As mudanças na restituição de créditos da nota fiscal paulista não afetam apenas os contribuintes que planejavam receber de volta parte da arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS) neste ano, mas prejudicam entidades sem fins lucrativos como hospitais e projetos sociais. Entidades sem fins lucrativos, de maneira geral, fazem campanhas permanentes de arrecadação de doação da Nota Fiscal Paulista de pessoas físicas como forma de obterem recursos extras.
Segundo as instituições consultadas pelo iG, a expectativa era de que as entradas desses recursos neste ano fossem equivalentes ao obtido em 2014, quando chegou ao montante de R$ 10,8 milhões, de acordo com dados do Programa Nota Fiscal Paulista, da Secretaria da Fazendo do Estado de São Paulo.
O governo de São Paulo alterou o calendário de restituição de créditos da nota fiscal paulista. Antes devolviam os créditos acumulados de janeiro a junho em outubro do mesmo ano. O acumulado de julho a dezembro era pago em abril do ano seguinte. Agora a restituição dos créditos do primeiro semestre será feita apenas em abril do ano seguinte. Já os do segundo semestre serão restituídos em outubro do outro ano. Além disso, houve ainda a redução no percentual de devolução ao contribuinte, que antes era de 30% para 20%. Segundo a Secretaria de Finanças, os 10% restantes serão utilizados no sorteio de prêmios dentro do Programa Nota Fiscal Paulista.
Temendo perder as verbas para 2014, a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp) informou que entrou em contato na terça-feira (14) com a Secretaria da Fazenda de São Paulo para pedir uma audiência com o secretário da pasta, para tratar do tema.
O diretor financeiro do Hospital do Câncer de Barretos, Boian Petrov, lamenta a decisão da Fazenda do governador Geraldo Alckmin (PSDB). “Como é um incentivo, não é obrigatoriedade do governo fazer a devolução, então a gente simplesmente acata. Mas a mudança nos pegou totalmente de surpresa. É um dinheiro significativo, um desfalque. Perdemos 10% e receberemos os recursos que eram esperados para outubro apenas em 2016. O ideal seria darem um prazo para começar a valer, para que todos pudessem se programar.”
Petrov ressalta que os recursos da nota fiscal paulista são uma realidade. “Todos querem e esperam esse dinheiro. Temos uma equipe inteira para cuidar disso no hospital. Eles avaliam em quais estabelecimentos o ICMS é maior para fazer a captação objetivamente. Depois, vão aos locais para pedir a doação. Após o recebimento, fazemos a prestação de conta de tudo.”
Referência em pesquisa e atendimento, o Hospital do Câncer de Barretos faz, por dia, 4 mil atendimentos (3.200 na unidade de Barretos e 800 em Jales) e é 100% financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o diretor, a instituição vive com déficit mensal R$ 10 milhões. “As doações da nota paulista nos ajudam a controlar o déficit com doações. Além disso, temos de captar em outros eventos, com festas beneficentes, rifas, vendas de CD de artistas que nos apoiam.”
Em 2014, a arrecadação desses recursos ao hospital foi de R$ 1,05 milhão – recebidos em duas etapas, em abril e outubro. No primeiro semestre deste ano, a arrecadação conseguida foi de R$ 320 mil, mas, com a mudança, esse recuros só entrará nos cofres da instituição em abril de 2016, com seis meses de atraso em relação a programação feita antes da mudança.
Em entrevista após o anúncio das mudanças, o coordenador do Programa Nota Fiscal Paulista, Renato Chan afirmou que há uma necessidade de contenção de gastos, em virtude da queda de arrecadação. “As secretarias do Estado de São Paulo têm se esforçado para reduzir custos e conter despesas. O que a gente não quis fazer é elevar a tributação. Não achamos que seja a solução”, explicou.
Essa é uma espécie de pedalada fiscal paulista – guardar o dinheiro de despesas em caixa para protelar pagamentos e fechar as contas de um ano com saldo maior, o chamado superávit.
No primeiro semestre deste ano houve queda real de 4% na arrecadação de ICMS, principal fonte de arrecadação dos estados brasileiros. A arrecadação anual do tributo no âmbito da Fazenda estadual é de R$ 140 bilhões.
