No momento em que as forças de oposição concordam que o afastamento de Bolsonaro é condição indispensável para que o Brasil seja capaz de enfrentar a epidemia da Covid19, reduzir e gerir o impacto econômico e social sobre a população e afastar do horizonte a ameaça de uma ruptura definitiva com a democracia, o PSDB anuncia que, por ele, Bolsonaro será protegido de um impeachment e mantido no cargo até o fim do mandato.
O anúncio da adesão dos tucanos, feito ontem pelo presidente nacional do partido, é chocante porque contraria o consenso nacional, trai a luta pela democracia e insulta a memória de mais 40 mil vítimas fatais de uma doença que Bolsonaro despreza e decidiu não combater.
Só não se pode dizer que o PSDB está traindo a si mesmo. Sempre que descem do muro, os tucanos descem para o lado errado. O partido deu início ao movimento que levou ao golpe de 2016 e liderou a sabotagem movida contra mim no Congresso. Participou do governo golpista e, hoje, se acumplicia com um governo fascista. O faz em nome do que chama de “paciência democrática”. Mas em 2016, diante de um governo recém-eleito e que jamais pôde ser acusado de autoritário, não soube se resignar à vontade manifesta dos eleitores.
O golpe foi gestado no inconformismo do PSDB com a derrota nas urnas, e quem confessou isto foi o ex-presidente do partido, Tasso Jereissatti, com surpreendente sinceridade: “O PSDB cometeu erros memoráveis. O primeiro foi questionar o resultado eleitoral. Começou no dia seguinte à eleição. O segundo erro foi votar contra princípios básicos nossos, sobretudo na economia, só para ser contra o PT. Mas o grande erro foi entrar no governo Temer. Fomos engolidos pela tentação do poder”, disse Tasso. Vamos acrescentar um quarto e avassalador erro: a “paciência democrática”com o fascismo de Bolsonaro em nome de uma pauta neoliberal.
Ávido por poder, o PSDB participou da derrubada de uma presidenta que não cometeu crime de responsabilidade e, agora, de novo tentado pelo poder, se opõe ao impeachment de um presidente flagrado em inúmeros crimes, repetidos e continuados. “Paciência democrática” é subterfúgio verbal. Trata-se de escrachado descompromisso com a democracia, desumana indiferença diante da doença e das mortes por Covid-19, e devastadora alienação diante do desemprego, miséria e fome que afligem o povo brasileiro.
Justamente quando Bolsonaro passa por acentuada desmoralização, quando o mundo o repele e quando muitos bolsonaristas de primeira hora rompem com ele é que o PSDB se atira nos braços do neofascismo. A verdade é que a “paciência democrática” dos tucanos também pode ser traduzida por submissão a quem quer que prometa comandar o desastre neoliberal. No momento, este desastre se manifesta na inexistência de políticas públicas do governo Bolsonaro, que ameaça reduzir e até cortar o auxílio emergencial, não se importa em conter a explosão do desemprego, é indiferente e até considera virtuosa a informalidade que insituiu um “precariado” sem direitos, graças às reformas trabalhistas, e se omite diante da falência das micro, pequenas e médias empresas, que estão sem caixa e sem crédito.
Com a adesão a Bolsonaro, o PSDB desacredita seu mais famoso integrante, FHC, que assinou um manifesto pela democracia. A democracia do PSDB é casada com o neofascismo. Na primeira metade dos anos 1980, o grande cronista Luis Fernando Verissimo criou um personagem que batizou de “Velhinha de Taubaté, a última pessoa que ainda acreditava no governo” do general Figueiredo. Neste momento, a direção nacional do PSDB está fazendo de FHC a “velhinha de Taubaté do bolsonarismo”.
DILMA ROUSSEFF
Foto de destaque: Roberto Stuckert Filho