O presidente Jair Bolsonaro anunciou o nome do economista Carlos Alberto Decotteli da Silva para comandar o Ministério da Educação. Considerado um profissional de perfil técnico, muito diferente de seu antecessor, Abraham Weintraub, que deixou o MEC depois de defender a prisão de ministros da Suprema Corte, Decotelli tem no currículo uma denúncia de superfaturamento na compra de computadores. A história é um dos muitos escândalos de corrupção abafados e ignorados pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. A licitação foi cancelada por ação da Controladoria Geral da União, diante da suspeita de fraude bilionária.
Oficial da reserva da Marinha, bacharel em Economia pela UERJ, mestre pela FGV, Decotteli terá de explicar por que sob sua gestão, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), uma licitação suspeita foi realizada para a aquisição de 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops a serem distribuídos a 7.900 escolas públicas. A previsão de gastos totalizava R$ 3 bilhões. O esquema foi cancelado em dezembro de 2019, depois da CGU apontar irregularidades. O edital foi divulgado dia 21 de agosto.
A vergonha para o novo ministro da Educação, contudo, não acaba apenas no episódio da licitação suspeita de fraude. Assim como seu antecessor, Decotelli não tem seus méritos acadêmicos reconhecidos no meio universitário. Na tarde desta sexta-feira, 26 de junho, o reitor da Universidade de Rosário, na Argentina, Franco Bartolacci, afirmou no Twitter que não reconhece o título de doutor de Decotelli da Silva. Bolsonaro havia anunciado que o novo ministro é doutor pela Universidade de Rosário, na Argentina. Bartolacci desmentiu: “Nos vemos na necessidade de esclarecer que Carlos Alberto Decotelli da Silva não obteve nenhuma titulação de doutor na Universidade de Rosário”. O reitor fez o anúncio ao responder mensagem do próprio Bolsonaro nas redes sociais.
Fraude escandalosa
A Escola Municipal Laura Queiroz, do município de Itabirito, em Minas Gerais, seria contemplada com 30.030 laptops educacionais, embora o colégio só tenha matriculados 255 alunos. Caso a licitação tivesse ocorrido, cada aluno receberia 117 computadores. Com o cancelamento do pregão, apenas em relação à compra destinada a esta escola, evitou-se um gasto de R$ 54 milhões. Essas e outras barbaridades jamais foram explicadas ou esclarecidas por nenhum técnico do governo, muito menos pelo ex-ministro Abraham Weintraub ou pelo próprio Bolsonaro. Decotelli deixou o cargo e sumiu na burocracia do MEC.
É curiosa a movimentação no FNDE desde que Bolsonaro assumiu a Presidência da República. Militar da reserva, Decotelli foi nomeado em fevereiro e deixou a presidência do FNDE em 30 de agosto, assumindo em seu lugar Rodrigo Dias. Em 4 de setembro, menos de uma semana do atual ministro da Educação ter sido exonerado do FNDE, o órgão revogou o edital. Nenhuma justificativa foi dada para a substituição, na época, de Decotelli por Rodrigo Dias, indicado ao cargo pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e demitido em dezembro. O FNDE logo em seguida foi ocupado por Karine Silva dos Santos, que até então ocupava uma diretoria no MEC.
A licitação tinha como fornecedoras de equipamentos duas empresas suspeitas: a Daruma, de Taubaté, no interior de São Paulo, e a Movplan, de Ribeirão Preto (SP). Ambas mandaram cartas de cinco linhas, com o mesmo fraseado e o mesmo erro de português: “Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária”. A Movplan fica em Ribeirão Preto (SP), mas datou sua carta de Taubaté (SP), onde está localizada a Daruma.
As inconsistências apontadas pela CGU foram rebatidas pelo FNDE em um documento de 20 páginas. O órgão justificou que a autorização do Ministério da Economia não era necessária para a realização de licitação. Não prestou nenhuma informação sobre as cartas da Movplan e Daruma, nem mesmo sobre a aquisição de computadores para as escolas em número muito superior ao de alunos matriculados. O FNDE informou, contudo, que só na escola Laura Queiroz, a União economizaria R$ 54,7 milhões.
Jabuti de R$ 3 bilhões
Em 9 de outubro de 2019, o edital foi finalmente revogado, exatamente na mesma data da conclusão do relatório da avaliação da CGU. O jornalista Elio Gaspari, desde o final de dezembro, vem cobrando do governo uma explicação para o edital de R$ 3 bilhões, que ele apelidou de “jabuti”, porque foi preparado, elaborado e lançado sem que qualquer responsável tenha surgido para explicar quem havia criado o monstrengo bilionário. “Uma despesa de R$ 3 bilhões não é um jabuti qualquer. A burocracia do FNDE blindou-se diante das advertências da CGU. Blindada, continuou depois da posse do novo presidente e da revogação preventiva do edital”, denunciou.
A propósito, o novo presidente do FNDE se chama Marcelo Lopes, responsável pela administração de um orçamento anual de R$ 50 bilhões. Marcelo foi indicado para o cargo pelo PP, uma das legendas conservadoras brasileiras que compõem o chamado “Centrão”, o grupo fisiológico que aderiu ao bolsonarismo em troca de cargos e liberação de emendas. No currículo, o novo presidente do fundo ostenta na lapela o crachá de ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira, presidente do PP.
A nomeação de Marcelo foi uma estratégia urdida pelo Palácio do Planalto para permitir que Jair Bolsonaro mantenha uma base fisiológica no Congresso e que permita a aprovação de projetos de interesse do governo a fim de evitar a abertura de um processo de impeachment. O pedido de impeachment apresentado pelo PT e outras legendas da oposição – PSOL, PCO, PSTU, PCdoB, PCB e UD – precisa ainda ser aprovado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Da Redação da Agência