Anunciado pelo Ministério da Educação como forma de garantir autonomia financeira àsuniversidades e institutos federais, a partir de fundos associados ao mercado, o programa “Future-se” vai acabar criando instabilidade na financiamento do ensino superior no Brasil, alerta o ex-ministro Renato Janine Ribeiro.
Ele lembra que as instituições de ensino superior já contam com autonomia na captação de recursos, e que não prospera, muitas vezes, pela falta de apoio da iniciativa privada. As diretrizes do programa foram decididas de cima para baixo, sem negociação com a comunidade acadêmica, e ferem ainda o princípio da autonomia acadêmica, garantido na Constituição.
“O mercado é, por definição, instável. Pode subir ou cair. Logo, o orçamento das universidades poderia aumentar, mas também poderia cair. É um risco muito grande. Se temos algo chamado ‘Estado’ é justamente porque tem que deixar estáveis uma série de políticas.
Não é um ‘instado’”, afirmou Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta sexta-feira (19). Ele diz que o patrimônio educacional, que inclui, além dos campi universitários, uma rede de milhares de cientistas e pesquisadores, não pode ficar a mercê das flutuações capitalistas.
Sem diálogo
Janine diz que a elaboração de um projeto como o “Future-se” deveria contar com a participação dos representantes das universidades, que conhecem melhor do que ninguém as suas próprias necessidades e limitações. “Mesmo a colaboração com as empresas, um dos pontos ‘fortes’ do projeto, é algo que as universidades já fazem. Se essa colaboração não é maior, não é só por causa das universidades. É porque, muitas vezes, as empresas também não querem”, disse o ex-ministro. Ele citou esforços, desde a década de 1990 até os governos Lula e Dilma, de integração entre a pesquisa acadêmica e inovação.
Outro problema no Future-se constatado pelo ex-ministro é a criação de um comitê gestor para supervisionar e acompanhar a implementação das diretrizes do programa que, dentre outras incumbências, poderá interferir na seleção dos reitores das universidades, ao definir critérios para a aceitação de certificações dos candidatos.
“É um cheque em branco dado a pessoas que não se sabe quem são e o que farão”, critica Janine. Ele lembra que o governo Bolsonaro já editou decreto que estabelece que a nomeação de vice-reitores e pró-reitores deve passar pelo “crivo” da Casa Civil, em mais um ataque à autonomia das universidades.
Educação como inimiga
Janine fundamenta suas preocupações no fato inédito de que Bolsonaro foi eleito sem jamais ter feito a defesa da educação pública no país. Pelo contrário, durante a campanha, o então candidato fez reiteradas críticas ao educador Paulo Freire e a avanços na igualdade de gênero – além de ataques às leis de cotas. “Isso incomoda uma parte substancial da base do governo, que responsabiliza a área educacional (por esses avanços). Olham a educação com certa desconfiança. Esse é um problema sério.”