque esses trabalhadores não poderão alimentar suas famílias”, explica Ganz Lúcio.

Cadê a proteção?

Enquanto o governo Bolsonaro busca relativizar a crise, o economista alerta para a urgência de medidas em curto prazo por parte do Poder Executivo para que os trabalhadores informais consigam atravessar o período crítico da economia em decorrência das ações de contenção do coronavírus.

“É necessário pensar que metade da sociedade precisa ter de algum instrumento para preservar a renda que ele estava tendo e não vai ter, porque ele é obrigado, por atitude do próprio governo, como já está sendo na Itália, França, Espanha. As pessoas estão obrigadas pelo Estado a ficar isoladas, alguma coisa o Estado tem que dar para que elas tenham renda e possam comer, isso num curtíssimo prazo”, alerta.

Dar condições adequadas para que as pessoas que sejam atingidas pelo vírus tenham atendimento à saúde, divulgar orientações claras nos meios de comunicação relacionadas ao isolamento e, principalmente, adotar medidas adequadas para a preservação da renda dos trabalhadores durante o período de contenção da pandemia, são os pontos que devem ter uma resposta adequada do poder público na visão do diretor técnico do Dieese.

“É preciso criar esses mecanismos emergenciais, que a princípio não existem, para permitir por exemplo, que essas pessoas tenham alongamento de dívidas, de compromissos, pagamento da luz, IPTU, coisas que os entes públicos podem fazer. Tanto crédito direcionado para esse tipo de pessoas com algum tipo de proteção dado pelo estado, bem como algum tipo de subsídio que possa ser criado a depender do tipo de impacto que venha ter na economia. Isso tudo precisa ser imediatamente trabalhado para que nas próximas duas a quatro semanas, tudo possa ser liberado na medida em que o país tenha necessidade de enfrentar o curto prazo”, destaca.

Não há previsão de quanto tempo vai levar a paralisação econômica do país e do mundo, por isso é preciso pensar a médio e longo prazo como será retomada a atividade produtiva, destaca Ganz Lúcio.

“Eu vou pra rua, vou vender, mas as pessoas também estarão sem salário. Ou seja, a atividade produtiva ela demora, ela tem um ciclo para retomar, que ninguém sabe qual é, porque nós estamos diante de um problema inédito, um problema em que a economia do mundo está parando, ninguém sabe como mantêm essa economia parada e ninguém sabe como colocar essa atividade produtiva, depois dela ter parado no mundo todo”, afirma.

Quarentena

A médica infectologista Marcela Vieira reforça a necessidade de proteção do Estado aos trabalhadores informais como forma de conter a epidemia. “Nesses casos é realmente importante a proteção do Estado, como tem sido na Portugal e na Espanha, com subsídios para que as pessoas possam se manter, mesmo sem trabalhar. Os períodos de quarentena seriam a melhor forma de reduzir a transmissibilidade e a exposição dessas pessoas”.

Fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), as pesquisas nas universidades públicas e fornecer todo amparo social nesses momentos de crise e pandemia são a melhor forma de combater essas situações na opinião da especialista.

“A gente sabe que a quarentena é um privilégio, mas para as pessoas que puderem se manter em quarentena que se mantenham assim, e para as que não puderem é realmente tomar todas as precauções possíveis”, explica a especialista.

Vieira reforça que as pessoas que inevitavelmente tenham que se expor reduzam as visitas com pessoas mais de 60 anos e que possam vir a ter um quadro mais grave. Além do uso de álcool em gel, sempre que possível lavar as mãos com água e sabão e evitar as aglomerações.

Por Brasil de Fato

Foto de destaque: Reprodução

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