Adiamento dos repasses atrasa avanços
A Associação Brasileira de Instituição Filantrópicas de Combate ao Câncer (Abificc) afirma que trabalha na coleta de dados sobre os impactos do adiamento dos recursos nas entidades e já prevê dificuldades. A entidade representa instituições que são referências em pesquisa e no tratamento do câncer. São elas: Hospital AC Camargo, Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho, Hospital do Câncer de Barretos, Instituto Brasileiro de Controle do Câncer e a Fundação Amaral Carvalho (em Jaú).
Pascoal Marracini, presidente da Abificc, conta que todas as instituições representadas utilizam os recursos da nota fiscal paulista há anos e que, como vinha funcionando dentro do planejamento, estava na rotina fazer a divulgação e pedido de doação das notas de pessoas físicas. “As próprias entidades perdem credibilidade. Porque as pessoas pensam que doando a nota nada vai acontecer.”
O presidente da Abificc também é presidente do Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho, e explica que no local a utilização do recurso, mesmo sendo esporádica, sempre foi prevista. “Usamos os recursos de doações há seis anos, dentro de um cronograma. Agora houve um corte no planejamento e isso é muito ruim, dificulta o andamento das atividades. Teremos de suspender investimentos em equipamentos e reformas.”
Nos últimos anos, o conselho do Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho tomou a decisão de usar esses recursos para reinvestir em equipamentos e fazer reestruturações físicas. “Os recursos recebidos em abril – R$ 143,5 mil referentes ao segundo semestre de 2014 – financiaram a reforma do Hospital Dia, além da aquisição de materiais e equipamentos para o hemocentro e para radioterapia.”
Sem esse recurso, diz Marracini, ocorrerá atraso no desenvolvimento da instituição, de projetos de reinvestimento e a tecnologia acabam ficando sem avanços. “Nós no Instituto não usamos para custeio, apenas para reinvestir. Prestamos contas para quem doa, para a sociedade, e podemos perder um pouco da credibilidade com a utilização adiada. Sabemos o reinvestimento que é essencial para modernização e para mantermos a excelência. Mas não temos verba sobrando para isso. Dentro do planejamento que tínhamos, os recursos adiados prejudicam muito”, explica. Em 2014, o instituto arrecadou R$ 241.941 (R$ 98.368 no primeiro semestre, e R$ 143.573 no segundo semestre).
O presidente da Abificc acredita que terá inclusive de demitir gente por causa disso. “Acho que se cair o movimento da nota, teremos de rever o trabalho e o número de funcionários do setor.”
Santas Casas pediram audiência com secretário da Fazenda de SP
O presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp), Edson Rogatti, explica que alteração impede planejamento neste ano. “Isso é um absurdo: mudar a regra no meio do jogo. Tem um impacto enorme, com certeza. Prejudica muito porque recebíamos semestralmente e agora, em um ano péssimo, vamos receber apenas no ano que vem. ”
Segundo Rogatti, todas as 420 Santas Casas do Estado de São Paulo utilizam as doações de créditos. “As atividades das Santas Casas vão ser prejudicadas. Essa é a pior hora para tomarem essa decisão porque temos crise no País, momento difícil da saúde no Brasil, uma grande defasagem na tabela do SUS.”
Entidade social afirma que mudança não altera planejamento para este ano
O Projeto Casulo, entidade de assistência social localizado no Real Parque (zona sul da cidade de São Paulo), recebeu no ano passado R$ 1,41 milhão de recursos via doação de nota fiscal paulista. O coordenador de desenvolvimento institucional, Ricardo Xavier informa que as alterações não prejudicarão as atividades deste ano. “Porque as receitas captadas em anos anteriores, de diversas fontes, são suficientes para as atividades planejadas. Altera nosso planejamento de 2016, sobretudo o de captação. Teremos de diversificar mais as fontes e reprogramar atividades que não são cobertas por convênios.”
O Projeto Casulo trabalha com atividades de educação integral, interação comunitária e educação para o trabalho e 34% do orçamento de 2015 será custeado com recursos da nota fiscal paulista, segundo informou a organização.