A catástrofe está longe do fim. O presidente Jair Bolsonaro continua o processo de destruição da reputação internacional da nação que um dia já foi referência diplomática pelo soft power pragmático e conciliador. Oficialmente sem comando há mais de um mês na pasta da Saúde e devastado por uma crise sanitária sem precedentes, o país é visto pela imprensa internacional como um pária cujo presidente de modos grotescos espalha medo e terror à população e países vizinhos. Prestes a atingir um milhão de infectados por coronavírus, o Brasil é objeto de ampla reportagem do jornal ‘Washington Post’, publicada na terça-feira (16). Segundo o diário americano, o país ignorou os avisos sobre a seriedade da pandemia e agora, enquanto outras nações preparam-se para enfrentar uma segunda onda da pandemia, o Brasil afunda na primeira.
O ‘Washington Post espanta-se com o que considera uma situação única no planeta. Com números alarmantes, o governo brasileiro não implementou medidas “amplamente bem-sucedidas em outras partes do mundo”: não houve decreto para restringir a circulação de pessoas em todo o território brasileiro, nenhuma campanha nacional de testes em massa, nenhum acordo com governadores e prefeitos, nem reforços do orçamento expansão do atendimento de saúde. Nesta quarta-feira (17), um dia depois de a reportagem ter sido veiculada, o país já contabiliza 934.769 casos e 45.484 mortes, segundo balanço do consórcio de veículos de imprensa.
Ao invés medidas de conteção, pontua o jornal, as cidades mais atingidas estão abrindo as portas para shoppings e igrejas, mesmo quando o país anuncia rotineiramente mais de 30 mil novos casos por dia – cinco vezes mais do que a Itália relatou no auge do surto local.
O jornal relata os esforços de Carlos Machado, cientista da Fundação Oswaldo Cruz, que fez um apelo para que a mensagem sobre um isolamento completo ganhasse força no país. Sem uma rígida quarentena, alertava sua equipe do Rio de Janeiro, no início de maio, uma catástrofe de proporções inimagináveis ocorreria. “Mas as autoridades nunca adotaram lockdown”, descreve o ‘Post’.
“O número de casos e mortes disparou. As pessoas pararam de se isolar, optando por embalar calçadões da praia [do Rio] nos fins de semana. E o aviso acabou sendo apenas mais uma saída que o Brasil se recusou a seguir para se tornar o segundo país mais devastado pelo coronavírus do mundo”.
Desafio ao vírus
Segundo o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, o Brasil faz o que nenhum país ousou. ”Estamos chegando perto do pico da curva e parece que estamos quase desafiando o vírus: vamos ver quantas pessoas você pode infectar. Queremos ver o quão forte você é. É como um jogo de pôquer, e estamos todos nele ”, afirmou o cientista, em depoimento ao diário.
O ‘Washington Post’ utiliza dados da Universidade de Washington, que estima que o país poderá ter mais de 4 mil mortos diários até o fim de julho, para traçar paralelos entre Brasil e Estados Unidos: “são dois países do tamanho de continentes com extrema desigualdade e presidentes populistas”, compara o jornal. Mas assinala que as semelhanças terminam aí, apontando para um “abismo” entre as duas nações. “O Brasil não possui a maior economia do mundo nem um dos sistemas de saúde mais fortes. Também não possui os Centros dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças”, atesta a reportagem.
Política de não fazer nada
Para o ‘Post’, por causa das dificuldades econômicas, não cabia no Brasil espaço para erros e muito menos discordâncias políticas diante de um surto como o do coronavírus. Com tudo o que estava em jogo, o país nunca demonstrou unidade e o presidente Bolsonaro, “que continua a rejeitar a doença e suas vítimas, adotou uma política de não fazer nada”.
O jornal lembra que Bolsonaro atacou governadores que defendiam medidas restritivas, acusando-os de mentirosos corruptos, reuniu-se a grupos de simpatizantes, desafiando as advertências de seus conselheiros, e ainda ameaçou fazer um churrasco, apesar das recomendações de saúde pública.
Contra a ciência
Ainda de acordo com o ‘Post’, as baixas testagens no país escondem a verdadeira dimensão do maior surto da América Latina. O desprezo de Bolsonaro pela ciência também chama a atenção do diário americano, revelando que, além de não capacitar profissionais e especialistas para liderar uma estratégia de resposta à pandemia, tratou de, primeiramente, ignorar, para em seguida, marginalizar e, por fim, expulsar cientistas de seu círculo.
Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, “cujos briefings sóbrios acalmaram brasileiros ansiosos” depois de uma divergência entre os dois sobre a adoção do distanciamento social. “Em seguida, livrou-se do substituto de Mandetta, Nelson Teich, que falhou em compartilhar seu zelo pelo uso da cloroquina como tratamento para o coronavírus”.
A publicação ainda ressalta que a Food and Drug Administration dos EUA revogou esta semana a autorização de emergência para que o medicamento seja usado para tratar o coronavírus, sob o argumento de que é improvável que seja eficaz e ainda carregar “sérios potenciais efeitos colaterais”.
Lamento
Em declaração ao jornal, o epidemiologista Carlos Machado lamentou profundamente as mortes ocorridas no estado do Rio de Janeiro, mas seus sentimentos de pesar são compartilhados por milhares de famílias brasileiras. “Do ponto de vista da saúde pública, é incompreensível que medidas mais rigorosas não tenham sido adotadas”, disse Machado. “Poderíamos ter evitado muitas das mortes e casos e tudo mais que está acontecendo, foi uma oportunidade perdida”.
Da Redação da Agência PT, com informações de Washington Post
Foto de destaque: Buda Mendes