O mundo está mudando novamente. Sem dúvida, como corolário da pandemia do Covid-19.
Antes da pandemia, de fato, estava em voga e de forma desenfreada a imposição de valores radicalmente individualistas; revelando, assim, o que de mais perverso há no modo de produção capitalista e que, em sua versão neoliberal xiita, nutre um verdadeiro desprezo pelo ser humano tornado, aliás, algo absolutamente descartável; daí porque não hesita em destruir direitos e excita a emergência de pensamentos unilaterais e autoritários, incompatíveis com a pluralidade que a própria vida requer.
O santo dogma do Estado mínimo; a fé inflexível na adoção de condutas de austeridade fiscal; a crença intransigente na iniciativa privada; enfim, a epifania dos engomadinhos do mercado financeiro e que disto tudo, os faz intuir o lucro sagrado que irá se revelar, tal qual a face verdadeira de Deus.
Porém, o impacto da pandemia do Covid-19 no cotidiano das pessoas e na vida econômica das nações, embora não irá extirpar o individualismo, nem humanizar o capitalismo ou sequer triunfar sobre o delírio fanático do lucro, é bem provável, no entanto, que seja colocada uma nova máscara nesta face horrenda da exploração capitalista.
Talvez, os ideólogos do sistema burguês usem, em breve, conceitos do espectro político da esquerda como: solidariedade, igualdade, fraternidade, por exemplo, para mais uma vez, ludibriar os cidadãos fazendo-os crer que: pós-pandemia o capitalismo ressurgirá como a única alternativa segura para a humanidade em um novo ciclo de prosperidade cultural e material.
Então, terá que ficar claro que a igualdade, a fraternidade e solidariedade da esquerda não são as mesmas defendidas pela direita. Mas, que trata-se das mesmas palavras para nomear coisas distintas.
Enquanto a direita concebe, de forma limitada, que a fraternidade é um gesto generoso de ajuda isolada do mais forte ao mais fraco. A esquerda entende que a fraternidade é um ato político universal para libertar o necessitado da condição imposta pelo opressor; portanto, tendo como premissa a defesa da vida insultada pela miséria, mas que assegura o bem-estar de uma minoria de privilegiados.
Enquanto a direita entende, de forma superficial, que a noção de igualdade implica, obrigatoriamente, a abolição de toda diferença; a esquerda compreende que é, justamente, a existência da pluralidade que garante um mundo igual, na medida em que, os diferentes gêneros, as diferentes raças, as diferentes culturas, por exemplo, se constituem enquanto os variados aspectos de uma humanidade que é, sim, plural em sua forma, mas, que reivindica a igualdade em sua condição.
Enquanto a direita interpreta, de forma simplista, que a solidariedade é uma prática passageira afeta a circunstâncias específicas de crises; a esquerda, considera que a solidariedade deve ser uma atitude permanente diante da vida social.
Por isso, neste momento, no Brasil, mais do que nunca, se torna imperioso, fazer a disputa política concreta para influir na sociedade mobilizando as mentes e os corações das pessoas, para que estas se engajem nas ações de solidariedade afrouxando, assim, aquele sentimento exacerbado de que tudo, em última instância, se reduz ao lucro.
Isto porque, o impacto da pandemia do Covid-19 permite uma reflexão sincera e inadiável: De que forma, cada indivíduo contribuiu até aqui, para a construção de um mundo melhor? Pode-se abrir mão desta responsabilidade em nome de comportamentos que apenas recriam um mundo desigual?
Com isso, tem-se terreno fértil para – mediante a denúncia da destruição das políticas públicas- evocar a premência em repensar-se não só que Brasil, de fato, se quer construir, mas como efetivamente construí-lo.
Neste sentido, se faz necessário observar que este pensamento é calcado e coerente com o estágio atual das condições objetivas e subjetivas do país. E assim, como diz o ditado popular, não se deve colocar “o carro na frente dos bois” é um equívoco, então, também supor que as condições subjetivas, isto é, a disposição do indivíduo deva ser posta à frente das condições objetivas e, portanto, das condições materiais que apenas precarizadas ao extremo impulsionam o conjunto da sociedade para que promova o profundo movimento real de transformação que necessita.
Não é este o caso no momento atual. As condições materiais não se degradaram a tal ponto, nem há, ainda, ânimo social suficiente e que superou o patamar da mera indignação.
Não obstante, há terreno propício para nas circunstâncias dadas travar o embate político propositivo e, com isso, buscar influir na sociedade, estimulando-a a reagir contra o governo reacionário e autoritário de Bolsonaro, a fim de que, no momento oportuno concatenado com a inevitável e permanente degradação material das condições de vida em curso, se torne possível emergir o sentimento genoíno que não seja a mera indignação, mas o real sentimento de mudança no ordenamento político em vigor.
O eixo central e que permitirá estabelecer a fusão das condições objetivas com as subjetivas, visando a transformação social por vir, não serão as adesões emotivas às efêmeras palavras de ordem radicais, mas a subscrição refletida dada às consistentes ações de solidariedade, na medida em que, estas constituem um profundo vínculo com as demandas sociais dos trabalhadores e de todos aqueles excluídos pelo capitalismo fundamentalista.
A luta pela solidariedade aos que tem fome. A luta solidária aos desempregados. A solidariedade na luta contra a pandemia do Covid-19. A solidariedade ao trabalhador que necessita de uma renda de emergência para suportar o isolamento social. A solidariedade na luta do trabalhador para reaver seus direitos trabalhistas e previdenciários.
A solidariedade àqueles que são vítimas da uberizacao e, portanto, do trabalho precarizado.
Com efeito, a Ação Solidária, progressivamente, vai adquirindo todo um contorno político, uma musculatura real, que irá se intensificar na razão direta do engajamento social, que ela, inelutavelmente, suscitará.
Daí porque, a impaciência ou o desespero, em circunstâncias difíceis, às vezes, faz florescer arroubos radicais que embora bem intencionados devem, no entanto, ser tranquilizados, pois, ao invés de cooperar, para o aprofundamento da unidade partidária, apenas gera dispêndio desnecessário de energia, quando esta seria mais produtiva se empenhada em somar-se às imprescindíveis Ações Solidárias, para que se produza o impacto social esperado.
Sendo assim, as Ações Solidárias poderão ser um vetor relevante de influência na sociedade, sobretudo, para arrancar a máscara de cordeiro que, provavelmente, o capitalismo irá voltar a usar no período pos-pandemia.
Assim, desmascarar, então, o teólogos do capital neoliberal consistirá em revelar os limites do que concebem por solidariedade e que solidariedade tão somente em palavras ou próximo disto trata-se apenas de letra morta. Mas, Ações Solidárias, concretas e inadiáveis, são o que, realmente, o Brasil precisa para iniciar o passo decisivo para voltar a ser feliz.
Abraço fraterno
Charles Gentil
Presidente do Diretório Zonal do PT Centro
Foto de destaque: Ricardo Sturcket