Dor, luto, e sede de justiça. Há uma semana, no dia 1º de novembro de 2019, nove famílias choravam a morte de seus filhos, provocadas por uma ação da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM-SP) na madrugada de sábado (30) para domingo (1º) em um baile funk em Paraisópolis, periferia de São Paulo (SP). No mesmo dia, o porta-voz da PM-SP, Emerson Massera, negava a versão dos moradores, afirmando que os jovens morreram pisoteados e que o desastre não teria qualquer relação com a atuação das forças de segurança no local.
Na ocasião, morreram Gustavo Cruz Xavier, de 14 anos; Dennys Guilherme dos Santos Franco, de 16 anos; Marcos Paulo Oliveira dos Santos, de 16 anos; Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos; Luara Victoria Oliveira, de 18 anos; Gabriel Rogério de Moraes, de 20 anos; Eduardo da Silva, de 21 anos; Bruno Gabriel dos Santos, de 22 anos; e Mateus dos Santos Costa, de 23 anos.
Três dias após o massacre, outra porta voz da PM-SP, Major Cibeli Marsolla, disse que “as pessoas vão lá para roubar, cometer crimes” e colocou em dúvida vídeos que mostravam a truculência dos policiais durante o baile funk: “Essas imagens precisam ser averiguadas para saber do que ali é real”.
O Brasil de Fato visitou a comunidade durante a semana para mostrar a percepção dos moradores sobre o caso e acompanhou os primeiros passos das investigações.Mídia Ninja
Manifestantes em frente à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo cobram justiça
Respostas
O governador João Doria (PSDB) lamentou “profundamente” as perdas, em sua conta no Twitter, mas, duas horas depois, elogiou a política de segurança na região: “São Paulo tem uma polícia preparada, equipada e bem informada”, disse.
Somente quatro dias depois do massacre, o tucano encontrou-se com familiares dos nove jovens mortos, depois de uma passeata que levou os moradores de Paraisópolis até o Palácio dos Bandeirantes, residência oficial do governador.
Na reunião, em que estavam presentes representantes do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo (Condepe), Doria acatou a criação de uma comissão externa para acompanhar as investigações sobre o caso. Desse grupo, farão parte um representante de cada família das vítimas, dois líderes comunitários e membros do Condepe e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em entrevista ao Brasil de Fato, Dimitri Sales, presidente do Condepe, falou sobre a importância da criação dessa comissão externa. “Esse foi o passo mais importante que nós demos até então. A comissão vai poder analisar os laudos, consultar peritos externos para que também façam análises, recomendar oitivas com testemunhas e ter um trabalho paralelo com o trabalho da polícia”, comemorou.
Em entrevista à Ponte Jornalismo, Danilo Amílcar, irmão de Denys Henrique Quirino da Silva, afirmou que a comissão deveria ter ocorrido por iniciativa do governador, e não por pressão das famílias. “É difícil estar satisfeito, justamente porque a gente só conseguiu se reunir com o governador depois de horas de manifestação, horas de cansaço, quando as mortes já aconteceram. Isso deveria ter acontecido antes, por iniciativa do governador”, ressaltou.
Conhecido por discursos de incentivo à violência policial, Doria também é crítico dos bailes funk. Em dezembro de 2016, durante um evento da Federação de Bens, Serviços e Turismo do Estado de SP (Fecomercio-SP), ele afirmou: “A cidade é um lixo vivo. O ‘pancadão’ [baile funk] é um cancro que destrói a sociedade. O ‘pancadão’ é administrado pelo PCC [Primeiro Comando da Capital]”.
Há dois dias, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou a ação da PM-SP e insistiu que o Estado brasileiro deve rever os protocolos de ação da polícia.
O prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), ainda não se posicionou sobre o caso. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se limitou a dizer que lamenta as nove mortes.Jornalistas Livres
Nove jovens morreram em decorrência da truculência policial
Investigações
Procurada pelo Brasil de Fato, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não respondeu a todas as questões enviadas pela reportagem. Foram feitas as seguintes perguntas: “Quantos policiais atuaram na ação da PM em Paraisópolis no dia tragédia? Se confirmado o envolvimento dos agentes, quais medidas serão tomadas contra eles? Somente afastamento? Quanto às investigações, o que a Polícia Civil, a Corregedoria da PM e a própria PM estão fazendo desde o ocorrido? Como estão as investigações? Estão trabalhando medidas para evitar desastres semelhantes?”
A resposta a todas elas, por meio de nota, foi: “Todas as circunstâncias relacionadas à ocorrência deste final de semana em Paraisópolis são investigadas por meio de inquérito conduzido pela Corregedoria da Polícia Militar. O DHPP [Delegacia De Homicídios E Proteção À Pessoa, da Polícia Civil] também instaurou inquérito policial. Novas diligências e oitivas serão realizadas”. Quando há morte em ação da Polícia Militar, tanto a Polícia Civil quanto a Corregedoria da PM são obrigadas a instaurar inquérito.
O ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano, disse que houve falhas na atuação da PM. “A ocorrência iniciou com uma suposta perseguição de suspeito e se transformou em um controle de distúrbio improvisado, precipitada, e o resultado final foi desastroso, com a morte de nove pessoas”, descreveu.
O procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio designou a promotora Soraia Bicudo Simões, do 1º Tribunal do Júri, para acompanhar as investigações. Ao fazer o anúncio, Smanio se referiu às mortes como homicídios. É a primeira vez que um órgão público se posiciona dessa forma em um caso dessa natureza.
Na última sexta (6), o Condepe anunciou uma parceria com o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para acompanhar as investigações sobre os cadáveres.
Além da missa de sétimo dia, realizada na tarde do último sábado (6), as vítimas do massacre de Paraisópolis foram homenageadas horas depois com um baile na comunidade.
Versões
Seis policiais do 16º Batalhão da PM-SP que participaram da ação foram realocados em serviços administrativos dentro da corporação – não se sabe se esse é o número total de agentes que estavam no local. Eles prestaram depoimento à Polícia Civil e à Corregedoria da PM, ao qual o Jornal Nacional , da Rede Globo, teve acesso.
De acordo com a versão divulgada pela TV Globo, os PMs foram surpreendidos por duas pessoas em uma moto durante aquela madrugada. A pessoa que estava na garupa começou a atirar. “Os criminosos continuaram a disparar com arma de fogo e foram em direção ao ‘pancadão’. As pessoas que estavam no ‘pancadão’ passaram a atirar pedras e garrafas na direção das equipes policiais”, segundo o relato.
Quem estava no Baile da DZ7, no entanto, contou uma versão diferente. Uma das vítimas levou 12 pontos na cabeça depois de ser atingida com uma garrafa por um policial. “Foi todo mundo só para um beco e foi quando começou gás, os policiais tacando um monte de coisa… Todo mundo pulando em cima do outro. Na hora que eu levantei, só vi o polícia jogando a garrafa em mim. Aí ele só gritou para eu correr, me xingou e me deu umas cacetadas”, contou a vítima em depoimento ao portal UOL.
As imagens em vídeos, gravadas pelos moradores, também colocam em xeque a versão dos policiais. As gravações mostram jovens acuados em vielas, sendo agredidos e impedidos de fugir. Em um dos vídeos, um jovem sozinho é agredido por um agente diversas vezes com um cassetete. Em outro, policiais atiram com bala de borracha contra os moradores, violando o protocolo de segurança da corporação.
Morte em Heliópolis
No mesmo dia do massacre de Paraisópolis, um homem foi morto em um baile funk em Heliópolis, bairro periférico da região sudeste de São Paulo (SP). Os envolvidos no assassinato são três policiais militares, que foram afastados dos serviços operacionais.
As comunidades guardam características semelhantes: têm cerca de 100 mil habitantes cada uma, escassos espaços de lazer e operações policiais truculentas cada vez mais frequentes.
Por Brasil de Fato
Foto de destaque: Elineudo Meira/Fotos Públicas