Ricardo Amaral: A farsa de Moro está nos autos; a alma, no Telegram

Foto: Lula Marques

A importantíssima divulgação, pelo The Intercept Brasil, das conversas secretas da Lava Jato no Telegram desnuda os baixos instintos de Sergio Moro, Dallagnol e seus comparsas. São conversas asquerosas entre falsos puritanos, mas não surpreendem quem leu antes os autos do caso Lula. Na busca pela verdadeira justiça, o mérito do Intercept é provocar a revisão dos atos parciais e criminosos de Moro, denunciados pela defesa técnica do ex-presidente e ignorados pelo sistema judicial e pela imprensa hoje escandalizada com o que foi varrido para debaixo do tapete.

Antes da Vazajato, provavelmente não tomaríamos conhecimento de que uma testemunha importante no processo do sítio de Atibaia disse a outro juiz que foi “quase coagido” e teve de “construir um relato” para a Vara de Curitiba. Está na Folha de hoje (16/07), que se interessou pelo depoimento de um ex-diretor de Odebrecht, Carlos Armando Paschoal, num caso relacionado ao governo Michel Temer.

Mudanças súbitas de depoimentos sempre foram apontadas pela defesa de Lula. Em quantas não teria havido coação e relatos construídos para condenar sem provas? Não é preciso saber o que contêm os grampos ilegais na cela do doleiro Alberto Youssef para verificar as constantes mudanças em seus relatos, ao sabor das conveniências dele, dos procuradores e do ex-juiz. Vamos esperar a revelação de novos diálogos ou vamos revisar os autos?

Pois além de “construir” depoimentos, a Lava Jato ergueu a lenda de que supostos pagamentos a Lula teriam sido registrados na contabilidade secreta das empresas investigadas. Para provar a falsidade da alegação, a defesa solicitou perícia das planilhas que trariam os tais registros. Está lá nos autos: Moro negou sistematicamente esse direito elementar do acusado e interditou a produção de provas sobre elemento central do caso.

Uma das perícias, porém, foi realizada, justamente para analisar cópia do sistema “MyWebDay”, aquele que conteria o “mapa” das propinas pagas pela Odebrecht a agentes públicos. E a perícia mostrou que não há ali qualquer referência a Lula ou a “Amigo”, que seria o codinome a ele atribuído. Mostrou também que os R$ 700 mil que os delatores disseram ter sido destinados a uma reforma no sítio de Atibaia foram, em realidade, sacados em favor do atual presidente do conselho de administração da própria Odebrecht, Ruy Lemos Sampaio.

Em depoimento de 25 de junho ao sucessor de Moro, juiz Antônio Bonat, o ex-presidente do Grupo OAS, Leo Pinheiro, chamou de “Controladoria” ao setor de pagamento de propinas da empresa. Mas não apontou nenhum registro de pagamento a Lula. Basta verificar nos autos: não há referência ao nome ou codinome de Lula em nenhuma contabilidade, secreta ou aberta, das empresas investigadas. Ou seja: não é preciso esperar novas revelações para saber que forjaram provas contra Lula.

E também está nos autos do caso do Guarujá que em todo o processo: 1) não se provou que Lula teve a posse a propriedade do tal tríplex, a ele “atribuído” na sentença de Moro; 2) nem que Lula assinou qualquer ato ou ordem que tenha gerado desvio de dinheiro público, o que levou Moro a condená-lo por “atos indeterminados”, e 3) que “este juízo (Moro) jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.

Os advogados de Lula, Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins especialmente, pagaram alto preço pela defesa técnica que fizeram da inocência do ex-presidente e por terem arguido, desde o início, a suspeição e parcialidade do ex-juiz Sergio Moro. Nunca desistiram dessa linha, que corresponde à visão histórica e ao argumento moral do próprio Lula diante das acusações que lhe fizeram. Essa coerência constrange um sistema judicial que até hoje não ousou enfrentar cabalmente as ilegalidades cometidas por Moro, de forma a provocar um novo e justo julgamento.

Não deixa de ser irônico que Moro esteja provando, junto com seus comparsas, o veneno de intimidade devassada. O ex-juiz bem sabe o quanto valeu intoxicar com grampos a opinião pública para emparedar a verdadeira justiça com a farsa da Lava Jato. A diferença, cruel para Moro, é que seus arapongas não captaram uma só palavra de Lula para comprovar a acusação. Já as mensagens reveladas pelo Intercept confirmam, diálogo por diálogo, o conluio, a parcialidade e as ilegalidades denunciadas nos autos, além de revelar a alma de uma gente sem escrúpulos.

Ricardo Amaral é jornalista

*artigo publicado originalmente no GGN

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