_Folha de S.Paulo (9.06.2023)_ | *O que se passa no Haiti
Com a presença de mais de 50 lideranças populares e sindicais, parlamentares e dirigentes partidários, foi relançado em 23 de março último, na Câmara Municipal de São Paulo, o comitê “Defender o Haiti é Defender a Nós Mesmos”.
Originalmente, esse comitê havia sido constituído em 2004, início da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah), na qual o Brasil assumiu o comando militar —com a exigência dirigida ao nosso governo à época, presidido por Lula e depois por Dilma Rousseff, de retirada das tropas brasileiras do país irmão.
A Minustah encerrou-se em 2017. Além de ter fracassado em “estabilizar” o Haiti, trouxe um rastro de destruição para o seu povo e consequências políticas também para o Brasil. Basta lembrar o papel que vieram a assumir no governo Jair Bolsonaro os comandantes e oficiais do Exército brasileiro que atuaram na ocupação do Haiti, como o general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Assim, a situação atual no Haiti é resultado direto dos 13 anos de ocupação militar estrangeira, período em que aumentou o fosso entre uma minúscula e corrupta elite local, sócia menor de multinacionais, e a grande maioria dos 11 milhões de haitianos, abandonados à própria sorte e empurrados a deixar o país.
No Brasil, estima-se em mais de 140 mil os imigrantes haitianos, que sofrem com o racismo e péssimas condições de trabalho.
Há cerca de dois anos, desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse (julho de 2021) e sua substituição, sem eleições, pelo ex-primeiro-ministro Ariel Henry, gangues armadas, verdadeiras milícias a serviço de políticos e empresários, impõem o terror nos bairros populares e controlam estradas diante de um muro de silêncio erguido pelas grandes potências sobre o que se passa no país. O governo dos EUA, de forma recorrente, busca um outro país que se disponha a liderar nova intervenção militar no Haiti —o que é rechaçado pelas organizações de luta do povo haitiano.
Hoje, o poder “de facto” no Haiti é exercido pelo chamado Core Group, composto por representantes da ONU, da OEA (Organização dos Estados Americanos), da União Europeia e dos governos dos EUA, Canadá, França, Alemanha, Espanha e Brasil. No Haiti, costuma-se dizer que a Minustah era a “ocupação com botas militares”, e o Core Group “a ocupação sem botas”.
Após o desastroso balanço do que foi a intervenção militar no Haiti, temos todo o direito de perguntar: o que faz o governo do Brasil no Core Group? O que faz o governo Lula na companhia de governos de países da Otan —aliança militar liderada pelos EUA e metida até o pescoço na Guerra da Ucrânia—, que nenhuma solução trarão ao povo haitiano?
O Brasil e seu governo têm responsabilidade no drama haitiano, que não será resolvido com nova intervenção militar estrangeira, mas sim com ajuda econômica e humanitária ao povo irmão. E isso não virá de um organismo de tipo “colonial” como o Core Group. Se no Haiti de hoje há organizações populares que exigem “fora Core Group”, não seria o caso de nós, brasileiros, respondermos “fora o Brasil do Core Group”?
*Adriano Diogo*
Ex-deputado estadual (PT-SP)
*Bárbara Corrales*
Membro do Diretório Municipal do PT de São Paulo
*Julio Turra*
Ex-dirigente e atual assessor da CUT Nacional
*Luna Zarattini*
Vereadora do PT em São Paulo
* Este artigo expressa as posições discutidas no Comitê “Defender o Haiti é Defender a Nós Mesmos”, que se reúne na Câmara Municipal de São Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/06/o-que-se-passa-no-haiti.shtml